segunda-feira, 22 de junho de 2009
"Michelle Obama do Irã" recusa o título e ataca Ahmadinejad
Zahra Rahnvard, mulher do candidato "moderado", lidera críticas ao presidente Ahmadinejad e se diz seguidora da filha de Maomé
Deu no Diário de Notícias de Lisboa
A multidão esperava um líder. Ela chegou. Baixinha, já não muito jovem, como um ar de boneca persa e um chador negro a cobrir-lhe o corpo, subiu ao estrado da universidade de Teerã e pediu aos que a ouviam para irem para os telhados das casas gritar: "Deus é Grande" e "Morte ao ditador".
Se o Irã estiver, realmente, a viver uma Revolução Verde, aquele dia 15 de junho de 2009 foi como que o começo. Depois dos rostos da oposição se esconderem para fugir às milícias do regime, Zahra Rahnavard acusou o presidente Mahmud Ahmadinejad de fraude nas eleições presidenciais e, com isso, deu início a uma onda de protestos que ainda hoje continuam a incendiar o país dos aiatolás.
A mulher de Mir Hossein Mousavi, o principal candidato da oposição na corrida à presidência, não é a primeira iraniana a merecer a atenção do resto do mundo - antes dela, a activista pelos direitos humanos Shirin Ebadi recebeu o Nobel da Paz em 2003 e Masoumeh Ebtekar foi vice-presidente do governo do reformador Mohammad Khatami. Mas foi a primeira a romper com a tradição e aparecer ao lado do marido na corrida para a presidência.
Vários posters de campanha mostravam o casal de mãos dadas, um gesto que, ao mesmo tempo chocou e electrizou um país habituado a deixar as mulheres na sombra dos homens.
Num discurso que ficou célebre, na universidade de Tabriz, Rahnavard comparou os homens e mulheres a duas asas explicando que "um pássaro não pode voar só com uma asa ou com uma asa partida".
A sua popularidade é tal que os jornalistas passaram a chamar-lhe a "Michelle Obama do Irã". Mas Rahnavard, aos 64 anos, rejeita comparações com a primeira dama dos Estados Unidos. "Eu não sou a Michelle Obama. Eu sou a Zahra, seguidora de Fatimah Zahra [filha do profeta Maomé]. Respeito todas as mulheres ativas."
O discurso reformista, feminista, às vezes até liberal, desta escultora doutorada em Ciência Política, mobilizou as mulheres e sobretudo os jovens e universitários e acabou por se tornar num dos principais trunfos da campanha do marido. Mousavi é um ex-primeiro-ministro com fama de pragmático e moderado, mas com enorme falta de carisma, que tenta conciliar os valores da Revolução Islâmica de 1979 com a abertura do Irã ao resto do mundo.
"Eu e o meu marido, temos a mesma experiência," contou Rahnavard, à televisão britânica BBC, dias antes da eleição, cujos resultados ainda são contestados. "Ele é um bom conselheiro para mim, eu sou uma boa conselheira para ele."
Rahnavard casou com Mousavi no final dos anos 1960, o casal tem três filhas. Nos anos 1970, ambos eram dissidentes do regime do Xá, próximos do intelectual Ali Shariati. Por causa disso, Rahnavard foi presa em 1976. Pouco depois, fugia do país para os Estados Unidos. O exílio foi curto, porém. Rahnavard regressou a tempo de participar na Revolução Islâmica de 1979 que deu o golpe final no Xá e, liderada por Khomeini, fundou o regime dos aiatolás.
Depois tornou-se uma das figuras activas na definição da política cultural da república islâmica. Foi conselheira dos governos de Khatami, entre 1997 e 2005 e foi reitora da Universidade Al Zahra, em Teerã.
Durante toda a sua carreira política e académica, Rahnavard foi uma defensora ardente dos direitos das mulheres no novo regime - um dos seus feitos foi conseguir que as mulheres que trabalham em casa tenham direito a ordenado.
Mas, ao mesmo tempo, não deixou de ser uma crítica da noção ocidental da igualdade entre sexos. Segundo ela, essa igualdade não tem em conta a função específica da mulher que é tomar conta dos filhos e da casa.
Rahnavard defende que as mulheres iranianas tenham liberdade para não usar o véu mas considera que é um valor do Islã taparem-se. "As mulheres do Islã sempre usaram o véu. E o Alcorão diz às muçulmanas para que se cubram", afirmou à BBC.
As suas palavras refletem-se na forma de vestir. Rahnavard aparece quase sempre com um chador negro a cobrir o corpo, como é tradição no Islã, mas traz um lenço arrojado com flores coloridas à cabeça.
A mistura original dos valores da revolução com a modernidade ajudam a explicar a popularidade inesperada desta mulher que consegue prometer uma revolução com a benção dos guardiães do regime.
A prova do seu estatuto foi dada durante um debate televisivo entre os candidatos à presidência. Ahmadinejad lançou dúvidas sobre as credenciais acadêmicas de Rahnavard, numa tentativa para tirar um trunfo ao rival Mousavi. Mas o ataque fez ricochete.
Mousavi saiu em defesa da mulher, dizendo que Rahnavard era uma das mulheres mais inteligentes do Irã. E as respostas não se ficaram por aí. Rahnavard, diretora da Faculdade de Artes da Universidade de Teerã, ameaçou processar o presidente se ele não pedisse desculpa. E o Líder Supremo, Ali Kahmenei, viu-se obrigado a vir condenar o s excessos do presidente e candidato que apoiava.