O Senado está com aquilo roxo
Por Ruth de Aquino*
“Não nasci com medo de assombração, não tenho medo de cara feia. Isso meu pai dizia desde quando eu era pequeno, que havia nascido com aquilo roxo.” Para quem não se lembra ou não era nascido, essa declaração é de Fernando Collor de Mello, senador do PTB por Alagoas, ex-presidente derrubado por impeachment em 1992. Esse populista de direita de triste memória foi recebido pelo presidente Lula na noite de terça-feira. Um dia depois de esbugalhar novamente os olhos.
O senador do PMDB Pedro Simon ficou com medo de assombração. Eu também.
Por que falar de Collor, essa figura menor no cenário nacional, um político claudicante? Alguém que iludiu os brasileiros, ao se eleger como “guardião da moralidade”, “caçador de marajás”, prometendo exterminar “com um tiro só o tigre da inflação”, e acabando por confiscar a poupança da classe média? Porque, só no Brasil de Renan Calheiros e José Sarney, Collor voltaria como fiel da balança de alguma coisa. No encontro no gabinete da Presidência, Lula teria tentado convencer Collor a apoiar a entrada da Venezuela no Mercosul.
Sempre tive dificuldade de entender a definição brasileira da expressão “formação de quadrilha” – por ser usada a torto e a direito. Mas os últimos acontecimentos são esclarecedores. A Venezuela que o Palácio do Planalto defende é a de Hugo Chávez, o populista truculento de esquerda que fecha emissoras de rádio e televisão. O aprendiz de ditador que governa por decretos e não se cala nunca. Ligado a grupos terroristas como as Farc colombianas.
A coluna da jornalista Miriam Leitão no jornal O Globo de quinta-feira 6, “Hasta cuando”, é de leitura obrigatória para quem deseja entender por que a diplomacia brasileira é severa com a Colômbia de Uribe e condescendente com a Venezuela de Chávez. Parodiando o assessor especial para Assuntos Internacionais de Lula, Marco Aurélio Garcia, o que “não está no gibi” é a tolerância brasileira com as violações de direitos na Venezuela.
Por que falar do carioca Collor? Porque sua postura de cabra-macho desequilibrado parece ter contaminado de vez as figuras da República. Não há pudor. A casa grande agora tem “tropa de choque”, e não é de elite. A baixaria, os insultos, os palavrões invadem os lares brasileiros. Os senadores parecem orgulhar-se de ter aquilo roxo. Quando jornalistas perguntaram a Collor o que ele achava da interpelação do gaúcho Pedro Simon, ele respondeu: “Manda ele ir...” e entrou no carro. Collor mandou Simon “engolir as palavras” e o proibiu de mencionar seu nome. Ao ser reabilitado, Collor parecia ter domado os surtos. Ilusão.
O embate entre o alagoano Renan Calheiros e o cearense Tasso Jereissati diante de um maranhense apático (Sarney) um dia será reproduzido em alguma novela das 8 – até agora nenhum roteirista teria ousado tanto com medo de ser processado. Mas o tratamento Vossa Excelência parece ter sido arquivado na vida real. Agora, eles se tratam por “coronel de m....” e “cangaceiro de terceira categoria”.
– Me respeite! Me respeite! Eles se gritam.
Nos respeitem, porque está duro defender a instituição. As instituições são compostas de homens. No caso, homens eleitos. Sua maior qualidade deveria ser a integridade, a decência, a compostura, já que representam o povo e são pagos por nós.
A melhor frase da semana foi de Paulo Duque, do PMDB do Rio de Janeiro e presidente do Conselho de Ética do Senado, sobre o discurso de Sarney – coalhado de imprecisões. “Achei o discurso muito bonito, muito adequado, muito verídico.” Não entendi o advérbio de intensidade. É estilo, ou agradecimento salivoso a quem resgatou da obscuridade o senador de 81 anos? Existe discurso “pouco verídico”?
Neste domingo, Dia dos Pais, com que cara esses senadores olharão para seus filhos? Se alguém soltar um palavrão na mesa, se o bate-boca se generalizar, não poderão fazer cara feia. Terão de engolir.
(*) Jornalista, da Época