sexta-feira, 20 de março de 2009

Coluna do Alfredo (5) Raíssa da Beija-Flor é carioca

A Baixada é carioca

Quase ninguém se preocupa se o preço do barril de petróleo está a 140 dólares em junho de 2008, se a 35 dólares em janeiro de 2009, ou se a 45 dólares em março de 2009. Na Central do Brasil, a identidade se preocupa mais com o cotidiano, sem fazer muitas ilações com a macro-economia. Se terça-feira tem pagode, descobre-se logo uma multidão de sambistas de primeira qualidade, que a Baixada é carioca. Numa entrevista com a jovem Raíssa, perguntei à Rainha da bateria da Beija Flor se ela era fluminense. Ela respondeu: "Não. Eu sou carioca de Nilópolis".

A propósito, o adjetivo "fluminense", fluvial, parece que foi impingido a esta região periférica. A cabrocha da Beija-Flor, o passista da Grande Rio, o cidadão orgulhoso de Caxias: todos se sentem mais cariocas do que fluminenses. Este adjetivo, no sentimento da maioria, diz mais respeito a coisas do outro lado da Baía de Guanabara, cidades como Niterói, São Gonçalo ou interiorzão mesmo do Estado do Rio.

Mas a Baixada não tem voz. São poucos e fracos os meios de comunicação locais. Os baixadianos se sentem cariocas do fundo da metrópole, e não fluminenses porque algum preconceito meio século atrás houve por bem batizar assim a periferia. A pequena rejeição nada tem a ver com torcida de futebol nem encerra desapreço pelo termo fluminense. O sentimento de carioquice na Baixada é igual entre rubro-negros e torcedores do Fluminense tanto em Caxias quanto Nova Iguaçu.

Embora sem voz, baixadianos tem clara noção de que são excluídos e castigados pela banda rica da metrópole. Enquanto no Rio Jardim Pernambuco é sinônimo de riqueza no Leblon, ou em São Paulo a região dos Jardins é sinônimo de padrão europeu, na Baixada todo bairro cujo nome começa por jardim enfrenta situação caótica. Jardim na Baixada é sinônimo de inferno. Jardim Paraíso, Jardim Gramacho, dezenas e dezenas de jardins, infernos destituídos de um mínimo de infra-estrutura. E quando muito, consomem o lixo de Jardim Pernambuco.

A Baixada, com cerca de 3 milhões e 800 mil pessoas, é a terceira maior aglomeração urbana do Brasil.

Depois do Paraíso

Foi bom morar no céu, mas você virou inferno. Agora é cada um no seu quadrado. Nem véu, grinalda, nem terno. Se um dia quiser voltar, vai ouvir um nunca mais. Claro, me deu prazer, mas não vai tirar minha paz. Cacilda, caraca. Quero que você morra. Tudo o que sobrou de nós castiga: saudade, história e briga. Por isso acordo mais cedo. Ando acordando mais cedo para ter mais tempo e esquecer mais intensamente e mais depressa. Nada de você na hora do trem. Ando mesmo acordando mais cedo pra curtir um tempo mais longo, esquecer mais Sua Songa Monga Orango Tango. Encheu a paciência. Achou que arrebentava, ambição e indecência, vulcão cuspindo lava. De dia ducha fria, de tarde um canhão falando pelos cotovelos, aprontando confusão. Pediu mais que podia levar. Encontrou o seu verdugo, a pedra falsa, o musgo, o açoite, a solidão perdida na noite. Não quero ver nem sua sombra vulgar mascando chiclete, mocréia com cara rotunda rebolando ao som de Claudia Leitte.

Remandiola amorosa

O que você fez comigo? Saiu por aí atrás de um abacaxi. Estou de saco cheio, estou por aqui com quem acha que tem o rei na barriga. Não estou nem mais a fim de briga. Acabou. Morreu. Não tem mais. Não quero nem saber para onde você foi ou vai. Corre atrás, quem sabe não rola outra remandiola? Estou noutra, bem melhor do que você.

A arte de dar e recusar

Você perdeu uma chance de prazer, não vai nem mais saber se podia me usar. Há uma grande diferença entre querer e construir, entre dar e receber um sorriso. Quem dá amor dá pra sempre. Quem deu ganhou pra sempre. O que foi dado foi dado pra sempre. A regra é clara. Não cobrar o que se aceita. Aceitou é seu. O presente é tudo o que se diz. Ainda que fosse só a metade, dava pra ser feliz. Ainda que fosse outro nome, dava pra acreditar. Mas viver também é dar porrada, também é razão de instinto. Quase juntamos nossa inteligência. Deu no que deu. Devo confessar que não deu certo. Não tenho mais paciência. Eu queria tudo. Mas você não topou. Não haverá outra hora. Não gostei. Vou vazar agora. Fui.

Falando em dar

Mestre Olympio Garcia Mattos, funcionário da Biblioteca Nacional e falecido, era chamado pelo então presidente daquele instituição Affonso Romando de Sant'Anna de "arqueólogo dos papéi"s. Olympio descobria surpresas, até originais de Machado de Assis. Mas Olympio também descobriu uma coisa que sintetizou com esta frase: "Quem pede, fede". Antes dele, o médico radiologista José Edgard Estellita Lins foi mais longe na mesma reflexão: "Evite pedir. Mas se tiver de fazê-lo, peça a quem tenha e possa dar. Porque a pior coisa do mundo é ouvir o não quando mais se precisa do sim".

Por Alfredo Herkenhoff, parte do projeto Central do Brasil Século 21
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