Filhinho de Papai Estado
A justiça do seu país parece um hímen complacente
Parece uma menina que gosta de estuprador
Quanto mais lenta é, mais lenta tem prazer em ser
Quanto mais canalha a desafia
Mais se regozija na selvageria
A justiça do seu país é a vergonha da cultura
É a tortura dos prazos e das formalidades
Parece brincadeira de funcionário da coisa pública
A justiça do seu país não apressa o passo diante da boa fé
A justiça do seu país ajuda o Estado a produzir filas
Aprova anos de espera, anus estuprados em pequenas celas
Mas a justiça acha que não é com ela
Acha que o Estado é pai, parece filhinho de papai
A justiça ameaça tudo e todos
o delegado, o soldado, o rábula, o prefeito e até o presidente
Ameaça principalmente a gente humilde que devia proteger
Entre rompantes, a do seu país é muito escrota
É muita gente pobre na cadeia
E ricos fora com ritos, prazos e agravos de instrumento
Protege quem não é jumento, desde que dê coice,
Distribui afagos entre datas vênias e requerimentos
A justiça cumpre risonha a lei
Mas se eu fosse da do seu país não dizia o que digo
Eu flanava de recesso em recesso sem nenhum perigo
Eu procuraria esconder a impotência na aplicação da lei
E se me viesse um peso na consciência
Eu não chorava e nem me matava
Muito menos rasgava a toga em praça pública
A justiça brinca com a vida enquanto o querelante morre
Brinca com adiamentos enquanto o querelante morre
Brinca com a chicana enquanto o querelante morre
Brinca com o advogado do ladrão enquanto o querelante morre
Brinca com a vítima enquanto o ladrão nem se apresenta
O acusado manda alguém com procuração porque não tem tempo a perder
A justiça do seu país desanima tudo
Até o carnaval fica sem graça sob a tutela da do seu país
A justiça do seu país ainda será best seller
No mercado pedagógico de livros futuros sobre erros passados
Tchau! eu aqui volto mais não
E quer um conselho? Faça concurso de juiz
Os concursos são maravilhosos!
A justiça do seu país não lê jornal
Prefere inocentar os proprietários do FGTS alheio
Prefere liberar empréstimos do BNDES deles
Prefere exigir compostura formal
Prefere marcar mais uma audiência
Prefere se achar justa
Enquanto ninguém acredita nela
E o querelante morre(POR ALFREDO HERKENHOFF)