Gritos de um memorioso *
Ah! Rubem Braga! Uma facúndia resumida a três palavras, apenas vislumbradas: Copacabana! Ah! Tônia!
Rubem, no Rio de Janeiro, não é nome nem de um mísero beco, nem dos Carmelitas, nenhum logradouro. Mas a aura do cronista viceja nas grimpas do prédio verde e branco da Rua Barão da Torre, uma chácara no Céu de Ipanema, com árvores literais, mangueira, jabuticabeira e até romã, o gramado no topo deixando saudades no longínquo chão de Cachoeiro de Itapemirim.
Ó Clarice Lispector, que depois de morta ficou mais viva, e que durante a vida ficou mais morta, e que queimada ficou mais fresca, e ao ficar mais velha, mais nova, e que por se anular se afirmou, tendo podido dizer o que não quisera, e querer o que não dissera. Ó Clarice, quantos mistérios na canção e nos peixes, nas viagens de navio e no Leme, nas origens e na espera, naquele encontro na PUC, encontro que a dupla mineira de professores propiciou - Silviano Santiago e Afonso Romano de Santana.
Ó Drummond de tanto vai-e-vem ao sabor do Estado, de tanto vagar no Centro e em Copa, de tanta mineiridade carioca, de tanta timidez com sexual avidez, de rima trôpega em lombos de burro, de tanto cotidiano a atravessar os séculos, de tantos jornais editados para chorar, tantas bombas e tantos Josés, mas que era tão velhinho quando conversava numa tarde-noite numa livraria que na Rua Marquês de Olinda havia.
Ó Carlinhos de Oliveira de tanta bebedeira, de tanta chatice e barbicha, de tanta alegria nas linhas e nas portas de tantos apartamentos da Zona Sul. Ó Capixaba da gema da ilha de Vitória. Jornalista, normalista, novelista e inventador de história.
Ó Teresa Aragão de tantos uísques, de tantas pitadas e bota-fora, de tantas tragadas na mesma história, de tantas demandas sem dia nem hora, de tantos exílios de dentro e de fora, querendo convencer o ser a ter outras caras, de tantos olhares e tiaras, de presilhas no cabelo preto e cinza qual espanhola. Ó Teresa Aragão tão aguda, tão Senhora, tão Gullar. Ó Saudades do Luna Bar.
Ó Cazuza adolescente no Jobi, no Guanabara e no RA, o Real Astória. Dos tempos dos poetas Tavinho Paz, Demétrio Oliveira Gomes e Torquato Mendonça Furtado. Ó Cazuza tão perdido e tão achado, tão admirado primeiro pelos primeiros, e hoje pelos últimos, os milhões de brasileiros reencontrados no seu jeito singelo de inventar um canto e o cantar. Ó Cazuza da saudade urbana, de um pequeno relógio preto, Porsche, milenar.
Ó Memória que vai em frente sem passagem de volta. Que não se esquece de lembrar.
* Por Alfredo Herkenhoff (parte do livro Conto para fugir de balas perdidas).