Análise: As 7 possibilidades de Lula enviar tropas a Tegucigalpa
São remotas as chances de o Brasil, agora neste finzinho de inverno, último dia da estação, se descobrir no meio de um imbroglio internacional e forçado a entrar literalmente em guerra contra o governo de Honduras. Existem pelo menos sete possibilidade remotas de o Brasil enviar tropas para esta guerra, integrando uma força-tarefa internacional com o aval do Conselho de Segurança da ONU.
Vejamos algumas dessas sete perspectivas, a primeira delas a inviolabilidade do território nacional e, nesse sentido, o espaço da Embaixada de Brasília em Tegucigalpa é um pedaço do Brasil soberano no exterior, é parte do território brasileiro, segundo normas partilhadas pelos 201 governos do mundo há séculos e seculorum.
Vejamos notícia da agência inglesa Reuters de agora há pouco, postada no site do Estadão, antes de outras considerações sobre os riscos de o Brasil travar uma guerra particular:
Soldados hondurenhos cercam o prédio da embaixada após retirar os manifestantes do local
Militares hondurenhos cercaram na manhã desta terça-feira, 22, a embaixada brasileira em Tegucigalpa, onde o presidente deposto Manuel Zelaya buscou abrigo ao voltar ao país. A polícia e o Exército desalojaram milhares de manifestantes que permaneciam na frente do prédio. Segundo o site do jornal hondurenho La Prensa, houve confronto entre os manifestantes e as forças oficiais. Estas utilizaram gás lacrimogêneo para dispersar os partidários de Zelaya, que segundo o diário se refugiaram em lojas próximas.
Zelaya afirmou em entrevista à CNN em espanhol que a Embaixada do Brasil tem sido alvo de ataques das autoridades do regime de facto. "Estão atacando a embaixada brasileira, com sons estridentes para enlouquecer quem está aqui, a embaixada está sendo atacada com bombas", afirmou Zelaya em declarações a rede de tevê venezuelana Telesur. "Dispersaram a balas uma manifestação pacífica", acrescentou. "Estamos rodeados de francoatiradoras".
Este e-mail da Reuters dá a entender que, guardadas as devidas proporções de exageros à parte, o governo do presidente Roberto Micheletti, sem nenhum apoio internacional, não se deu conta de que não enfrenta apenas o fazendeiro de chapelão a bordo da missão brasileira e seus seguidores, mas um cerco da mídia de diversos países e que inclui os presidentes Lula, Barack Obama e Hugo Chávez.
Retirar pessoas pró-Zelaya diante da embaixada, tudo bem; toque de recolher, tudo bem, mas mandar fumaça de lacrimogêneo para dentro, fazer barulho de forma ensurdecedora, se for verdade o que disse Zelaya, aí as coisas começam a se complicar para o governo Micheletti.
Todo mundo quer que este governo Micheletti apenas apeie do poder, que se cerque de algumas garantias para evitar punições exageradas. Mas errar na velocidade e na sequência como está fazendo... Dá calafrios. Ou cai em questão de horas, ou ameaça causar um pequeno banho de sangue, entre conflitos esparsos entre segmentos distintos da sociedade desigual de Honduras.
O erro número 1 na crise do "golpe legalista" foi um crime óbvio: não compreender que, quando Zelaya tentava um plebiscito golpista, a Tegucigalpa Jurídica precisava era de um Gilmar Mendes no Supremo local, precisava de um Supremo midiático, mas na América Latina os magistrados superiores costumam ser indiferentes a jornalistas e jornalismo.
Se Zelaya cometeu crimes, violou a Constituição, perderia mesmo o cargo por decisões soberanas do Supremo hondurenho e do Congresso local, do qual Micheletti era o presidente, era o José Sarney de lá, mas a destituição jamais poderia ter se dado daquela forma: de madrugada, com soldados encapuzados retirando o homem de dentro da própria casa, de pijama, e jogando-o na vizinha Costa Rica. Que tivesse sido preso e que o Estado de Direito de Direita arcasse com o ônus da decisão política e jurídica. Mas ao jogá-lo à cova dos leões famintos e seguidores de Hugo Chávez, com apoio extraordinário de Barack Obama, no seu primeiro teste para mostrar que as normas para o quintal de Washington seriam outras, Tegucigalpa e seus novos mandantes assinaram a sentença de morte para o novo governo com união de comandantes militares, magistrados do Supremo Inferior e da cúpula oportunista do Congresso de Sempre.
