quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Burrice, antifumo, fascismo, Lula e Arnaldo Jabor


Deu em O Globo:

ARNALDO JABOR

A burrice na velocidade da luz


24/11/09

A burrice mais crassa toma o poder no mundo. Claro que é uma generalização, mas a crescente complexidade da vida social, a superpopulação, o fracasso das ideologias, tudo leva ao declínio da esperança e conduz os homens à busca da "fé". A fé é aquilo em que acreditamos contra todas as evidências. Cai o teto da igreja, os fiéis morrem e os sobreviventes continuam a louvar Deus. E não só fé religiosa; mas política. Depois de um momento de esperança, de que tudo mudaria com Obama, vemos como ele é barrado pela muralha da estupidez e, em breve, do racismo. A democracia, com suas complexidades, traz a fome de autoritarismo. A grande sedução do simplismo (e do mal) é que ele é uno, com contornos concretos, visível. Mata-se um sujeito e ele vira uma "coisa" dominada.Nada mais claro que um cadáver, decapitado no Iraque ou na favela do Rio. Por outro lado, a democracia pressupõe tolerância, controle da parte maldita, animal, implica renúncias e a angustiosa contemplação da diferença.A estupidez, não: ela é clara, excitante, eficiente.É a vitória da testa curta, o triunfo das toupeiras. Inteligência é chata - com seus labirintos. Inteligência nos desampara; burrice consola, explica. O bom asno é bem-vindo, o inteligente é olhado de esguelha. Na burrice, não há dúvidas. A burrice não tem fraturas. A burrice alivia - o erro é sempre do outro. A burrice é mais fácil de entender. A burrice é mais "comercial". A burrice ativa e autoconfiante parece uma forma perversa de "liberdade". A burrice é a ignorância com fome de sentido. O problema é que a burrice no poder chama-se "fascismo". Há tempos, me impressionou a declaração de austríacos nazistas: "Votamos no Haider (o neonazista) porque não aguentamos mais a monotonia da política, o tédio do ‘bem’, do ‘correto’. Sente-se no ar uma fome de chefes. Ninguém se liga muito na liberdade fraternal. O sucesso planetário dos evangélicos, as massas delirando com ídolos de rock ou com ditadores como Chávez e Ahmadinejad mostram a solidão da democracia diante dos anseios por slogans irracionais, pelo fundamentalismo da crueldade prática das "soluções finais".Nos anos 60, havia o encantamento de uma nova era, com a glória da juventude, a alegria da democracia criativa; achávamos que a ciência e a arte iam nos trazer uma nova beleza de viver. Em 68, não foram apenas as revoltas juvenis que morreram; começou uma vida congestionada, sem espaço para sutilezas de liberdade. O ano de 1968 virou o mundo para a direita, depois de um breve e claro instante. Assassinarem Luther King, Bob Kennedy, Praga livre foi massacrada. Na cultura, os anos 70 começaram com a frase profética de Lennon de que "o sonho acabara" e, logo depois, com a morte sintomática de Janis Joplin e Hendrix, com o fim dos Beatles e com a chegada dos caretas "embalos de sábado à noite". Parece bobagem, mas uma falsa "liberdade" careta (disfarçada de "revolta") virou o principal produto do mercado de massas - a volta da burrice foi triunfal.Claro que o mundo está mais informado, comunicando-se horizontalmente, digitalizado pelos milagres da tecnologia da informação, internet etc... Claro. Mas os efeitos colaterais são imensos. Vejam nos Twitter e Orkuts da vida a burrice viajando na velocidade da luz.Junto com a revolução da informação há a restauração alegre da imbecilidade. Lá fora, Forrest Gump, o herói babaca, foi o precursor; Bush foi seu sucessor, orgulhoso da própria burrice. Uma vez, em Yale, ele disse: "Eu sou a prova de que os maus estudantes podem ser presidentes dos EUA".Atenção: não penso em Lula no Brasil, não. Ele é inteligentíssimo e tem a sagacidade de usar a ignorância não só como medalha de sucesso ("Eu era ignorante e venci"), mas sabe também, brilhante e pragmático, que as plataformas políticas têm de ser óbvias e de fácil leitura.Vai explicar o que é "sub-peronismo" para as massas do Bolsa Família.Daí, uma das razões para o "nada" da oposição atual tucana: a dificuldade de se formular uma plataforma suficientemente burra para ser entendida. No Brasil, contaminado pelo ar do tempo, a fome de simplismo domina a política, a cultura e a vida social. Vivemos em suspense, pois o pensamento petista, dominante entre acadêmicos e intelectuais (mesmo os que se opõem, têm medo de ser "contra"), continua com a ideia de "confronto", de "luta de classes", de "tomada do poder", como tumores inoperáveis na cabeça.Isso cria também entre nós apenas um ânimo de queixas e rancor diante da vitória acachapante do "lulismo". Não há mais polêmicas; apenas a aceitação do atual governo como um destino inevitável.Lula não é filho do Brasil não; é o "cavalo" do Brasil - nele baixaram todos os desejos simplistas da população, que ele executa com maestria e maquiavelismo. Muita gente acha que a burrice é a moradia da verdade, como se houvesse algo de "sagrado" na ignorância dos pobres, uma sabedoria que pode desmascarar a "mentira inteligente" do mundo. Para eles, só os pobres de espírito verão Deus, como reza a tradição.Lula pensou, brilhantemente: "Sabe o que mais? O Brasil é burro demais para uma política sofisticada. Vou manter a macroeconomia que o FHC deixou e aceitarei toda a canalhice do sistema político; é a única maneira de governar". É incrível, porque a mistura de sorte na economia mundial com esta "sabedoria da ignorância" tem dado alguns bons resultados.Há no ar uma fome de regressismo autoritário, como se do casebre com farinha, paçoca e violinha viessem a solidariedade e a paz que deteria a marcha do mercado voraz. É espantoso, repito: um mundo cada vez mais complexo e evoluído na tecnociência anseia pela obviedade autoritária. Do Islã à velha esquerda queremos o maniqueísmo e o voluntarismo grosso.Outro dia, vi um daqueles "bispos" de Jesus de terno e gravata na TV, clamando para uma multidão de fiéis: "Não tenham pensamentos livres; o Diabo é que os inventa!".