domingo, 1 de março de 2009

Manhã de domingo de sol no Rio, 444 anos depois

PRAÇA PARIS, O CLARÃO DA MEDIOCRIDADE

Ler em seguida:
Rio de Janeiro urgente: Choque de ordem do prefeito Dudu Portela, que caiu no samba
Memória: Show aéreo Redbull, Monobloco e documentaristas cariocas no Youtube

A Praça Paris, entre o bairro da Glória e o Passeio Público, mantém um certo esplendor durante o dia, um esplendor tipo Anos Dourados no Rio de Janeiro, apesar da imensa grade que protege o espaço da pobreza mendicante. A grade encerra a praça noutra espécie de pobreza. O verde da grama e arbustos parece peça de museu e não uma possibilidade de respirar tranquilidade do saudoso Rio Antigo.

A Glória sempre se caracterizou à noite pela luz amarela dos seus postes. Nessas décadas todas, a iluminação pública mudou bastante em diversas partes das cidades brasileiras. Luz mais eficiente, novas tecnologias. A própria luz do Aterro, em toda a sua extensão, incluindo a parte diante da Glória, com aqueles postes altíssimos, de cimento, dá ao conjunto de Roberto Burle Marx um ar noturno enluarado. Uma luz branca que parece Lua cheia ou Lua nova, mas sempre Lua, Lua que a gente nem sempre vê, mas pressente, numa ilusão de que o satélite natural está logo acima das copas das árvores.

Mas mexer com a luz da Praça Paris e entorno, apenas por sacanagem, não dá pé. O termo é chulo, sim, mas não ocorre outra adjetivação. Entre a Rua Augusto Severo e a segunda pista de carro rente à Praça Paris, a iluminação, que era fraca, mas era aquele amarelo-manga de sempre, romântico até, agora é um horror infernal porque, no apagar das luzes da administração do prefeito Cesar Maia, aconteceu a surpresa: substituíram a coloração tradicional por uma luz branca forte, ofuscante, apontada para fora da Praça Paris.

Qual a razão de tamanha afronta? Apenas incompetência? Ousemos especular. A razão terá sido esconder o jardim da Praça Paris? É possível sim. Ou será esconder a ação dos travestis naquela parte mais vazia e sombria entre a Praça Paris e as pistas do Aterro? Sim, é possível que seja este o motivo. Mas a ação da turma da marmota, das tais paraguaias, não se alterou no outro lado da Praça, rente ao meio-fio da Augusto Severo. Então terão mudado a iluminação da Praça Paris apenas para ofuscar os motoristas passando por ali, procedentes do Flamengo em direção ao Centro ou à Lapa? Ofuscar motoristas e ofuscar passageiros também... Sim, também é uma motivação possível.

Qualquer que tenha sido a causa de urbanistas, a nova luz é anti-Rio de Janeiro, pelo menos este é o efeito imediato, isso já está óbvio. A agresão é perigosa para o trânsisto. Não faltarão atropelamentos de mendigos ou bêbados por falta de visualização a tempo de motoristas pisarem no freio, sejam profissionais ou amadores.

Mas, afinal, qual terá sido a verdadeira razão para a troca de iluminação para pior da Praça Paris? A verdadeira razão certamente foi uma mentira, uma mentira a mais nesse riacho que passou poluindo a nossa vida. Talvez o motivo tenha sido o conjunto da obra, talvez simplesmente a vontade de gastar, raspar o cofre, talvez a vontade de desaparecer no clarão da mediocridade.

CHOQUE DE ORDEM PERFEITO PELAS MÃOS DO PREFEITO DUDU

Dudu Portela, o novo apelido do prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, por ter desfilado durante 20 minutos, entre as escolas campeãs, como membro uniformizado da bateria da grande agremiação de Madureira, é até um jeito carinhoso de se espantar, positivamente, com a intrepidez do nosso primeiro mandatário. Paes gostou tanto que se poupou para sair um pouquinho em outras escolas campeãs.

Outra prova de intrepidez de Dudu Portela foi a decisão, à ultima hora, de cancelar o megasshow na Enseada de Botafogo neste fim de semana em que a Cidade Maravilhosa comemora 444 anos de fundação. O espaço é lindo e propício a espetáculos, mas não para grandes concertos populares com determinadas características.

Apesar do apoio da TV Globo, apoio que sempre serve de chancela para tranquilizar o espectador curioso, para induzi-lo a comparecer a eventos, este espetáculo cancelado misturava samba, pagode, funk e tragédia anunciada. A cidade até tem exemplos no passado de festas positivas e negativas na Enseada de Botafogo. Aglomerações que causaram transtornos e engarrafamentos históricos.

Juntar milhares de pessoas, jovens sem dinheiro no primeiro fim de semana depois do carnaval, o que pensar? Faltaria grana e sobraria fome no meio de uma consciência coletiva em fase de amadurecimento. Uma fome dessas no meio da natural rebeldia juvenil implicaria riscos terríveis.

