Reencontro o Conselheiro Gumercindo perto do hotel onde estou hospedado em Salvador. Ele é português que passou boa parte da vida em Angola, onde se acostumou com situações como a colonização de Lisboa, o nomadismo de tantos tribos e a sensualidade desenfreada de algumas africanas contrastando com as mulheres brancas fechadas num mundo pudico.
Gumercindo tem um filho na Suíça e mais nada. Não fala de seu passado a não ser que a curiosidade do interlocutor seja sexo. Em sua vida solitária no Brasil, não perdeu o hábito de ganhar mulheres. Como quase nunca cozinha em casa e como é bom de garfo e de cama, conforme sempre se gaba, está sempre em restaurantes e lanchonetes das imediações do seu apartamento, pronto para convidar mulheres para partilhar uma pequena história de amor e uma boa transada. Depois que as ganha, vira um excelente cozinheiro, diz, falando de culinária com a mesma avidez com que fala de sexo. Conheci Gumercindo, no Rio de Janeiro, onde tinha uma pequena loja de souvenir logo que veio para o Brasil. Hoje vive de modo remediado na Bahia. Primeiro começou vendendo objetos curiosos do folclore africano. Depois passou por imagens de santos de religiões afro-brasileiras. Agora soube que sua nova loja tem um pouco de tudo, um armarinho, mas que se sobressai pela quantidade de mulheres que a freqüenta. Curioso é que ele não canta freguesa, pelo menos em sua loja de rendas, tecidos, botões.
Mas nas imediações do seu apartamento, a volúpia e a rotina de caçador já o tornaram célebre no bairro. Revejo o colega e o provoco, perguntando o que é uma mulher boa.
Me diz:
Só se conhece uma mulher boa depois de transar. Tem umas lindas que quando tiram a roupa são uma desgraceira. É tábua de passar, não se mexe nada. Mas a mulher é o maior mistério que existe no mundo. Para mim, desde que não cheire a catinga, qualquer cheiro é gostoso, de preferência neutro.
Insisto na provocação. Já pegou alguma com mau hálito?
Me responde:
Não fala. Uma das mais bonitas, só vendo para crer, deixei, sem que ela percebesse, por causa do mau hálito. Uma pena, era linda, trabalhadora, mas não foi possível.
Conselheiro, você não sai com puta não?
Não. Meu caminho sempre foi paralelo. Nunca fui para zona. Nunca dei dinheiro, e olha que hoje em dia tem mulher que paga para o homem comê-la. Geralmente são as viúvas, as divorciadas e as solteiras bem realizadas. Em Angola, quando servi, meus colegas do Quartel-General iam uma vez por mês ao puteiro. Depois ainda mexiam comigo, mal sabendo que eu, novinho, já tinha as minhas amantes. Noutra ocasião, em França, me surpreendi com a minha audácia. Saí com a mulher de um conhecido meu, para dançar, digamos, e entreguei a francesa de volta, direitinho, devidamente comida. A coisa boa de mulher é que não deixa marca. Passou sabão, está tudo novo.
Não quero entrar no preconceito do Gumercindo, que se empolga e segue exibindo o seu mundo:
Eu vejo aquela mulher que precisa de prazer, precisa de companhia, e para isso tenho um olho experiente, um olho clínico. Sei escutar. E se ela dá uma cantada, escuta logo a resposta. É preciso então escutar a pergunta. A mulher carente está em toda parte. Às vezes chama um bombeiro para trocar uma carrapeta inexistível. Às vezes bota uma roupa provocante. Quer satisfazer a sua necessidade fisiológica. E o meu forte é satisfazer essas mulheres.
Você não é mais nenhum garotão, aliás está com uma senhora pança, Conselheiro Gumercindo, e também nunca trabalhou como bombeiro. Como você descobre essas mulheres?
Nova aula com muita convicção:
Essas mulheres estão em toda parte. Aqui mesmo já peguei algumas. Nunca peguei puta pelo menos sabendo que fosse puta.
Você tem preconceito contra puta?
Não tenho, mas não me interessam porque gosto de mulher com vontade de dar. Não de ganhar dinheiro. Às vezes fico pensando que tesão não é coisa de homem. Talvez isso tenha vindo da África. Lá você tinha facilidade de comer as pretas, mas de branca não dava para ver nem o pé. Se visse um joelho branco merecia meia dúzia de punhetas. Hoje estou aqui da mesma forma. Sei cozinhar, passo a minha roupa, vivo sozinho. Levo as mulheres para transar, faço agrados, dou até, raramente, uns presentinhos. Depois a coisa acaba. São três ou quatro dias, depois acaba. Não perco a mulher. Ela vai embora porque tem que ir embora, porque é para ir embora. Não preciso dizer a elas que o meu grande negócio é variar. Elas sabem e querem isso, essa rotatividade. Mas como eu dizia, para entabular conversação é preciso, além do olho clínico, usar a mão, fazer mímica. Afinal de contas, mulher é igual a nós. Precisa satisfazer as necessidades, mas tem muita mulher envergonhada. Então dou uma ajudinha. Riu de lá, rio de cá. No que ponho a mão na mão dela é meio caminho andado.