Agora, na manhã de uma terça-feira com toque de recolher, esse governo envia soldados com máscaras, usando gás e sons estridentes, para espantar os 2 ou 4 mil que ousaram afrontar a proibição de sair às ruas por ali.
Se por um desse desmandos de Sarajevo alguém invade a embaixada, mesmo que seja partidário de Zelaya para tentar botar fogo no circo do regime do Supremo Local Semimorto, Brasília não poderá ficar inerme diante de uma sinuca de bico que armou para si.
Lula neste caso teria de pedir reunião de emergência na ONU sobre a violação de seu território nacional.
Obama, que ainda tem uma conta de George Bush a pagar com Lula, pelas tropas brasileiras enviadas a outro quintal, Porto Príncipe, Haiti, não negaria apoio. E uma força tarefa em questão de poucas horas pode levar Zelaya e os seus neobolivarianos de volta ao topo do poder politico.
Como reagiriam os vizinhos? Salva de palmas, apoio total das esquerdas latinas, um passeio, uma viagem quase turística. Tegucigalpa cairia no susto e faria uma grande festa. Ah, mas essa terra vai cumpir seu ideal, ainda vai virar um imenso Portugal.
A 80 quilômetros da Tegucigalpa, há uma fortaleza americana, tropas americanas, pista de pouso americana. Honduras é velha parceira de Washington, que nunca cuidou de resolver a questão da pobreza na América Central. Esta pobreza está ainda engatinhando, mas promete dar trabalho, se não for resolvida de verdade com inclusão social e bons serviços e empregos.
Sete é número de mentiroso, e não há tempo para discorrer detalhadamente sobre cada uma das outras seis possibilidades de o Brasil ir à guerra contra Honduras.
Não há tempo também para discorrer sobre as possibilidades porque o governo Micheletti ameaça desabar antes do término deste artigo que, no fundo, é mais sobre o Brasil do que sobre Zelaya.
Vejamos, com a chegada da primavera, as flores de que Lula mais gosta e pelas quais pode ir à guerra contra Honduras:
Entrar no conflito fortaleceria a campanha presidencial da ministra sucessora Dilma Rousseff.
O envolvimento da embaixada como palco do retorno de Zelaya bota definitivamente o Brasil na linha de chegada para ocupar de forma permanente uma cadeira num novo e remodelado Conselho de Segurança da ONU.
O conservador presidente Nikolas Sarkozy, de uma França com política externa quase sempre independente de Washington, apesar de ter sido libertada na Segunda Guerra pelas tropas americanas, permite pensar que o Palácio do Eliseu e o Palácio do Planalto trabalhariam juntos para, com tal excursão em Tegucigalpa, numa força-tarefa internacional, o Brasil exibir tropas também francesas. E com isso se fortaleceriam os laços já recém-desenhados para a mega-aquisição de armas da Dassault e outras fabricantes gaulesas, na verdade laços de uma mega parceria militar e comercial.
Uma guerra do Brasil contra Honduras em Honduras reduziria drasticamente o papel d Hugo Chávez com líder da América do Sul.
Evo Morales na Bolívia e o bispo papão Lugo, o Guloso, pensariam duas vezes antes de mexer com o gás e com a eletricidade de Itaipu. O Brasil tem estrada Mamoré na história, tem a guerra que Dom Pedro II fez com apoio de Uruguai e Argentina, além dos escravos soldados do Rio de Janeiro e da Bahia, naquele conflito que dizimou a poulação masculina guarani.
E a sétima e última perspectiva de guerra seria prosaica: a politica em Brasília anda muito parada. A internet anda muito triste depois que a navegação afundou com a goleada imposta pelo time de José Sarney contra os que quiseram destroná-lo no Senado. Um conflito agora internacional botaria lenha na fogueira das vaidades, geraria novas emoções, agora tão fora do lugar na internet. E talvez uma guerra até ajudasse a aquecer a economia, para felicidade do ministro Guido Mantega, da Fazenda, e ainda venderia jornais impressos, estes que estão desaparecendo... Você anda pelo Centro da Cidade ao cair da tarde e não vê ninguém com um exemplar na mão, afora alguns porteiros e camelôs a caminho da Central do Brasil com tablóides fraquinhos, de leitura ligeira, como os simpáticos Meia Hora e Expressinho da Informação.
Ah, estão voltando as flores... E com elas, as guerras...
Correio da Lapa
Por Alfredo Herkenhoff