(...) Nunca é demais lembrar que a Varig nasceu de um parentesco profissional com o Condor Syndikat. Foi criada em 1927 por empresários gaúchos com apoio de membros deste consórcio que promovia a criação de empresas e venda de aviões Dornier Wal. O Condor Syndikat virou Sindicato Condor, operando voos comerciais de empresas alemãs ou empresas ligadas a alemães, como a Cruzeiro do Sul. Nos anos 30, representou interesses da própria Casa Zeppelin.
Este pequeno livro sobre o Graf e o Brasil com toda a clareza não deixa de ser uma homenagem à aviação comercial de ontem e de hoje, seja brasileira, seja de raiz europeia, ambas pioneiras.
Para quem estranhar essa observação de parentesco, tal a distância temporal que nos separa daqueles delicados dinossauros do ar, acrescente-se uma pensata de Umberto Eco, incluída aqui por sugestão de Alfredo Herkenhoff, aqui escrevendo comigo neste momento, a quatro mãos, palavras que se imprimem depois de saborosas conversas e discussões. Mas discorrendo com o jornalista Domenico Pacitti sobre conceitos como futuro e previsibilidade, comparando os dirigíveis ao sonho de voar suave como os pássaros, o escritor italiano notou que, até o incêndio do Hindenburg, em 1937, ainda era comum a crença de que o desenvolvimento da aeronáutica civil se pudesse dar, linearmente, numa absurda concorrência entre os produtos mais leves e os mais pesados do que o ar.
No meio daquela disputa comercial com o avião, o fogo no Hindenburg marcou na verdade o boom definitivo da indústria do mais pesado do que o ar. Sempre segundo Umberto Eco, a moral da história, no episódio, “mostrou que, em filosofia e ciência, deve-se ter cuidado para não se apaixonar por seu próprio dirigível”.
Moral da história para o leitor do presente livro: os alemães teriam se apaixonado por sua própria filosofia ao insistirem com os dirigíveis de hidrogênio. Bem, este livro procurou estar, não apaixonado, mas atento “ao seu próprio dirigível”, reconhecendo que não se pode falar de tantas proezas e emoções relativas ao Zeppelin pelo Brasil sem destacar o caminho vitorioso da aviação nacional como um todo, de Padre Bartolomeu de Gusmão a Santos Dumont, da Varig, do Condor Syndikat à Embraer, aliás, esta, hoje, uma empresa-símbolo que, entre as três maiores do mundo, coroa a dinâmica de um povo, apesar de tantas dificuldades do país. A Embraer nasceu sob a liderança do Estado e agora, com controle acionário pulverizado entre grupos privados, enfrenta o desafio da competição globalizada, oferecendo jatos cada vez mais econômicos e eficientes ao mercado internacional.
Com o livro, estamos contribuindo para dar mais visibilidade a aspectos da passagem dos dirigíveis no país, algo que nos insere nessa tradição de pioneirismo e eficiência. Este livro é apenas uma ajuda para um esforço, que precisa ser maior, de preservação de um rico legado. Apesar de tantas lacunas, ese meu livro, que é de Alfredo também, contribui para aumentar a compreensão da importância da aeronáutica e da indústria brasileiras.
Quando o Graf chegou ao Recife pela primeira vez, vindo de Sevilha, seus oficiais viram da ponte de comando, em longa distância, uma “cruz de luzes”, que orientava o dirigível direto para o pouso no Campo de Jequiá. Assim que eu, de relance, soube dessa história, na Biblioteca Nacional, busquei uma explicação durante vários anos. Pesquisei o assunto, enviando cartas para diversos aeroportos no exterior. Nada. Um belo dia, conversando com Seu Mousinho, em Santa Cruz, lembrei-me do fato. Para minha total surpresa, ele revelou que aquilo era uma rotina e que tinha montado um sistema semelhante do cruzamento de luzes, trazido que fôra pela Casa Zeppelin. Ele se lembrou da técnica dos alemães e a repetiu com sucesso em algumas ocasiões após a era dos dirigíveis. Está aí a origem, portanto, dessa forma de sinalização que veio da Alemanha e quase acabou esquecida no Brasil.
Depois de muitos anos de pesquisa, eu tinha chegado afinal ao meu objetivo. Seu Mousinho não podia imaginar a alegria daquele dia. E foi assim, estudando detalhes do campo de Jequiá e do Aeroporto Bartolomeu de Gusmão, que descobri que os alemães produziram até um desenho da sinalização formada por 20 lâmpadas vermelhas e duas verdes, estas praticamente no começo da pista de pouso, com o conjunto formando uma cruz.
Em 1930, aquele primeiro pouso do dirigível no Rio, no Campo dos Afonsos, mereceu cobertura especial do Jornal do Brasil, cujos donos, o Conde e a Condessa Regina de Araújo Pereira Carneiro, logo seriam os primeiros a embarcar no Graf, que ficou apenas cerca de meia horinha no Rio. Curiosamente, depois de sua primeira vinda ao Rio, o Brasil passou a ser definitivamente a segunda casa do Graf Zeppelin (...).
Trecho do inédito Aventuras do Zeppelin e do Brasil no Ar - Francisco Dagmaar Pfaltzgraff - Depoimentos a Alfredo Herkenhoff
Nota do Correio da Lapa: Talvez alguns contemporâneos do Século 21 e amigos do nosso JB dos tempos gloriosos da intrépida e saudosa Condessa Maurina estranhem a aparição, aqui, de uma primeira Condessa Regina de Araújo Pereira Carneiro... Mas... Xá pra lá! Coisas do Conde Ernesto...