Brasil do desconforto, do salve-se quem puder e do quem procurou achou. Brasil do quero que me divulguem para galgar degraus da fama e prosperidade. Brasil de qualquer cantor se achando o tal. Brasil do chato que diz que em Oslo não tem disso não. Brasil do diretor da corporação. Brasil do segurança particular fiel ao dono da firma de segurança. Brasil em que executivo não vai trabalhar de bicicleta, prefere carro blindado e escolta. Brasil que não respeita o assalto nem jornalisticamente, do que só é notícia se o cadáver for socialmente relevante ou se o cadáver de indigente estiver caído num ambiente chique do ponto de vista da exclusividade, luxo e discrepância, luxo de bons serviços e distância dos miseráveis. Brasil das palavras mal cifradas e às vezes bem, mas sempre palavras como arte sem cabeça, como mula sem nenhuma das quatro. Brasil do ninguém de nós morreu até agora, do ninguém leu, do ninguém matou, apesar de milhares de cadáveres desinteressantes. Brasil que estou bem de vida, compilando alguns dos 40 mil assassinatos por ano. Brasil do Rio de Janeiro, ou São Paulo, ou Johannesburgo, três flores do ódio que ainda assim me respeitam, consomem o que apregoo e me dão tiros. Brasil do corpo fechado. Brasil de uma revolução só, a que mal se vislumbra, mas que vem a cavalo, mocinho privilegiado. Brasil do herói no paiol de mentiras e injustiças. Brasil da chacina que anda dispersa, democraticamente atingindo todo mundo, ou quase. Sou a exceção que engorda. Brasil dos mais conhecidos do que dos amigos. Brasil que não tem pontaria contra mim, apenas tem contra todos. Brasil de poucas oportunidades, fora subsistir com ovo e arroz.