quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Ler é crescer, passeio pela literatura universal

Maria Fernanda, a Capitu, personagem de Machado


Ler é crescer

Por Thereza Christina Motta *

(Enviado pela autora, por email, ao Correio da Lapa)

Que livro marcou a sua vida? Não um, mas quais mostraram o caminho para que seu pensamento trabalhasse nas soluções que buscou para a sua vida? Que coisas foram trazidas, assim, por palavras escritas num romance, num poema, num conto, casualmente expostas como narrativa despretensiosa de um autor não mais pretensioso?

Trafegamos em nossa vida por livros que nunca se fecham, que sempre recordamos, voltando àquela frase, àquele verso, àquela citação que não poderíamos ter esquecido. Esses livros, escritos há milênios, séculos ou décadas, por incansáveis lavradores de palavras, pessoas curvadas sobre o papel, recontando, ao seu modo, como veem a vida, como viveram, ou como viveram seus personagens, reais ou imaginários, mas que, uma vez escritos, tornam-se eternos, retornando toda vez que abrimos as páginas do livro.

Será que Capitu realmente existiu? Ou Bentinho? Qual dos personagens de Machado de Assis não tem traços verdadeiros de algum rosto? O que se soma à vida depois que são criadas as histórias? Tudo é ficção e, ao mesmo tempo, a vivemos como peça em que encenamos as nossas cenas.

Quatro Cavaleiros, Cavalos do Apocalipse

Shakespeare cunhou os mais belos sonetos e personagens para os seus dramas e comédias a partir da observação atenta a tudo que o cercava. O autor escreve o que vê e como vê e, desse modo, empresta a nós a sua narrativa sobre fatos tão verdadeiros, que, mesmo que nunca tenham acontecido, aconteceram ali, no livro.

Diante disso, o que para nós é contado como ficção, nos moldou e forjou nosso íntimo, aprendemos imitando os mais sábios, os que vieram antes, mesmo sem tanta inteligência. Às vezes, a pureza de um personagem nos comove. Sua confusão nos ilumina, pois vemos o que ele não vê.

Aprendemos melhor vendo os outros enfrentarem os seus perigos, para que, quando vivermos nossos dramas e conflitos, eles passem como a página de um livro. Ou ainda, na alegria desmedida e inesperada, possamos nos refletir nos amantes que lemos, sôfregos, esperando que eles sobrevivam.

Branca de Neve

Os contos de fada na Idade Média eram contados para adultos para que aprendessem que, por mais difíceis que fossem as agruras, vividas no imaginário de pessoas tão crentes, em fadas, bruxas e dragões, o herói ou a heroína sempre se salvavam.

Vêm da antiga mitologia grega os embates com seres indescritíveis, animais de sete cabeças, minotauros, gigantes, ciclopes, deuses vingativos e pragas de deusas mal amadas. E os gregos construíram uma civilização a partir deles. Assim como os romanos ergueram seu império com todos os deuses que puderam arrebanhar de todos os povos que conquistaram.

Mesmo que sejam tantas lendas, o ser humano é o mesmo, que descreve, à sua forma, o que vê, sente e pensa. Se, para São João, no Apocalipse, o que ele via eram gafanhotos gigantes, hoje sabemos que poderiam ser helicópteros sobrevoando a ilha de Pátmos, em sua mente. Mas o que fica de tudo que é escrito é a lição de que viver faz parte da missão do homem, não apenas o que ele faz, mas como o faz. E ele só pode aprender como fazê-lo, se o aprender com mais alguém.

O mestre nem sempre é encarnado. Ele pode estar encadernado num livro.

*Thereza Christina Rocque da Motta, poetisa, editora e tradutora. Publicou Joio & trigo, Areal Sabbath, Alba, Chiaroscuro, Rios, Lilases e Marco Polo e a Princesa Azul. Traduziu poemas de Anne Morrow Lindbergh (O Unicórnio e outros poemas, a sair), e Shakespeare (44 Sonetos escolhidos e 154 Sonetos, Ibis Libris), Organiza a Ponte de Versos há dez anos. Fundou a editora Ibis Libris em agosto de 2000.