Se vivo fosse, Roberto Burle Marx, nascido em São Paulo em 4 de agosto de 1909, comemoraria hoje 100 primaveras, como pôde comemorar e segue comemorando o arquiteto carioca Oscar Niemeyer a caminho dos 102. Burle Marx foi um artista multimídia, vivia com intensidade, criava com intensidade, arriscava também. Consagrou-se mais como arquiteto-paisagista do que pintor, ceramista, escritor, músico etc. Assinou cerca de 2 mil jardins, pequenos e grandes, públicos e privados, no Brasil e no exterior. O maior e o mais famoso é o jardim no Aterro do Flamengo, 1 milhão e 200 mil metros quadrados de violência - o aterramento - contra o Rio de Janeiro.

Violência? Sim. Mas a beleza natural da Cidade Maravilhosa é inexpungável. O aterramento foi uma violência inaudita. Mas já que tá lá, que lateje. E lateja a emoção quando a gente vê a maravilha que é o jardim, quilômetros, quase meia dúzia talvez, com cerca de 12 mil seres vegetais vivos de quase 200 espécies, na maioria brasileira.
O aterramento de grande parte do Rio de Janeiro serviu para enriquecer empresários e políticos, claro, mas disso Burle Marx não tem culpa nenhuma. Apenas o Clube de Regatas do Flamengo, que nasceu nas águas remáveis da Baía de Guanabara, na Praia do Flamengo, chora essa política de afugentar o mar, mandar a beleza para longe. Menos mal que no lugar da primeira beleza temos esta segunda maravilhosa de Burle Marx.
Com pendores difusos, oscilando ora para o abstracionismo, o construtivismo, o minimalismo e outros ismos, Burle Marx sofreu críticas, veladas na maioria, porque a um grande nome se deve respeito até na hora de ressalvas. A maior crítica ao Aterro ouvi, como repórter em início de carreira, da boca e do coração do maior arquiteto do Século 20: Oscar Niemeyer que, de passagem, comentou com certa lamúria nos anos 70: a vegetação no traçado escondia a beleza das águas da Baía de Guanabara. As duas vias expressas ficam no interior do Aterro, na sua maior parte na altura da Praia do Flamengo, e, com isso, nem de carro ou ônibus se avista a beleza topográfica da Baía. Uma pena.

Também se critica o paisagista talvez pela excessiva quantidade de árvores pequenas ou baixas, até arbustos no Aterro. Os postes altos, de uns 40 metros, ou mais, sei lá, permitem à noite que a luz artificial se transfigure como uma espécie de luar natural batendo nas copas, refletindo sombras e relevos entre folhagens de diversas alturas. É tanta mão do homem que a luminosidade misteriosamente ganha um ar ou um aspecto metafísico, um fascínio da vida, com seus perigos, romances, medos, crimes e heroísmos nas vicissitudes ao rés do chão.


Aterro, como viaduto, não faz a cidade mais moderna, apenas adia os engarrafamentos. O Rio de Janeiro - seus donos, os políticos e empresários amigos - realmente machucou a própria natureza. Mas, diante do fato consumado, artistas geniais pelo menos aliviaram o mal e ergueram obras belas.

FIM