sexta-feira, 2 de abril de 2010

Crônica da Sexta-Feira da Paixão de 2010

A morte às 15h
e a eternidade dos instantes heróicos


O Botafogo foi eliminado da Copa Brasil pelo Santa Cruz na quinta-feira santa por motivos óbvios: o time jogou pior do que o visitante no Engenhão e perdeu a partida por 3 a 2. Ao conseguir quase no finzinho o empate que lhe garantia vaga nas oitavas, o Fogão saiu de si e tentou vencer, sem necessidade. Empreendeu correria como se aquele 2 a 2 não bastasse. O mago Joel Santana não conseguiu dar nenhuma ordem tipo cera, cai-cai, catimba, cadenciar a bola e o ritmo do jogo. Aliás, Joel só é diferenciado em disputas regionais. Quando a competição é nacional, o histórico do técnico não ajuda, não existe.

A ministra Dilma Roussef deixou o cargo na Casa Civil chamando oposicionista de "viúva da estagnação" e de gente que "tem medo". Posso imaginar que gente pretendendo o poder em Brasília seja pessoa que não tem medo de ser amante da arrogância.

Sobre minoridade penal, os sinais de uma dupla no poder lá longe dão uma ideia da gravidade do problema da violência e da política. A onda de assassinatos, dias atrás, não decorreu de tirinhos da máfia, mas de mulher-bomba, duas delas, talvez virgens. A promessa da dupla Putin e Medeved de punir responsáveis pelos atentados no metrô de Moscou é mera retórica. O Kremlin informou nessa Semana Santa que uma das terroristas tinha apenas 17 anos de idade. Cometesse tal barbárie no Brasil, a dimenor pegaria poucos meses de recolhimento para uma falsa re-socialização e a reentré nas ruas do caos.

A derrota do Botafogo lembrou a eliminação do Flamengo na Libertadores em 2008: perdia de 2 a 0, no Maracanã, mas o resultado ainda garantia a vaga. Os rubro-negros partiram loucamente para o ataque, tentando reduzir o vexame. Mas aquele 2 a 0 tinha o mesmo efeito de uma vitória do Mengão por 8 a 0. Aquela derrota ainda era uma classificação. Mas o time foi na euforia até levar o terceiro no finzinho e cair fora. Cabañas marcou os três, o hat trick, e depois levaria um tiro na cabeça. Teve neguim que gostou.

Sexta da Paixão: a morte de Cristo às 15h, entre dois ladrões. Religiões pregam sacrifício. Abraão não apunhalou o filho Jacó porque Deus interrompeu no último instante, reconhecendo que o ser humano O reconhecia como senhor da vida e da morte. Cristo morreu para salvar a humanidade. Flagelos, jejuns, martírios. O conceito de sacrifício está presente em todos os pontos do planeta. Mas com a internet, as avaliações estão cada vez mais críticas à ideia de que o sacrifício seja um bom preceito. Será o sacrifício uma forma de heroísmo? Sim, mas apenas heroísmo mental, misteriosamente religioso.

E assim, de linha em linha, ressurge a imagem de um sargento que, à paisana, numa tarde de lazer no Jardim Zoológico de Brasília, viu que as ariranhas selvagens estavam matando uma pessoa que caira no espaço errado dos animais. O soldado se atirou à cova apenas para salvar uma vida inocente em troca da sua. Foi estraçalhado pelas lontras assassinas. Recebeu homenagens post mortem. Seu gesto de sacrifício o tornou um mártir moderno, sacrifício instintivo, mais forte do que todos os pecados que por ventura tenha cometido antes daquela hora final.

Os políticos brasileiros, na imensa maioria, não se sacrificam por nada. Viramos a terra da propaganda prometida.

A ideia de sacrifício me remete à ideia de perdão. Perdoar é um sacrifício. Cristo, ao morrer entre dois ladrões, recebeu sinais de ambos. Um debochava. O outro, apavorado com tantos crimes que cometera, pediu ajuda e acreditou naquele que lhe disse pregado à cruz que naquele mesmo dia o céu veria a entrada de um ladrão arrependido e abençoado. O outro ladrão caçoava, se você é o filho de Deus todo poderoso tira a gente daqui. O outro, emocionado com a revelação, pôs-se a chorar. Não chorou por dor nem medo, chorou por causa do sacrifício de Cristo. Jesus, naquela hora final em que sacrificava a própria vida de pessoa humanamente divina, fazia um sacrifício adicional: perdoar, como Deus divinamente humano, o ladrão que, mesmo arrependido e ganhando as graças, precisava ser batizado de forma a escapar do limbo do eterno esquecimento. Padre Vieira, num dos seus sermões, observou que o bom ladrão chorou por ordem divina para que as suas lágrimas se transformassem no milagre das águas do batismo e do perdão.

A Igreja Católica, entre as cristãs, é a que mais abertamente dialoga com paradoxos, os seus gerenciais, pedofilia, Torquemada, Inquisição, e com os outros, o relacionamento com a criação artística e o mistério do perdão súbito. As evangélicas modernas são pragmáticas: aqui se faz, aqui se paga. Se não paga aqui, paga na eternidade do quinto dos infernos. A católica, não. Nesta você pode pecar com contumácia, mas se morrer em estado de graça, tem lugar garantido no Reino dos Céus. Não é religião contabilista. Já foi. Já pecou muito com bulas e indulgências monetárias. Prevaleceu uma leitura da Bíblia que avisa: a morte vem como o ladrão, sem avisar.

Este Correio da Lapa não julga, apenas reflete ocasionalmente esses gritos inesperados: o heroísmo que salva, o sacrifício que perdoa, bençãos que pintam também sem nenhuma indicação prévia, pequenos milagres do cotidiano.
Por Alfredo Herkenhoff