A mulher que escapou do Airbus e, dias depois, morreu de acidente de carro, leva o Correio da Lapa a condenar sumariamene a agência italiana de notícias Ansa, que divulgou o caso insólito sem um mínimo de prudência, sem qualidade jornalística nenhuma.
CORREIO DA LAPA - NOTÍCIA COMENTADA
By Alfredo Herkenhoff
A italiana Johanna Ganthaler escapou do voo 447, do Airbus da Air France, no dia 31, para morrer na terça-feira passada, dia 9, numa estrada no Tirol austríaco. A notícia bombou na internet no Dia dos Namorados. O marido dela, Kurt, que estaria dirigindo, estaria agora em estado grave. Como isso aconteceu? Aconteceu? Se sim, é um caso mal contado.
Assim que perdeu o voo 447, o casal embarcou logo depois com filhos de férias de volta para a Europa. Eles foram para Mônaco, onde descobriam pelos jornais quanta sorte tiveram. Depois foram para Paris e depois, avião para Munique, e do aeroporto, saíram saudosos de carro correndo, com vontade de chegar em casa; em Merano, extremo norte da Itália, a uns 150 km do aeroporto de Munique. Os jovens Ganthaler teriam saído num carro na frente. O casal alugou um carro e foi logo atrás, mas, na altura de cidadezinha austríaca chamada Kufstein, o veículo saiu da estrada e Johanna morreu na hora. O marido, que dirigia, teria ficado em estado grave. A policia não sabe a causa, suspeita que Kurt dormiu ao volante.
A noticia, mais enxuta do que a versão acima, foi dada exclusivamente pela agência italiana Ansa e, de imediato, clonada copiada, aumentada, exagerada e fantasiada mundo afora.
A Ansa nunca teve boa reputação nos grandes jornais. Ao contrário, sempre teve péssima, tipo o pior jornalismo, sem checagem, sem confirmação e sem ouvir o contraditório, outras fontes. Velhos colegas que trabalharam em editoria internacional sabem bem disso, como Jamari França, Leo Schlafman, Jorge Pontual, Paulo Henrique Amorim, Paulo Henrique Noronha etc. Eu poderia citar mais 20 coleguinhas que não confiam na Ansa.. Ninguém confia na Ansa. Mas uma notícia assim, tão insólita, tragicamente inocente, quem não vai duplicar?
Pois pesquisei umas quatro horas e, a exemplo de 200 jornais e sites mundo afora, nada achei sobre o caso. Visitei sites do Tirol, e nada, só as mesmas reduplicações, algumas citando o Times de Londres que clonara a Ansa.
Um incrível mistério. Pode até ser verdade. Mas agora meto de vez a colher. Sem foto e sem nada concreto além de um parágrafo da Ansa, e ainda assim um site italiano publicou duas laudas enfeitando os últimos momentos das férias e da vida de Johanna, 64 anos, o viúvo três mais velho.
Tempos atrás, fiz a viagem ao contrário do misterioso casal, da Itália para Munique de carro. Passamos pela autobahn no Tirol, uma autoestrada com incríveis viadutos na descida dos Alpes. No lado italiano, a estrada é estreita e sinuosa, também belíssima .
Mas a região com 1 milhão de habitantes é confusa. Milhares de italianos falando alemão, milhares de alemães falando italiano, e milhares deles falando ainda um dialeto local, o ladino trentino. Vejam o nome: Johanna Ganthaler, italiana. Não é nada, eu, Hekenhoff, também o sou...
Mas ali nesta região do Alto Ádige o mapa não parece nunca definitivo. Muita gente achando que parte que é Itália devia ser Áustria e vice-versa, confusão, mas com todo o respeito..
Quando estive lá com amigos, tivemos de dormir numa cidadezinha mínima chamada Vipiteno, a uns 10 km da fronteira, o Passo Brenner, porque caíra uma avalanche sobre a estrada, cai sempre quando vai acabando o inverno, um perigo, entre dolomitas e neves eternas, veados e casamatas da II Guerra nas encostas, verde e branco, cinza e azul, lugar mais europeu não há.
Talvez Johanna e Kurt Ganthaler tenham histórico separatista, daí a discrição mesmo ao perder o voo 447 e mesmo na tragédia no Tirol, talvez ela e ele fossem apenas avessos à mídia. Talvez apenas aficcionados da agência Ansa.
Ah! A velha Ansa, tomara que seja verdade e que apenas eu esteja errado... Nenhuma foto do casal no Dia dos Namorados... Mas mesmo que eu esteja errado e a notícia sensacional seja verdade, ainda assim a Ansa merece condenação porque teria, como ninguém, recursos para enviar reportagem in loco e fazer barba, cabelo e bigode. Não fez nada disso. A Ansa nunca faz.
Ah! Se o milanês Gian Giàcomo Foa estivesse vivo... Outro jornalismo o maluco fazia, este italiano foi o primeiro a fazer a cobertura dos uruguaios canibais pós-acidente de avião nos Andes... Velhos tempos...
fim