sexta-feira, 24 de julho de 2009

Entrevista com Alberto Ribas: balé moderno não existe *

Balé na visão crítica do dançarino *


O balé moderno não existe. O que existe é a falta de informação sobre dança aqui no Rio de Janeiro. Quem faz esta afirmação é o bailarino argentino Alberto Ribas. Ex-integrante do corpo de baile do Teatro Municipal do Rio (morou aqui durante 13 anos), ele sempre achou que o jeitinho brasileiro é uma loucura que o brasileiro tem para enganar a si próprio. Ainda assim Alberto Ribas reconhece: “Está havendo um interesse crescente pela dança; as pessoas estão ficando animadas”. Mesmo dirigindo 354 alunos do Teatro Santa Rosa, em João Pessoa, Alberto Ribas conhece muitos problemas da dança no Rio, onde está de passagem, tentando conseguir professores argentinos e americanos para a Paraíba.



Alfredo HHerkenhoff – Embora de passagem, você está por dentro do panorama da dança no Rio. Pode dar sua opinião?
Alberto Ribas – Nesses 10, 15 dias que vou ficar aqui, estou tomando umas aulas com Tatiana Leskova e estou impressionado com uma coisa. Agora já há turmas só de rapazes e são aulas superlotadas. E olha que não falo de crianças. São adultos e adolescentes. Então vejo que há um interesse crescente de acompanhar o movimento de danças nos espetáculos. E há muitos espetáculos e muitas pessoas interessadas em estudar dança. Quando digo muitas, estou usando em comparação ao panorama de alguns anos atrás. Muito porque a dança já tem alguma regularidade aqui no Rio.


AH – Nos 13 anos em que praticamente morou no Rio, você fez coisas diversas e divergentes. Pode relatar a sua experiência?
AR – Quando eu estava no Teatro Municipal era como alguém num emprego. Aquilo não era o meu trabalho, era o meu relógio de ponto. Não me interessava a linha de trabalho, mas um salário e minha sobrevivência. Graças ao corpo de baile, conheci o Brasil. Mas o corpo de baile sempre foi dedicado à arte acadêmica.


AH – Você teve dificuldades para apresentar seus trabalhos?
AR – Não. Nunca encontrei dificuldades aqui. Em todos os lugares que quis dançar, dancei. Quis o MAM, dancei no MAM. Quis o Conservatório de Teatro e consegui. Dancei no Gláucio Gil, na Aldeia do Paschoal Carlos Magno. Enfim, em vários lugares. Inclusive nas galerias de artes plásticas e em universidades. O único lugar que bateu a porta na minha cara foi a Sala Cecília Meireles. Mas nunca tive problema de espaço. Tive problema econômico na época em que eu usava objetos. Pois eu tinha que arrumar dinheiro para poder comprá-los. Mas não posso me queixar. Por incrível que pareça, hoje tem coisas mais difíceis de conseguir do que antes. Está impossível entrar em certos lugares. Os oligarcas da cultura tomaram conta das fontes de trabalho. Quem não fizer parte dessa família de interesses não consegue penetrar nos lugares.


AH – Pode esclarecer melhor essa indignação?
AR – O Instituto de Artes Visuais... eu me inteirei de que um professor, o Emanuel Brasil, que passou muito tempo nos EUA, estudando com os grandes professores, não terá seu contrato renovado. Então é um negócio incrível. Por um lado, estão acontecendo encontros de dança onde vão mais ou menos sempre as mesmas pessoas e...


AH – Mas esses encontros não são abertos a todos?
AR – Não é suficiente que um grupo se diga aberto. Embora eles digam que aceitam coreografias de todo mundo, eu só iria lá convidado, porque afinal, pelos anos de trabalho, sem ser pedante, queiram ou não, meu trabalho é de algum modo representativo. Mas voltando ao assunto: por um lado, o Emanuel Brasil, que estava lá há um ano, não terá o contrato renovado e, ao mesmo tempo, acontecem esses encontros. Parece que existem forças ocultas puxando as sardinhas só pras latas delas.


AH - Como você vê esse endeusamento em torno do Alvin Nikolais?
AR – Vejo como conseqüência da falta de informação. Alvin Nikolais, nos EUA, é um acadêmico dentro do quadro da dança moderna norte-americana. Mas como aqui, por falta de informação, a gente não está conhecendo outras figuras representativas e mais contemporâneas dos EUA, o Nikolais chega e todo mundo acha que chegou o Anti-Cristo.


