segunda-feira, 11 de maio de 2009

Levy Cardoso, vivinho aos 107 anos de idade (3 partes)


General Waldemar Levy Cardoso tem 107 anos de idade e é o único marechal vivo no Brasil


Herói de campanha de Monte Castelo, na Itália, no fim da Segunda Guerra Mundial, ex-presidente da Petrobras, o general Levy Cardoso vive modestamente num apartamento na Rua Toneleros, em Copacabana


Petroquímica no Brasil saiu do meu decreto


Depoimento dado pelo marechal a Alfredo Herkenhoff **


Nasci no último mês do ultimo ano do século 19. Acho que estou tendo uma vida longa porque nunca roubei, sempre dormi tranqüilo. Nunca ninguém me chamou de ladrão. Vi a troca de poste de gás por eletricidade. Andei de bonde de burro. Vi substituir os tilburis pelos carros. O Rio terminava em Botafogo. Nasci perto da Cinelândia. Vi construir o pavilhão Monroe e a Avenida Central (Rio Branco). Andei de jipe em praia deserta do penhasco, no Pontal da Barra, até o Leblon. Sem viva alma. Ouvi meu pai dizer a um amigo: compre uns terrenos em Copacabana que isso vai valorizar. O amigo brincou: você acha que eu vou comprar areia? Vi desenvolver o rádio, começou de galeta. Vi crescer a aviação. Não conheci Santos Dumont, mas o vi uma vez.
Na minha carreira de soldado, o momento de mais alegria foi o tempo de tenente. Como capitão, eu me sentia o dono do mundo.

O mais triste foi quando, na Itália, como coronel chefiando o 1° Grupo de Artilharia contra Monte Castelo, passei um pito no meu motorista porque o caminhão blindado de duas e meia toneladas estava sujo. Ele foi limpar, uma granada arrebentou e matou. Coitado. perdi um bom cabo no acidente provocado afinal de contas por mim. A conquista de Castelo foi um grande momento. Fui designado pelo marechal Cordeiro de Farias para coordenar os tiros para o regimento de infantaria. Fiz a barragem rolante com canhões de 155mm, espoleta com retardo. Varri a área. Tivemos umas 300 baixas, mas vencemos no terceiro ataque.
Como marechal do Exército Brasileiro (hoje o último vivo), fui nomeado para presidir a Petrobras pelo presidente Costa e Silva. Tentei fugir. Não queria. Mas foi uma ordem. Eu já estava no Conselho Nacional de Petróleo e fiscalizava contas da Petrobras. O Candal, que já era presidente da Petrobras, teve de se afastar dois anos depois porque este era o máximo que um militar podia ficar num cargo público. E ele queria seguir na ativa.

O que me marcou foi o meu programa para a Petroquisa, que eu já vinha criando desde o tempo do Conselho. Costa Silva me perguntou assim: Isso vai dar certo? Fui firme: Vai. O decreto permitia a associação da Petrobras com capitais nacionais e estrangeiros e assegurava a matéria prima por preço internacional. Até então a petroquímica do Brasil era chamada no Conselho de “petroquímica do lixo”. Essa minha decisão deu origem ao primeiro pólo petroquímico da Bahia, o União. Havia um projeto que não deslanchava. Mas no meu tempo foi grande a afluência. A Petroquisa tinha projeto para 200 mil toneladas de eteno, mas antes da terraplenagem a produção foi para 300 mil toneladas. Depois surgiram os outros projetos de pólos. A Petroquimica saiu do meu decreto, feito por mim em minha casa em Copacabana. Porque até meus assessores disseram que não ia dar certo, Mas fui claro: ninguém faz nada no Brasil em petróleo sem se associar à Petrobras. E eu estava certo.
Minha permanência foi pequena. Costa Silva morreu oito meses depois e pedi demissão imediatamente Mas realizei muito por causa da experiência ainda no Conselho, onde recomendei a construção de Paulínia. O consumo de derivados crescia à razão de 10% ao ano. Era o milagre econômico. Os derivados no Brasil eram 30% mais baratos do que os importados. Criei a Comissão de Obras Prioritárias, ligadas à presidência. Mas só conseguiu iniciar Paulínia. Abri a primeira concorrência. Depois, pedi demissão.Assumiu o Geisel. Tive uma conversa com Geisel de mais de seis horas antes de ele assumir. Mostrei a ele a necessidade de manter a comissão, a importância do plano. Ele concordou. Disse a ele: há uma fofoca muito grande na Petrobras dizendo que essa comissão tirou prestigio de órgãos internos. Mas não vá atrás disso. Estude bem e mantenha a comissão que você é o chefe dela. Seguiu meu conselho e em três anos construiu Paulínia, tempo recorde para uma refinaria. Tinha o projeto e o dinheiro.
Sempre fui favorável à Petrobras. Mas havia uma política comunista dentro dessa campanha do petróleo é nosso. Daí que eu me afastava um bocadinho dela. Graças a Deus Getúlio assinou o decreto, que não era de comunista. Desculpa dizer, mas hoje o comunista não vale mais nada. Quem é que é hoje? Já morreu. Eu cumprimento o comunista, mas antes ele era perigoso. Na Rússia acabou. Cuba não vale nada. Está precisando que o Brasil leve álcool para lá.
Hoje vejo a Petrobras marchando para um grande desenvolvimento para a criação de uma empresa de energia, não só de petróleo, mas eletricidade, etc. Pode vir a ser uma das maiores do mundo. Assim vejo e desejo.


** - A entrevista foi concedida na casa do militar em Copacabana a Alfredo Herkenhoff em setembro do ano de 2003.

Mais sobre o marechal nos dois "posts" abaixo...