quinta-feira, 30 de abril de 2009

Criança, cachorro, Shakespeare, Sherlock, Heathcliff e Hitchcock.

Digressão
Criança, cachorro, Shakespeare, Sherlock, Heathcliff e Hitchcock. O que essas placas luminosas têm em comum, além de, em dupla, começarem pelas mesmas letras, sejam em vitrines, sejam em sinais?

Criança: Se é filha de classe média, só começa a andar desacompanhada na rua ali pelos oito anos de idade. Se for de classe média e ainda filho único, começa a andar sozinho na rua aos 12 anos. Se for menino muito rico, só depois da adolescência, e ainda assim os seguranças o seguem respeitosamente. Se for menino muito pobre, não começa a andar na rua. Nasce e vive nela, mas não viceja, rasteja.

Cachorro: se tiver pedigree, não anda na rua. Faz tudo em casa onde tem tudo. Se for de família classe média, vai à rua uma vez por dia, ou no máximo duas. Se for cachorro vira-lata, não sai da rua, late, mas não tem direito a veterinário nem a higiene.

Shakespeare: tudo o que escreveu transmite emoção aos que têm a chance de conhecê-lo. Como diria Emerson, ''tudo o que Shakespeare diz do rei, aquele garoto magricela que lê em um canto sente ser verdadeiro em relação a ele mesmo''.

Sherlock: tinha tanta ou mais sagacidade do que o padre Brown, mas mais britânico, pouca coisa em comum com o moderno e profissional 007. Aparentemente Mr. Holmes padecia de misoginia.

Heathcliff: no livro e nos filmes, um homem e uma imagem soturna de uma mulher sobrevivendo entre ódios ancestrais.

Hitchcock: não conseguimos imaginá-lo muito magro. Parece que já nasceu rechonchudo e velhinho: um Papai Noel do cinema, que só deu alegrias e presentes sob a forma de tramas e suspense.

A resposta: todas as seis palavras têm uma enorme capacidade de despertar interesse.

As crianças foram imaginadas por categorias socioeconômicas nas ruas do Rio de Janeiro. Os cachorros também foram pensados como seres nacionais. Mas o resto está meio britânico, até o tempo, que também é assunto obrigatório, aqui como em Londres.

Crime passional
Mudo de assunto? Não, ainda não, porque devo explicações. Dizer que aqueles seis nomes despertam interesse significa que os leitores lêem, uma obviedade. Há coisas mais interessantes, mas os seis nomes dignificam o leque de ofertas de qualquer produto.

Poder-se-ia incluir o crime passional como um dos assuntos de interesse da maioria dos leitores que lêem. Não o foi, porém, porque é um tema que atrai também leitores que quase não lêem. Ler, aliás, e agora, já, sim, tema novo, não significa somente saber reconhecer nomes a partir de letras. Ler é decodificar sinais em paisagens, canções, expressões faciais e normas de qualquer corporação. No fim das contas, ler laços.