Mas essa rotina não cansa?
Jamais, meu amigo. Fiz amor com muita gente. É gostoso variar. É a lei do galo, é como no galinheiro, onde há um galo para satisfazer 10 galinhas. O ideal é uma diferente por dia. Eu como mulher todo dia. Naquele tempo chegava a comer três mulheres diferentes por dia. Hoje estou mais devagar. Já passei dos 55, mas é como sempre digo, se um dia eu não puder mais namorar minhas mulheres, prefiro morrer e estarei morto.
Você se acha eternamente insaciável?
Não. Cada um tem uma capacidade própria. Peguei mulheres menos e mais gostosas. As melhores foram uma maranhense, uma baiana e duas cariocas. No meu tempo jovem eu fazia amor seis, sete, oito, nove vezes num dia. Hoje é no máximo três. Mas você troca a quantidade pela qualidade. Tenho meus segredos e já passei horas dentro de uma mulher. Eu lhe falei de mulheres especiais, mas tem gente diferente em qualquer raça. Vai do sangue de cada um. Em todas as raças que provei encontrei coisas maravilhosas. Tem umas sem direito a repeteco. Tem aquelas que não cansam, podem até ser chatas, mas na cama, ah, é uma festa. Mas sempre fui observador. Sempre tive o tal olho clínico. A maioria das mulheres não goza. Pode até fingir para agradar o companheiro, mas não é verdade. E o tamanho do pênis nem é importante. O que importa para fazer um bom amor é virilidade, paciência e atenção. Está difícil? Vira de lado. Você se acha na hora. Ela se acha. Acho que está meio perdida, dou um jeitinho. Sempre que tenho uma mulher diferente, eu me confesso com ela. Conto tudo, e ela fica toda vaidosa, toda prosa.
Você não sente saudades, Conselheiro Gumercindo?
Naturalmente, mas a vida não pode parar. Tenho compromissos. É muito trabalho e muita mulher que ainda vou comer.
Conselheiro, e de Angola, você tem saudade?
Tenho, mas não volto mais. A minha vida aqui na Bahia está boa. E como está a sua lá no Rio de Janeiro?
(*) O autor assina como pseudônimo, mas é velho colega de Alfredo Herkenhoff
Gumercindo tem um filho na Suíça e mais nada. Não fala de seu passado a não ser que a curiosidade do interlocutor seja sexo. Em sua vida solitária no Brasil, não perdeu o hábito de ganhar mulheres. Como quase nunca cozinha em casa e como é bom de garfo e de cama, conforme sempre se gaba, está sempre em restaurantes e lanchonetes das imediações do seu apartamento, pronto para convidar mulheres para partilhar uma pequena história de amor e uma boa transada. Depois que as ganha, vira um excelente cozinheiro, diz, falando de culinária com a mesma avidez com que fala de sexo. Conheci Gumercindo, no Rio de Janeiro, onde tinha uma pequena loja de souvenir logo que veio para o Brasil. Hoje vive de modo remediado na Bahia. Primeiro começou vendendo objetos curiosos do folclore africano. Depois passou por imagens de santos de religiões afro-brasileiras. Agora soube que sua nova loja tem um pouco de tudo, um armarinho, mas que se sobressai pela quantidade de mulheres que a freqüenta. Curioso é que ele não canta freguesa, pelo menos em sua loja de rendas, tecidos, botões.
Mas nas imediações do seu apartamento, a volúpia e a rotina de caçador já o tornaram célebre no bairro. Revejo o colega e o provoco, perguntando o que é uma mulher boa.
Me diz:
Só se conhece uma mulher boa depois de transar. Tem umas lindas que quando tiram a roupa são uma desgraceira. É tábua de passar, não se mexe nada. Mas a mulher é o maior mistério que existe no mundo. Para mim, desde que não cheire a catinga, qualquer cheiro é gostoso, de preferência neutro.
Insisto na provocação. Já pegou alguma com mau hálito?
Me responde:
Não fala. Uma das mais bonitas, só vendo para crer, deixei, sem que ela percebesse, por causa do mau hálito. Uma pena, era linda, trabalhadora, mas não foi possível.
Conselheiro, você não sai com puta não?
