domingo, 5 de julho de 2009

Domingo de bananas? Ou banho de sangue em Honduras?

Multidão pro-Zelaya nas proximidades do aeroporto


A batata dos ressentimentos está assando entre seguidores de Zelaya-Chávez (com apoio de Barack Obama) versus Roberto Micheletti, com apoio do Supremo e Congresso? Como fica o povo hondurenho nessa conta?

Voos cancelados para Honduras que proibiu aterrissagens para impedir a volta do deposto Zelaya neste domingo 5 de julho de 2009

Voltando ao poder, Zelaya, nos seis meses de presidência que restam ao seu mandato, se inclinaria para Obama ou para Chávez?

Correio da Lapa, notícia comentada entre poderes internacionais e lembranças de golpes, ditaduras e ditadores como Noriega, Galtieri, Saddam etc

Por Alfredo Herkenhoff

O governo de Honduras anunciou a proibição de descida de qualquer avião em que possa estar o ex-presidente Manuel Zelaya, deposto, segundo as autoridades de Tegucigalpa, por afrontar artigos constitucionais que prevêem imediata perda do cargo, e preso por ordem do Supremo Tribunal do país da América Central.

Com apoio da Casa Branca e dos países da América Latina, todos considerando que a destituição foi de fato um clássico golpe de Estado latino-americano, Zelaya anunciou que voltaria a Honduras e pediu que neste domingo seus simpatizantes fossem ao aeroporto, mas sem armas. Ele chegaria acompanhado de presidentes, como a argentina Cristina Kirchner, e cerca de 300 jornalistas. A argentina negou que fosse acompanhá-lo. Ela estaria num outro aparelho em meio a rumores de que os aviões com Zelaya e personalidades desceriam na Nicarágua ou em /el Salvador, em meio a rumores de deslocamentos de tropas de Manágua em direção a Honduras, em meio a rumores de que Zelaya tentaria voltar por terra, em meio a rumores de rumores, rumores.

Antes da proibição de aterrissagem, o cardeal Oscar Andrés Rodriguez fez um apelo a Zelaya para que não confronte o governo do novo presidente Roberto Micheletti para assim evitar um “banho de sangue".

O clima é tenso. No sábado, Zelaya disse que voltaria para retomar o poder das mãos de “uma seita criminosa”. Neste domingo, falou em reconciliação.

A crise começou com a decisão de Zelaya de promover na marra, a sete meses do fim do seu mandato, um plebiscito sobre a possibilidade de criar uma assembleia constituinte e reformar a Carta, com possível inclusão do direito de reeleição. A consulta foi proibida pelo Supremo, pelo Congresso e condenada também pelo Ministério Público de Honduras. Mas o presidente insistiu e tentou mobilizar o Exército para implementar o referendo. O Supremo proibiu o uso do Exército. O comandante se negou a cumprir a ordem de Zelaya e foi exonerado. Os outros dois comandantes renunciaram em solidariedade. Zelaya então obrigou que os funcionários públicos fizessem o trabalho prático da plebiscito.

Horas antes do início da votação de domingo passado, Zelaya foi preso pelo Exército por ordem do Supremo. Foi tirado de casa de pijama, na madrugada, e solto horas depois na vizinha Costa Rica. Segundo as autoridades, quando ele foi preso já não era presidente, já havia sido destituído porque a Carta prevê perda imediata de função nos casos de descumprimento de cláusulas pétreas. As autoridades disseram que o retiraram de Honduras porque o Congresso precisava legislar sobre sucessão, e a presença do presidente destituído poderia causar transtornos na ordem pública.

Tudo eufemismo para golpe de Estado sim. Como uma nação soberana pode prender um presidente de madrugada dentro de casa e expulsá-lo como se fosse um degredado qualquer do tempo de Cesáres ou Pedro Álvares Cabral? As autoridades não tinham força para mantê-lo sob custódia dentro da lei e dentro do país soberano? Honduras não teve força para conferir o direito de defesa do eminente líder querendo um iminente golpe estilo chavizta? Que Constituição tão maravilhosa é esta que não pode ser mudada? Golpe, sim, clássico, com o agravante de ter como pano de fundo a figura de Hugo Chávez.

Parece ter sido, à distância, um golpe de estado de medo de que Honduras entrasse no rol bolivariano hoje formado por Bolívia, Equador, República Dominicana, Nicarágua e Venezuela.

Uma crise perfeita na qual o presidente Lula, ao condenar o golpe de estado, saiu-se com essa pérola de mau gosto. Mas que mal há em fazer uma consulta popular? Chame o Ibope, não o Exército.