Parabéns pela difícil decisão de suspender o evento quando este era noticiado pela TV e por todos os suplementos culturais da imprensa diária.

Restam umas últimas curiosidades: qual o tamanho do prejuízo para os contribuintes? Multas por cláusulas contratuais descumpridas etc... Quem paga? A cantora Perla, por exemplo, que direito tem por terem agendado um fim de semana e retirado o palco do seu orçamento de artista? Quem paga?

Quem bolou e produziu o evento? Não ficou claro, de pronto, que tenha sido aprovação da nova administração Eduardo Paes... Terá sido mais uma das últimas da era César Maia? Mas como a TV Globo caiu nessa?


AVIÕES, SHOW REDBULL, NÃO PRODUZIRAM CAOS TOTAL NO RIO

Por falar em Enseada de Botafogo, surge uma oportunidade para lembrar de um mega-evento, aqueles pequenos aviões fazendo piruetas numa estranha competição aérea sob patrocínio da bebida energética Redbull dois anos atrás. Centenas de milhares de pessoas foram para o bairro de passagem entre Copacabana e Flamengo. Transtorno, sim, houve pelo tamanho inesperado da multidão, uma grandeza que, segundo alguns meios de comunicação, alcançou hum milhão de almas curiosas ou emocionadas das ruas. Mas, mesmo tendo faltado camelô para atender a tanta demanda num dia de sol e mormaço - acabou cerveja em todos os bares e supermercados da área, faltou até água de copinho plástico, banheiros, um certo caos -, sobrou civilidade: famílias inteiras unidas em torno da novidade... Aviões da Força Aérea complementando as manobras no ar, pára-quedistas...

Um esplendor de fim de semana carioca, provando que não é a quantidade exagerada que propicia o caos, mas sim o caos é que propicia a quantidade errada no lugar errado, na data errada e no evento errado. De outra forma, o Dudu Portela teria de suspender os festejos de cada réveillon na orla do Rio de Janeiro.

MONOBLOCO ATRAI 500 MIL À AVENIDA RIO BRANCO

Ou Dudu Portela teria de proibir o desfile do Monobloco em 2009? Claro que não . A "escola" de Pedro Luiz e a Parede atraiu meio milhão de jovens para a festa na Avenida Rio Branco, uma multidão carioca no estilo do Bola Preta em pleno domingo de aniversário do nosso querido Rio de Janeiro. Faltou banheiro, e o choque de ordem não coibiu a urinação em público, apenas pegou meia-dúzia de bodes expiatórios para exaltar a força da lei diante da impossiblidade. óbvia .

Bem fez o prefeito Dudu Portela ao manter o show de aniversário do Rio na Cidade de Deus, com MV Bill, Caetano Veloso, Dudu Nobre e outros. A questão da conveniência não é o tamanho da multidão, mas o lugar certo na hora certa. O show rolou e.... No stress!


DOIS DOCUMENTARISTAS CARIOCAS NO YOUTUBE

Muitas pessoas registraram de forma amadoristica aquele evento da Redbull. Entre estas pessoas, dois cariocas de Botafogo, praticamente quase profissionais, no sentido de perseverança, qualidade e empenho constantes. São eles Ed Sartori, que detém o título TV Enseada, e João Saboia, que se mudou para Resende e lá se tornou um cronista visual da cidade por meio de sua Resende TV, um simples título, um "canal" de imagens registrado no Youtube, que mostra centenas de vídeos desses dois cariocas.

(Um parêntese a propósito do Youtube: esta ferramenta pertencente ao Google está criando jurisprudência, funcionando na prática como um moderno cartório, com os títulos e seus proprietários ganhando foro de legitimidade internacional)

João Saboia registrou a volta dos torcedores do Resende, chegando em pleno carnaval à pequena cidade ao Sul da capital, depois de eliminar o Flamengo no Maracanã. Aguarda-se o resultado do que terá documentado depois da vitória maravilhosa do Botafogo sobre o Resende, por 3 a 0, levando assim a Taça Guanabara para General Severiano.

A cidade de Resende, além de empresários entrando no ramo de futebol, tem também ali sediada parte da indústria de montadoras do Brasil. Saboia registra esses avanços, a riqueza, a tristeza e a alegria de Resende. E segue registrando as coisas do nosso Rio, que aqui Saboia passa pelo menos dois dias por semana. Ed Sartori, por sua vez, registra qualquer evento especial que se dê em Botafogo. Sartori virou um plantonista do bairro.

Esses dois cariocas têm em comum, além do fato de serem de Botafogo, usarem essas câmeras digitais, cada vez mais baratas e mais eficientes. São dois documentaristas, novos antropólogos do cotidiano, antropólogos do futuro. Não pedem nada a ninguém. Não enchem o saco. Apenas oferecem material audiovisual à democracia dos acessos na internet.

Este jornal Correio da Lapa vai começar a oferecer de forma mais consolidada esses registros independentes, via câmeras digitais, para comprovar e valorizar cada frase que aqui nasce ou aqui ganha guarida.