AH – Vem muito pouca gente boa?
AR – É. E quando o Merce Cunningham esteve aqui, uns 10 anos atrás, e se apresentou no Teatro Novo, foi quase um fracasso. Muito pouco público. E nesse público só poucas pessoas, as não ligadas à dança, é que entenderam o que o Merce Cunningham falava. Inclusive ele veio com o John Cage, com quem ele trabalha há 10 anos. Será que não era o momento? Mas agora, com essa vindas constantes do Nikolais, muitas pessoas estão ficando de saco cheio. A primeira vez que ele veio foi uma catarsis. A segunda foi menos e agora as pessoas já podem criticar a repetição e a monotonia do trabalho dele. E estou falando assim porque fui aluno-bolsista de Nikolais, em Nova Iorque, durante seis meses. Não estou falando por dor de cotovelo não. O que falta é uma informação mais atualizada pra se poder ter um ponto de referência, porque sempre vai ter gente que gosta do Nikolais, da Marta Graham e do Alwin Ailey.


AH – O que você pensa do balé Stagium?
AR – Tenho duas opiniões: se você me perguntasse de um modo diferente: como força de trabalho e como linha de trabalho. Como força, eu os acho espetaculares. A posição que conseguiram no Brasil e no estrangeiro foi por 99% de esforço e 1% de talento. Como linha, discordo, porque por virem do balé clássico estão ainda presos a este tipo de linguagem. E é muito difícil pra alguém que dançou balé clássico a vida toda captar as entrelinhas da dança contemporânea, entrelinhas de dinâmica, espaço, estética do movimento e principalmente o porquê do próprio movimento.


AH – Com isso você afirma que não tem fundamento aquela noção de que só se dança o moderno após passar pela técnica do clássico?
AR – Exatamente. Esta noção é mentira, é o que se opinava há 50 anos, quando havia uma luta entre as escolas clássica e moderna.


AH – E a dança moderna é acadêmica?
AR – Também é. Por isso que falei aquilo do Nikolais. Tudo que se codifica e passa a ser padronizado passa a ser acadêmico.


AH – Como surgiu e como está sendo a sua experiência de professor de dança lá em João Pessoa?
AR – Ir lá me interessou porque, quando me contrataram, a Secretaria de Cultura da Paraíba queria formar um grupo de dança moderna. E realmente foi uma coisa que me interessou muito, apesar de ser tão longe. Eu queria mesmo ter a possibilidade de pôs em prática uma quantidade de coisas que até o momento só existiam em nível teórico, coisas como conceito de dança. E por outro lado, dirigir, como estou dirigindo, 354 alunos, é uma experiência importante. Quando cheguei, vi que esse negócio de formar um grupo moderno não estava ainda na hora, porque apesar do grande número de alunos, eles nunca tiveram uma boa base.


AH – Seus planos?
AR – Reestruturar o trabalho que se tem feito lá até agora, dar uma formação mais sólida e atualizada para as cinco professoras locais, que estudaram com uma outra professora de Recife, mas não escaparam de uma formação acidentada, porque um belo dia a professora de Recife não foi mais lá. Quando cheguei, encontrei turmas de 40 alunos, de níveis e idades muito diferentes, num trabalho cheio de vícios. Então esse negócio de formar um grupo de dança vai ficar, por um momento, de lado. Minha preocupação agora é melhorar o ensino. Não quero ser o papa nem o dono da bola. Não sei nem quanto tempo vou ficar na Paraíba, mas acho que o que está acontecendo nos confins do Nordeste é um exemplo aqui pro Sul.


AH – Na sua opinião, como está o ensino da dança no Rio?
AR – Aqui tem muitas escolas que ensinam muitas coisas, embora a maioria ensine só picaretagem. Por exemplo, quando veio o furor da nostalgia, começaram a brotar os cursos de tap dance, gênero Gene Kelly e Fred Astaire. Partindo daquela premissa de que falta informação, inúmeras pessoas se aproveitam dessa conjuntura. Um dos problemas mais sérios é que 80% das academias de dança no Rio, para sobreviver economicamente, têm que oferecer o que é mais procurado pelo público, independentemente da qualidade do que se oferece. E nesse momento, o que é mais procurado é o tal do balé moderno, o que, em termos de escola ou técnica de dança, não existe. Pode grifar aí: não existe. O que acontece [em que dão esse nome, bale moderno, a uma mistura de jazz, ginástica para emagrecer, expressão corporal e outros movimentos que servem indistintamente pra ditar as modas das discotecas e outras mumunhas rebolativas. E na realidade, os movimentos usados nessa mistura são perfeitamente reconhecíveis com suas características próprias. Portanto, esses estilos que formam o balé moderno são partes de escolas específicas de dança. No ano passado, fui convidado pra dar aula numa academia na Tijuca. Fiquei impressionado porque vieram cento e tantas moças que não queriam um trabalho sério. Queriam mesmo aprender uns passinhos pros bailes de fins de semana.


AH - Mas isso não é contraditório com o que você falou de que estaria acontecendo um interesse cada vez mais forte pela dança?
AR – Lógico que não. Estou falando de 80% das academias, de 80% das pessoas que estão realmente desinformadas.


* - Entrevista publicada em 4 de julho de 1977, no jornal carioca Última Hora.