segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Arte picaresca, pornô ou picaretagem



Imagens meramente ilustrativas, capturadas em navegação randômica, sobre sexo, pobreza e vaidade

Trechos do livro:


Amor, Apesar de Tudo




As Anotações de Mário Lúcio Zarino Sobral


Alex Heliogábulo

(...) Entre uma viagem e outra, relendo um pouco algumas anotações, notei que quase não descrevi minhas relações carnais. Se mal falei de tantas mulheres anônimas, por que eu deveria expor logo a Genimar? Ela era maravilhosa. Era sim, mas o homem apaixonado nem fica ansioso com o seu empenho sexual ou com o de sua amada. Embora tenhamos tido poucos dias com intervalo de várias semanas entre as duas luas-de-mel, sabíamos, relaxadamente, que estávamos só começando a descobrir o mundo, o universo, a mágica de nós mesmos. Estávamos completamente seguros de que o futuro era nosso com toda a sua grandeza e generosidade. Transamos pouco até, mas isso não tinha importância, que a quantidade naquele momento era um dado ridículo, fora de perspectiva do que imaginávamos.

Voltei a rotina de mulheres e reflexões. Comi outras muito mais e melhor, mas jamais tive uma nova Genimar, a mulher que quase me tirou de um mundo do qual eu não sabia se queria fugir. Mas Genimar conseguiu me deixar, da forma mais absoluta possível, o sentimento de saudade num coração cicatrizado, um coração, pela obra de bons médicos, restaurado, novinho em folha para bombear, hidraulicamente, o meu músculo sexual.

Parti sem rumo com a cearense que se chamava Genilda. Que aventura levar uma mulher da vida morrendo de fome pelas estradas desse imenso país!

Angu da Genilda

Concurso de bumbum meu amor pum concurso de michela meu amor é ela vejo o que te traz é uma bela banda bola que rebola tu quer tu manda concurso de amor com tanta nudez chegou a minha vez de sonhar teu sabor disputa de tamanho cheiro de lavanda a gruta do teu ser é uma atração fatal que vem chamando gente numa ciranda olhando te amando dando felicidade este ir e vir pirando no teu jeito de se mexer meter neste corpinho uma idéia franca uma suavidade etérea vai romper o dia um perigo amigo o erétil fértil trem no túnel do prazer entrar e esconder toda uma cidade uma única moeda compra teu doce lar comprar o ar gelado desta boate no perfume de água tônica entre garçons o que tu insinua é verdade nua o pau brasil vermelho em tua lua cheia tateia com pele de tomate e bate e acha e racha qualquer ranhura quanto mais escura mais pura cortesia a noite fria esquenta a cortesã abre-te toda como uma rã sapeca perereca molha o meu gin Samanta Vera Mônica o que adianta me engana com Diana Leda e Geni a noite é do ramo é do balacobaco eu amo a literatura em teu sovaco uma balançada e logo surge a manhã substituindo a noitada louca da tua maçã eu mordo eu como mas é tu que urge e engasga sorvendo o sol que brilha em cada gota vã orvalho que espuma do meu trabalho escrevendo nas orelhas do divã, retraio tu empurra quase dá um murro mas não desencaixa o artista que vai no burro caminha por caminhos de uma montanha por onde escorrega a égua alpinista é fome social é amoral na hora é amora preta é amor carnal com pinta de ser forte como um troglodita tira este culote este mu tá manso canso de entrar e de sair tão mal segura a minha agrura vou fazer com sorte de quem cavalga no teu curral boi que voa em bolha de chumbo atravessando a galeria do teu bumbo afundando no teu lombo abissal ao menor grunhido franze a fronte geme e insiste que te monte nunca desiste de dar completo o que é preferência nacional relembra talvez não seja a primeira vez mas com mais altivez cede o que é doação trilha de um atalho que conduz a nada mas tu sabe que este nada é tudo gozo coração aflito ou envergonhado.

Campina Grande, sexo e vertigem

Dirijo este carro pela Paraíba e penso que o mundo, neste momento em que me dirijo para lá, para mais um puteiro, é o assunto, e este assunto é explicado como todos os demais assuntos que este assunto não explica. A razão subdivide cada escolha diuturnamente, ad infinitum.

Deixei Genilda no aeroporto, paguei-lhe uma passagem para ver seus parentes em São Paulo e lhe desejei boa viagem e boa sorte. No nosso convívio, nas fraldas da Serra da Borborema, notei que sofria por ser negra e achava que o preconceito racial no Ceará era maior do que no Sul. Fiquei intrigado com tanta semelhança nos nomes das michelas. Genis e Genildas. E a semelhança ainda com o nome Genimar era algo enorme que me assustava. Mas os nomes de guerra obedecem a um modismo nunca estudado. Na minha infância, ouvia falar de revoada de Celestes, Susanas e Saritas noturnas no Beco das Carmelitas, na Lapa do amigo poeta Luiz F. Papi.

Mas tudo o que penso é aquilo que no mesmo momento em que penso não posso pensar. Água é água porque não é o resto, não é fogo, não é refresco, não é carótida, não é anágua que noutra hora eu poderia pensar.

Vou dirigindo pensando nessas palavras que me levam a outras palavras e frases que me levam a outras frases, numa espiral sem fim, certo de que nunca se pode parar de pensar. O pensamento é como bicicleta em movimento. Se parar, deixa de ser, pode ser bicicleta e pode ser movimento, mas nunca mais bicicleta em movimento, e nunca mais a mesma bicicleta em movimento, porque o pensamento, ainda que silencioso enquanto coisa mental, pressupõe um ato anterior único, o ato da leitura, ainda que a leitura seja também meramente um pensamento inaugural de outra leitura anterior, e isso não tem fim.

