domingo, 17 de maio de 2009

Cidade Maravilhosa aplaude o Sol. Posto 9, Rio de Janeiro, Sistema Solar Urgente...


Pôr do Sol no Rio de Janeiro paralisa São Paulo.
O Rio Lindo aplaude o sol, este sim não pode parar *



Ninguém sabe ao certo qual é a finalidade do aplauso que há anos acompanha o pôr do Sol em Ipanema. Por que batem palmas os cariocas? Homenagem ao Sol, este incandescente enigma da nossa pequena galáxia? Luz que encantou Dante vendo o amor que move as outras estrelas? Paisagem paradisíaca que nenhum prédio destrói? O mesmo Sol de todas as cidades enseja essas palavras de desagravo por uma agressão publicada numa revista paulista de prestígio. Só em Ipanema você tem o prazer de vê-lo nascer no mar e se pôr no mesmo mar, ao lado do Morro Dois Irmãos, de ápices geminados, no fim do Leblon. Este monumento, criado pela erosão ao longo de milhões de anos, é apenas um dos morros suntuosos na cidade de tantos belíssimos relevos escarpados brotando do mar e da maior floresta urbana do mundo.

O Morro Dois Irmãos, entre a liberdade e o congraçamento, junta tempo e história. O sol caindo ao lado é um encantamento que parece formar um cenário de eternidade com o mar e o céu.
No decorrer dos anos, o aplauso vem reunindo representantes de todas as tribos, das que fumam ou fumaram maconha, dos que nunca souberam o que é droga, dos turistas paulistas, internacionais e até turistas cariocas, dos desempregados usufruindo o ócio ou a incapacidade de achar emprego, porque o formal está quase em extinção, de estudantes de folga, de empregados a executivos, privilegiados que puderam sair mais cedo da empresa ou simplesmente são os acionistas majoritários. E largamos tudo para festejar o mistério da vida, democraticamente misturados a todos que podem estar ali batendo palmas, antes ou durante uma corridinha básica para manter a boa forma.


Quantas vezes aplaudiram e foram aplaudidos Arnaldo Jabor, Cazuza, Nelson Hoineff, Gilberto Vasconcellos, Jards Macalé, Caetano Veloso e Zuenir Ventura? Perde-se a conta de quantas mulheres como Nara Leão, charmosinha, Gal Gosta, hippinha, Débora Bloch, criancinha, Janis Joplin, doidinha, Leila Diniz, gravidinha. Dulce Quental, tensinha, estiveram no Posto 9 mostrando, olhando e curtindo um lugar tão bom. Discussões travadas na barraca do Uruguaio. Embates sobre os destinos de nós mesmos.


Quantos amores se encontraram diante daquele suicídio cotidiano da nossa estrela mais brilhante? Quantos amores se perderam no espetáculo dos jovens? Quantos amores uma tão cheia de graça levou? Ela levou Tom Jobim e Vinicius de Moraes a começar a compor, no Veloso, hoje Garota de Ipanema, uma das canções mais executadas no mundo.

Quantos paulistas se extasiaram com aquele deslumbramento, entre navios e aviões singrando ares e mares como se fossem brinquedos levando carga e gente de verdade, mas ali apenas deslizando no horizonte como colírio para os olhos de banhistas babando de felicidade no lazer ou nas férias merecidas?


Praia para todos os gostos, como o menino do dragão tatuado no braço, do Pepeu da asa delta, dos surfistas nas ondas do Pier, das teorias loucas dos engenheiros Hélio Delgado e Fragelli, dos amores mal iniciados, de shows ao ar livre, das festas marcadas para logo mais, do grande universo de talentos que convergem para o Rio por uma razão simples: aqui o espantoso da natureza é a obra-prima da “arquitetura de Deus”, segundo palavras do visitante João Paulo II em certa ocasião.

Infelizmente, toda essa celebração às vezes é mal compreendida por cronistas que, a bordo da meios de comunicação não cariocas, atacam, destilam inveja de forma absurda e grosseira. Podem falar mal lá de longe que aqui tem a TV Globo mostrando que existe gente que ama a cidade e curte os aspectos mais sublimes de um balneário que, a bem da verdade, sob muitos critérios, está decadente.

Pense e despreze aquelas pessoas que chegam para morar e trabalhar no Rio mas não abraçam a cidade. Ver quem veio para ver crescer seus filhos no Rio. Desconfie de quem não respeita o lugar em que vive.


Quem inventou o aplauso ao Sol, festa que abre o lusco-fusco e já compõe o calendário do Rio? Calendário que só obedece à conformação harmoniosa da dança dos astros, porque não é no ano todo que o Sol desce entre o Morro Dois Irmãos e o mar.

Comparar o pôr do Sol na Praia de Ipanema à mediocridade que há na cidade é não entender que mediocridade há em toda cidade, mas em quase nenhuma há um cair do dia tão esplendoroso. Desvalorizar um pôr do Sol tão magnífico é incensar a mediocridade, juntando a própria deselegância indiscreta com a frustração de não aceitar que o Rio, apesar de tantos desmandos, “continua lindo”, como cantamos com Gilberto Gil.

Como não lançar uma olhadinha indiscreta quando passam artistas e jornalistas de todo o Brasil, e entre estes, o Zuenir da entrevista e das caminhadas com o escritor Rubem Fonseca na orla, o Zuenir premiado das reportagens sobre Chico Mendes, o Zuenir das serras de Friburgo e o Zuenir que tanto já trabalhou para veículos fabricados alhures? Como não acreditar?

Nos seus descalabros do cotidiano, o carioca pergunta: quem fez a Cidade ser tão Maravilhosa? Tesouro que perdura nos séculos... Certamente não foram os arquitetos nem os gestores da especulação imobiliária. A mesma cidade que deu ao mundo Oscar Niemeyer espanta negativamente, levando o mar, com os aterros, para longe da visão de quem caminha na Avenida Atlântica. A mesma cidade que deu ao mundo Hélio Oiticica elege políticos para lá de pavorosos... A mesma cidade que está blindada pela topografia generosa, não tem mais nada de construções do século 19, fora um pouquinho na Lapa, em Santa Teresa etc. E a TV Globo, quando tem de filmar Machado de Assis, leva o elenco para o Porto, Portugal, apenas pelo cenário que o Rio de Janeiro esmagou em nome do dinheiro e da avidez.



Montanha. Sol. Mar. Floresta. O conjunto não é tudo o que restou, é tudo de mais inexpungável que existe enquanto harmonia da Cidade Maravilhosa. No mais, o que restou além da descontração carioca? Degradação, violência, desemprego, mendicância... Dá até vontade às vezes de concordar com os inimigos invejosos do Nosso Rio de Janeiro.

Por Alfredo Herkenhoff