Não. Meu caminho sempre foi paralelo. Nunca fui para zona. Nunca dei dinheiro, e olha que hoje em dia tem mulher que paga para o homem comê-la. Geralmente são as viúvas, as divorciadas e as solteiras bem realizadas. Em Angola, quando servi, meus colegas do Quartel-General iam uma vez por mês ao puteiro. Depois ainda mexiam comigo, mal sabendo que eu, novinho, já tinha as minhas amantes. Noutra ocasião, em França, me surpreendi com a minha audácia. Saí com a mulher de um conhecido meu, para dançar, digamos, e entreguei a francesa de volta, direitinho, devidamente comida. A coisa boa de mulher é que não deixa marca. Passou sabão, está tudo novo.
Não quero entrar no preconceito do Gumercindo, que se empolga e segue exibindo o seu mundo:
Eu vejo aquela mulher que precisa de prazer, precisa de companhia, e para isso tenho um olho experiente, um olho clínico. Sei escutar. E se ela dá uma cantada, escuta logo a resposta. É preciso então escutar a pergunta. A mulher carente está em toda parte. Às vezes chama um bombeiro para trocar uma carrapeta inexistível. Às vezes bota uma roupa provocante. Quer satisfazer a sua necessidade fisiológica. E o meu forte é satisfazer essas mulheres.
Você não é mais nenhum garotão, aliás está com uma senhora pança, Conselheiro Gumercindo, e também nunca trabalhou como bombeiro. Como você descobre essas mulheres?
Nova aula com muita convicção:
Essas mulheres estão em toda parte. Aqui mesmo já peguei algumas. Nunca peguei puta pelo menos sabendo que fosse puta.
Você tem preconceito contra puta?
Não tenho, mas não me interessam porque gosto de mulher com vontade de dar. Não de ganhar dinheiro. Às vezes fico pensando que tesão não é coisa de homem. Talvez isso tenha vindo da África. Lá você tinha facilidade de comer as pretas, mas de branca não dava para ver nem o pé. Se visse um joelho branco merecia meia dúzia de punhetas. Hoje estou aqui da mesma forma. Sei cozinhar, passo a minha roupa, vivo sozinho. Levo as mulheres para transar, faço agrados, dou até, raramente, uns presentinhos. Depois a coisa acaba. São três ou quatro dias, depois acaba. Não perco a mulher. Ela vai embora porque tem que ir embora, porque é para ir embora. Não preciso dizer a elas que o meu grande negócio é variar. Elas sabem e querem isso, essa rotatividade. Mas como eu dizia, para entabular conversação é preciso, além do olho clínico, usar a mão, fazer mímica. Afinal de contas, mulher é igual a nós. Precisa satisfazer as necessidades, mas tem muita mulher envergonhada. Então dou uma ajudinha. Riu de lá, rio de cá. No que ponho a mão na mão dela é meio caminho andado.
Mas essa rotina não cansa?
Jamais, meu amigo. Fiz amor com muita gente. É gostoso variar. É a lei do galo, é como no galinheiro, onde há um galo para satisfazer 10 galinhas. O ideal é uma diferente por dia. Eu como mulher todo dia. Naquele tempo chegava a comer três mulheres diferentes por dia. Hoje estou mais devagar. Já passei dos 55, mas é como sempre digo, se um dia eu não puder mais namorar minhas mulheres, prefiro morrer e estarei morto.
Você se acha eternamente insaciável?
Não. Cada um tem uma capacidade própria. Peguei mulheres menos e mais gostosas. As melhores foram uma maranhense, uma baiana e duas cariocas. No meu tempo jovem eu fazia amor seis, sete, oito, nove vezes num dia. Hoje é no máximo três. Mas você troca a quantidade pela qualidade. Tenho meus segredos e já passei horas dentro de uma mulher. Eu lhe falei de mulheres especiais, mas tem gente diferente em qualquer raça. Vai do sangue de cada um. Em todas as raças que provei encontrei coisas maravilhosas. Tem umas sem direito a repeteco. Tem aquelas que não cansam, podem até ser chatas, mas na cama, ah, é uma festa. Mas sempre fui observador. Sempre tive o tal olho clínico. A maioria das mulheres não goza. Pode até fingir para agradar o companheiro, mas não é verdade. E o tamanho do pênis nem é importante. O que importa para fazer um bom amor é virilidade, paciência e atenção. Está difícil? Vira de lado. Você se acha na hora. Ela se acha. Acho que está meio perdida, dou um jeitinho. Sempre que tenho uma mulher diferente, eu me confesso com ela. Conto tudo, e ela fica toda vaidosa, toda prosa.
Você não sente saudades, Conselheiro Gumercindo?
Naturalmente, mas a vida não pode parar. Tenho compromissos. É muito trabalho e muita mulher que ainda vou comer.
Conselheiro, e de Angola, você tem saudade?
Tenho, mas não volto mais. A minha vida aqui na Bahia está boa. E como está a sua lá no Rio de Janeiro?
(*) O autor assina como pseudônimo, mas é velho colega de Alfredo Herkenhoff