Já não há hoje tantos fotógrafos com tanta sorte e competência como Morier.
Eis a reprodução do que saiu no JB:
Luiz Morier |
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Cem anos depois, a foto do profissional Luiz Morier suprimiu a sensação de tempo, mostrando que a discriminação permanece, apesar da Lei Áurea e dos avanços sociais alcançados ao longo de um século. A imagem causou furor nos meios acadêmicos dentro e fora do Brasil. Deu ao fotógrafo o seu primeiro Prêmio Esso e entrou para a história como o documento mais eloqüente do drama do racismo no país em todo o século 20.
O sargento, de perfil, não nota o fotógrafo. Os sete jovens, cabisbaixos, igualmente não percebem que entravam para a história da humanidade pela porta da humilhação. O mato com capim colonião, qual erva daninha no Morro da Coroa, faz um pano de fundo bucólico, mostrando a pobreza do campo dentro da cidade. A corda, substituindo penca inexistente de algemas, mostra o lado rústico e econômico da agressão étnica.
Morier, que começou a se interessar por fotografia em Nova Iguaçu (Baixada Fluminense), ainda garoto, quando ganhou de uma tia uma velha Yashica 6X6, é visto nas redações como pé quente. Não perde viagem no jornalismo. Ele sabe que teve e tem sorte, mas só a tem quem está lá, dando duro diante das ofertas do acaso.
No segundo Prêmio Esso, em 1993, Morier, que acompanhava estrangeiros para uma matéria sobre turismo no Rio, na Floresta da Tijuca, registrou o instante em que ele o grupo eram assaltados por dois homens armados na Cachoeira dos Macacos. Com habilidade, jogou o filme no mato e entregou aos bandidos um rolo sem importância. Estampada, a imagem que os marginais pensaram ter destruído continha não apenas o impacto da violência em si, mas também a artimanha do profissional.
A terceira grande foto de Morier foi feita quando voltava de uma entrevista, acompanhado da repórter Gabriela Garcia, e viu, na entrada de uma favela em Bonsucesso, algo estranho. Num átimo, antes que dois PMs notassem qualquer coisa, registrou dois jovens ajoelhados na rua com o peito colado no cimento quente da calçada, algemados com as mãos nas costas, arma apontada para eles. Embora estivessem totalmente rendidos, havia um coturno prensando a cabeça de um deles contra a calçada. Os PMs, ao mesmo tempo em que prendiam os jovens - depois se soube que eram ladrões - exibiam um grau suspeito de eficiência. Em 1998, aquela arma cromada não podia ser oficial. A bota na cabeça era desnecessária, por estarem os dois já algemados. A queimação no chão do Rio 40 graus, outro suplício imediato.
A imagem de Morier, que os PMs nem notaram, causaria ainda estragos na própria tradição do Prêmio Esso. Não levou o primeiro lugar e por isso causou indignação e protestos no meio jornalístico. Mas ganhou outros prêmios e até o reconhecimento internacional como o Prêmio da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP).
Além de extrair as tragédias do cotidiano, Morier registrou cenas maravilhosas de eventos agendados, como desfiles de carnaval e jogos no Maracanã. Mas ele está sempre pronto para duelar com o acaso. Exemplos se acumulam. Estava com a máquina na mão e, de repente, explodiu um carrinho de pipoca. Tiro certo: instantâneo esplêndido. Guerra em curso entre policiais e camelôs na Av. Rio Branco, no Centro, e lá está Morier correndo riscos todos os dias.
Morier começou na Última Hora. Assinou a carteira pela primeira vez 25 anos atrás. Por acaso, de improviso, saiu do laboratório e cobriu uma ausência. Já nesse primeiro dia, ganhou destaque na primeira página, com um crime na Zona Sul do Rio. Em 1980, entrou para o JB. Depois, em 1988 e 1989, experimentou O Globo, mas foi chamado de volta ao ''Jornal da Condessa''. E até hoje dá exemplo diário de competência e amor à profissão. Por tudo isso, o sonho de Morier de ver em livro os seus 25 anos de fotojornalismo não deve tardar.