terça-feira, 25 de agosto de 2009

Analisando o termo “lame duck”: política e cultura

Etimologia Política

O termo “lame duck” só é perfeito para democracias estáveis

Bush e Obama; Putin e Medvedev, Lula com Dilma eleita e Lula com Serra eleito

Correio da Lapa numa surpresa rapidinha (*)

A expressão inglesa “lame duck” tem múltiplos significados na cultura. Desde um passo de tango, dança de casal: os dois ligeiramente separados, face ante face. O homem dá um passo adiante com o pé direito. A mulher, com o esquerdo, mergulhando com o joelho direito para a sequência seguinte em que os dois dão novo passo. Os passos se repetem.

Lame duck é o nome de uma série de TV britânica, produção da BBC, em 1984, escrita por Peter Hammond: um homem ferido num atropelamento se sente inválido e decide viver como um ermitão. Nessa aventura, vai conhecendo ou se envolvendo com outros excluídos ou deserdados da fortuna.

Lame duck é um termo originalmente usado para designar pessoa quebrada no mercado econômico, tendo sido empregado com este sentido de falido ou pré-falimentar pela primeira vez em 1761, na Inglaterra.
O uso mais comum do termo lame duck é para designar ocupante de um cargo em fim de mandato ou carreira, já sem poder, apenas cumprindo protocolarmente os meses, semanas ou dias que faltam para passar de modo formal o poder que, de fato, já está em mãos do outrem ou de sucessor específico.
Neste sentido, o termo foi usado pela primeira vez nos EUA em 1863, tendo sido atribuído ao vice-presidente Andrew Johnson referindo-se a a um militar, coronel Forney. Não houve interesse em conhecer detalhes do caso.
A expressão com este sentido ganhou uso mundo afora. Nos Estados Unidos, o termo é até popular, usado para as sucessões na Casa Branca. George Bush, por exemplo, foi o último grande lame duck da história daquela democracia, vivendo como semimorto aqueles meses de esquecimento na reta final para a festa da posse de Barack Obama.
No Brasil, com os hiatos da democracia, permeada ao longo de um século por ditaduras, o termo ainda tem uso restrito, uma sofisticação que se limita a poucos artigos nos principais jornais do período como por exemplo O Globo, Estadão, Folha e JB. Neste Jornal da Condessa se usava o termo, nos anos 80 e 90, para a política americana, somente. Desconfia-se que não vale a pena ver quem usou pela primeira vez o termo na imprensa brasileira. Mas o Jornal do Brasil tinha essa vocação pioneira em muitas frentes.
Literalmente, lame duck significa pato laqueado, e aí nos perderíamos na culinária dos mandarins. Um prato com a ave e, nalguns restaurantes, servido às vezes em maravilhosas sopeiras chinesas, travessas baixas em porcelana ou metal, com tampa e ornamentos.
Mas, no Brasil, a tradução da crônica política oscila entre manter o termo original inglês e uma versão criativa e metonímica: Lame duck é o “pato manco”. Trata-se de uma invenção. “Lame” não significa “perneta”, mas o governante, outrora tão poderoso, se achando Deus, de repente, cai em si, a realidade democrática também sabe ser inclemente. Ele não passa de um pato, um cisne que vira patinho feio, e manca e tem saudades, mas não mete mais medo em ninguém.
Países como Brasil e Rússia, sem tradição de democracias estáveis, se embananam com o conceito de lame duck, vejamos exemplos num jogo de imagens de bric à brac:
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, por exemplo, se o PT mergulhar numa crise de votação, e se Serra, hoje com 40%, vencer o pleito em primeiro turno, como garante o futurólogo do Ibope, Montenegro, já em 4 de outubro do ano que vem será o pato manco, o lame duck dentro do Palácio do Planalto reformado. Mas, se Lula emplacar a Dilma Rousseff, não. Neste caso, com o histórico de disciplina do Partido dos Trabalhadores, partido dialético a tal ponto de desprezar culpas em casos como Mensalão e outras pequenas derrapadas, Lula continuará mantendo o poder total em suas mãos. Se Dilma, que nunca foi nem vereadora, chegar à Presidência, irá, com naturalidade, se dobrar ao grande guia, ao operário-timoneiro.
Tudo é questão de tradição democrática. A Rússia, por exemplo, sem nenhuma, saiu do czarismo para o bolchevismo e, agora republicana, ainda mantém vínculos com a veneração ao poder de fato. Assim, o ex-presidente Vladimir Putin passou o poder formal ao vitorioso nos votos, e novo presidente Dimitri Medvedev, mas Putin não se tornou lame duck nem na fase pós-eleição de Medvedev a caminho da posse. Ao contrário, Putin, antes do pleito, forçou o Parlamento a dar novos poderes ao cargo de premier. Ou seja, criou uma nova função em que continuou mandando no país.
Hoje, em sã consciência, ninguém sabe ao certo quem é o mais poderoso em Moscou. Medvedev, com a velha função de Putin? Ou Putin, com a velha tradição tipo manda quem pode e obedece quem tem juízo? Com Putin na Presidência, o sistema era presidencialista. Agora com Putin como primeiro-ministro, Moscou é parlamentarista. Simples, parece ovo de Colombo, mágica de Hugo Chávez. Perpetuação da espécie.
Na dúvida entre os dois, o Correio da Lapa palpita com o resto do mundo: em Moscou, quem manda mesmo é Putin, mesmo quando não está p. da vida.
Já no Brasil, paira a dúvida: teremos um lame duck?
Por Alfredo Herkenhoff