No Brasil, só para lembrar, os dois últimos plebiscitos só foram possíveis depois de muita negociação no Congresso. Um sobre forma de governo, se a atual, parlamentarismo ou monarquia parlamentarista, e outro referendo sobre porte de arma de fogo.

Imaginemos Lula, de repente, numa quarta-feira qualquer, decidindo fazer uma consulta na marra sobre uma assembleia constituinte para reforma total na Carta. Na véspera desta decisão, Lula dobraria o prêmio do cheque bolsa-família e, claro, teríamos aqui um Presidente Perpétuo, versão mista de Evo Morales e Hugo Chávez, aliás, estes dois os maiores aliados de Zelaya. Evo chegou a dizer que Zelaya, com a consulta na marra, estava fazendo democracia “por outros meios. Terá lido Claus von Clausewitz, de que a guerra é a continuação da política por outros meios?

Chávez e Morales estão reeinventando a teoria: plebiscito na marra é a continuação da falsa democracia por meio da verdadeia ditadura.

O plebiscito que ia se dar em Honduras era o primeiro passo para um golpe de estado continuísta.

O Correio da Lapa, solitário tonitruante, vinha defendendo a volta de Zelaya, confiante em Lula e Barack Obama, que pediram o mesmo. Mas ele voltaria com que tipo de poder? Em linguagem diplomática, a expressão francesa “fait accompli”, ou fato consumado, resume uma situação política sem ponto de retorno. Sim, Zelaua deve voltar, mas com freios, sem poder retaliatório. Obama banca? A Igreja Católica banca? Se bancarem, resolve-se. São todos, Manuel Zelaya português, e Roberto Micheletti italiano, latinos e ladinos, farinha do mesmo saco.

Zelaya, voltando, não será mais o mesmo. Promoverá a partir de hoje um pequeno banho de sangue com milhares de pessoas se agrupando em facções opostas na capital, em torno do aeroporto? Violência como teme o cardeal? Irá prender ministros e deputados que integram a tal seita criminosa? Promoverá na marra o plebiscito diante de um Congresso e Supremo desmoralizados pela triunvirato internacional formado por Obama, Lula e Chávez? O plebiscito vai agora viabilizar mais depressa os sonhos de Zelaya de um segundo mandato?

O que seria mais sensacional, cinematograficamente pensando, seria Zelaya, de volta à Presidência por pressão de Obama, expulsar, a médio prazo, num segundo mandato, os soldados americanos da base militar a 80 km de Tegucigalpa. Poderia sonhar em substituir os americanos por soldados bolivarianos de Hugo Chávez?

No domingo passado, Chávez usou linguagem que parecia de guerra, disposição para invadir Honduras.

Pilhéria à parte, a lambança está feita. A América Latina caminha a passos largos para o século 19, sonhando com o século 18 de Simon Chávez Bolívar.

Detalhe final: a base militar dos EUA em Honduras é quase simbólica, serve para, em caso de necessidade, prender ditadores apenas se estes afrontarem diretamente cidadãos e símbolos maiores dos Estados Unidos.

A propósito, onde anda o velho ditador presidente do Panamá, aquele Manuel Noriega? Nos anos 90, ele foi retirado do país, retirado da Presidência, preso por soldados norte-americanos, de madrugada, dentro de sua casa no Panamá. Foi levado para Miami, recolhido numa cela de “segurança mínima”, apelidada de “submarino”, um pequeno bunker capaz, pelo menos, de evitar que, na ocasião, anticastristas tentassem castrá-lo. Foi golpe de estado? Teve anuência da Suprema Corte em Washington?

A crise da época se agravou quando Noriega, brandindo um facão enorme, desafiou: que venham os americanos! Que vengan? Esquecera Noriega que os soldados americanos já estavam dentro do Panamá.

Saddam Hussein fez o mesmo. Brandiu um rifle e disse em árabe: que venham os americanos?

O general Leopoldo Galtieri fez o mesmo na Casa Rosada. Invadiu as Malvinas e brandiu a língua molhada de uísque: que venha essa tal de Senhora Thatcher. Levou pau da mulher inglesa.

Zelaya, pivô de um imbroglio esquizofrênico, estava convidando gentilmente: venha, querido Hugo Chávez. Mas agora, qual fazendeiro texano, com chapéu de caubói, Zelaya, o desmatador, madeireiro, plantador de banana, senhor feudal de um país dos mais pobres, caiu nas graças de Lula e Obama, da ONU e da OEA. Tornou-se vítima política e dono de um sistema de republiqueta de bananas. O trágico é que, em meio ao caos moral, banana em Honduras não é metáfora, é realidade. Quem vai querer plantar?