sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Enfim faço 60 anos neste 3 de outubro de 2009.

O violonista Cláudio Jorge, à direita, abraçado com o finado amigo Luiz Carlos da Vila, vai comemorar o aniversário no aconchego da família. Eis a celebração verbal, um balanço, uma presença entre futuro e saudades, que o músico enviou ao nosso Correio da Lapa:

Não são aqueles anos intermediários entre a juventude e o início do fim, tipo quarenta ou cinqüenta.

São sessenta anos, meus camaradas.

Ao contrário do que eu mesmo poderia imaginar, não vou lançar CD comemorativo, não vou fazer show comemorativo de idade e não sei quantos de carreira, nem vou fazer nenhuma roda de samba. Também não vou receber os amigos no Bar Getúlio, como pensei em algum momento.

Minha comemoração dos sessenta vai ser em família, fora do Rio, na calma. Vai ser desse jeito porque ao longo destes anos todos desenvolvi uma arte que aprendi com meu pai que foi a de fazer amizades e comemorá-las, frequentemente. Entre tantas que cultivei em todo esse tempo, além de minha mãe, duas não estão mais por aqui – Paulinho Albuquerque e Luiz Carlos da Vila. Um festão de sessenta anos sem eles, é choro meu na certa.


Além disso, eu teria que estar com uma grana que anda meio fugida de mim, para não deixar amigo nenhum sem ser convidado, com boca livre, porque esse negócio de cada um levar a sua bebida não é negócio de pobre, não é negócio de malandro. Malandro e pobre convidam e dão banquete.


Agora, isso não quer dizer que daqui até o dia 3 de outubro de 2010 não estarei comemorando minha matura idade todas as vezes que encontrar meus camaradas pra tomar umas, é claro.

Comemorações à parte, o que mais está me mobilizando neste momento são as reflexões, o balanço de vida, essas coisas que tenho certeza não vão me levar a conclusão nenhuma, mas elas tem insistido neste último ano em ir junto comigo para o travesseiro.

O que eu fiz esse tempo todo da minha vida? É a pergunta mais presente e a resposta é “quase nada”. Essa sensação de que sessenta anos não combinam com minha relação tempo-espaço é uma loucura. É como se eu estivesse esse tempo todo esperando começar o segundo tempo e ele tá começando agora. Mas isso também é uma loucura, porque aos quarenta e cinco do primeiro tempo eu já me sinto querendo começar a dizer, hum! tô cansado. Enfim, fazer sessenta anos é mesmo uma loucura.

Minha vida até aqui foi um primeiro tempo relativamente fácil, jogando naquela posição tipo Gerson, centrando pra li, lançando pra lá, fazendo este trabalho de meio campo que eu sempre gostei de fazer. Nunca tive vocação pra goleiro nem pra ponta de lança. Nessa pelada acho que consegui realizar talvez cinqüenta por cento do que eu ambicionei algum dia. Confesso que a perspectiva de um segundo tempo, e se tudo correr bem, com prorrogação e disputa de pênaltis, está me deixando, na boa, morrendo de medo.

Primeiro porque se a idade lhe dá um pouco mais de calma em relação ao entendimento dos outros, ou das contradições da humanidade e do sistema em que vivemos, te dá também uma autoridade, vinda não sei de onde, que lhe permite virar para qualquer “autoridade”, em qualquer assunto e solenemente soltar um “foda-se” na cara dele, sem o menor constrangimento.

Segundo porque já começo a perceber os olhares, as palavras, as mensagens do tipo vai pra casa coroa botar o pijama e deixa o mundo para os jovens. Senti muito isso agora quando recebi os boletos bancários do meu plano de saúde. Ele triplicou de preço por causa dos sessenta anos. Que dizer, o meu plano de saúde, no fundo, tá querendo que eu morra.
Fico comparando minha juventude com a de agora, do meu filho, e vejo, que neste aspecto, meu amigo Hugo Sukman tem razão: o Brasil melhorou.

Agora que já posso usar essa expressão, no meu tempo, quando eu e meu parceiro Ivan Wrigg fazíamos uma música, no dia seguinte a gente ia lá no DOPS, na Praça Mauá, levar pra censura liberá-la, pra gente cantar pelas esquinas ou nas festinhas dos amigos.
No meu tempo, não tinha negro beijando branca na novela, nem estrela principal tipo Thaís Araújo.

No meu tempo uma pessoa de sessenta anos era um velho mesmo, não tinha como disfarçar, como nós hoje que temos a cara de pau de usarmos as mesmas roupas e cabelos dos jovens, quando ainda os temos. Hoje freqüentamos as mesmas academias de ginástica e ainda nos livramos do pavor de perder o direito de praticar o melhor esporte da humanidade, graças a umas pílulas coloridas que os caras inventaram por aí.

Mas qual é o meu tempo? O tempo que passou? E esse que vem agora pela frente, é de quem? Não é meu também? Então tá tudo errado. Enquanto estivermos vivos é o nosso tempo. Então o mundo vai ter que me aturar. Não sou elefante, não saberei a hora de tirar o time. Os meus sonhos não realizados continuarão a ser meus sonhos. Talvez o meu caminho mude muito daqui pra frente, por conta de uma curva que estou tentando fazer no navio que é minha vida, mas nunca amigo meu me verá na praça jogando xadrez. Mas provável é me encontrar de taco em riste numa sinuca qualquer da cidade tentando dar uma surra no Yamandu (rsrs).

Este é o sentimento que estou e dou de presente nestes sessenta anos a todos aqueles que curtiram a vida comigo até aqui. Um beijo especial pra minha mulher que faz aniversário na mesma data que eu.

A propósito, aprendi na novela “Com a minha nas Índias” que na Índia o cara faz sessenta anos e comemora um renascimento. Legal né? Mas a mulher dele tem que comemorar também como se ela fizesse sessenta junto. Minha mulher já falou que tá fora dessa.
Um beijo pra Mauro Diniz, Rodrigo Campelo e Sérgio Carvalho que fazem junto com a gente também.

Pra terminar, velhinho é puta que o pariu. Beijos.

Claudio Jorge