Pensamentos, ou expressões do pensamento expostas em qualquer suporte físico, palavras no livro, pinturas na tela, imagens no cinema, apesar de sua repetição, seja mecânica, seja pela imutabilidade com que se apresentam, já são pensamentos da leitura contínua.

Estamos aprisionados na dualidade de cada instante contínuo. Eu poderia ser um professor de pensamentos sonhando em criar uma lição de como parar de pensar, isto é, parar de ler. Mas não sou porque não alcanço esse silêncio.

A simplicidade do ato inevitável de pensar, ou ato inevitável de ler, de escolher o assunto, ou de excluir os demais assuntos, de pronunciar uma palavra, ou de calar as demais palavras, é uma bicicleta tão simples que somos atacados pela vontade de parar de andar.

Assim como o maior desejo do cansaço é o descanso, o maior desejo do pensamento é parar de pensar. O sono, o sonho, a ausência de sonho e quaisquer formas similares de ausência apenas nos aproximam dessa necessidade de repousar a mente num lago que nada espelhe, uma Campina Grande sem nenhum paraibano. Para muitos, a morte seria uma possibilidade do descansar em paz. Mas do clube fechado ninguém costuma sair para ensinar, aos vivos de Campina Grande, se a lógica da materialidade, se a imutabilidade de certos conceitos, como dois e dois são quatro, é uma lógica com substrato místico, mágico, milagroso.

A lógica da termodinâmica, da continuidade de temperaturas criando a igualdade de temperaturas pelos corpos vizinhos, pode ser complicada para quem nunca fez uma aula de Física, mas para quem está apenas testando o próprio órgão noutro órgão, como por exemplo comendo uma mulher, a lógica é simples, é como um daqueles atos que nos aproximam do relaxamento do pensamento, daquela necessidade instintiva de não pensar, ou de quase parar de pensar, numa necessidade também instintiva de vertigem, de um tempo que não se mede e no qual somos incapazes de lembrar por que chegamos onde estamos.

É comum pensar que a prostituta só quer dinheiro e está pensando na conta da luz enquanto um estranho na Paraíba põe o caralho entre a suas pernas, espirrando-lhe esporro nas entranhas. O homem que vai com a prostituta é, num espelhamento da termodinâmica, um homem prostituto. Se o bom negócio satisfaz as partes, a puta satisfaz o homem prostituto. Pouco se diz deste homem que, noutro momento e lugar, é tido como um homem de bem e amém. Mas na continuidade do assunto, o homem prostituto reza pela mesma cartilha, pelo mesmo lugar-comum do preço da venda do corpo, sinônimo da compra do mesmo corpo. Se estou lá, sempre, sou o prostituto reflexivo. Sou a descoberta da minha verdadeira profissão.

Pensar isso não me torna infeliz. Ao contrário, quanto mais reflexões, leituras de minhas próprias frases, vou produzindo, mais calmamente me relaciono com as minhas michelas. Admiro o sexto sentido de várias delas que, num primeiro olhar, me lêem e me convidam, sabendo que quando há muitas palavras sobre um mesmo assunto, temos uma história, vale dizer, lembrança, conforto, dinheiro ou prazer.

O prazer, ao contrário da razão, não é digital. Se tivesse cor, o prazer seria oscilantemente acinzentado. O prazer é o acidente da razão, é a puta, é a explosão da criação. O esperma é o primeiro mar. A vagina é a primeira nave, o primeiro milagre, a costela de Adão, a feijoada, a maionese, a couve-mineira, a machadinha, enquanto o Saci vai pulando num pênis só atrás de Nancy, Joyce, Shirley, Rosycler, Iracy e todas as Genis desse imenso pernil chamado Brasil. Sou um porco, sei amar a beleza, sei de minhas leitoas, minhas leitoras e leitos. Para meu deleite, vou mijando leite, pulando nas rimas e aliterações da bicicleta até parar o meu Gol no campus de um novo prostíbulo. Me sinto meio mestre, meio monge, meio moleque, meio tarado, meio rico, meio perdido, meio tudo, meio meio. Vou olhando para as que me olham. Sorrisos, pequenos meneios e já disputam a minha preferência. Não quero a mais bonita nem a mais simpática. Sigo porta adentro rumo ao balcão da anfitriã Maria da Borborema. Estou repleto de palavras e elas cheias de amor para me dar. Quero todas. Não tenho pressa. Vou ficar alguns dias e aviso à cafetina: quero comer todas, mas uma de cada vez. Quero-as como cada uma sendo um pedaço da minha história. Quero temperá-las com o meu sêmen e degluti-las com a minha língua e meu hálito abençoado por cerejas, clitóris perfumados exalando humores e amores. Endoido, dirão alguns, sim, endoido, mas é melhor endoidar com elas do que ser lúcido sozinho com os próprios colhões.


Jogando com a história

Sem mais nem menos me recordo de tempos atrás, quando me encontrei na noite com aquele que agora andam apelidando de Último Romântico. A nova novidade que ele apresentava debaixo do braço era um texto do Padre Antônio Vieira dizendo que o jogo é um perigo e tal quando jogado a dinheiro. Li e decidi incluir na viagem dos vícios, em respeito um pouco à minha origem latina, precisamente portuguesa e italiana, e um pouco à virada de milênio em meio a esse processo de globalização pouco dado a balanços mais profundos. (...)