segunda-feira, 2 de março de 2009

Literatura - Conto

Merda

(do livro inédito Conto para fugir de balas perdidas)

Por Alfredo Herkenhoff

Sou o verdadeiro símbolo universal da sobra, do mal feito, do desejo de sorte na estréia teatral, do encerramento de uma relação amorosa, da escatologia, do adubo, do contraditório, do prazer e do desprezo.
Sou material de exame de saúde e alimentação. Sou remédio e veneno. Enveneno cursos d’água. Sou a exigência de saneamento e boa educação.
O problema de ser merda é que nem sempre se está num cenário saudável. Embora produto dos intestinos, do movimento peristáltico perfeito, nem sempre a merda está bem acompanhada de um sistema admirável da natureza animal. Triste é a merda acompanhada de gases mortíferos ou transitando em corredores contaminados por células cancerígenas, aproximando perigosa e ameaçadoramente das funções esfincterianas.
Mas deixemos a natureza inevitável. Melhor viajar pelas palavras que unem merda e matemática. Sim, cada pessoa, por melhor que seja a fama, ou a biografia, pode ser mensurada pela quantidade de material que defecou ao longo da vida. Merda por cabeça. Merda pro-rata dia. Merda per capita. Biografia a peso de merda. Diga o quanto come, o quarto pesa e logo saberá o quanto evacuou. Uma vida inteira... Quanto caga? Os mares de merda. A floresta e a merda. O aperto atrás da bananeira. O Rio de Janeiro e a merda. Ou como teria dito o compositor Tom Jobim, explicando que se ouve bossa nova em Manhattan e rock nos palcos cariocas: Nova York é um barato, mas é uma merda. O Rio de Janeiro é uma merda, mas é um barato.
Merda cara pra chuchu num mercado de merda. Mercado persa. Jornalismo de merda. A vaidade é uma merda. Tudo é uma merda. Omnia vanitas.
Com desculpas aos proctologistas salvadores pela análise da merda in loco, aos técnicos do Embrapa operando em nome da pujança da agricultura, aos jovens médicos que aprendem que apendicite é o primeiro ganha-pão dos cirurgiões novatos, podemos dizer, e eu mais do que a maioria, já que sou a própria merda, que a merda é uma beleza.
Quem não teve prazer em dizer uma vez, ou ouvir numa ocasião, um sonoro vai à merda?
E merda no ventilador? Quem não já curtiu seus efeitos? Emprego de merda é o que mais rola. País de merda há grandes e pequenos. Falar merda é mais fácil do que criticar políticos. Merda de filme não vale o ingresso que custou. Merda e merda. Merdalhão. Seu Merda. Poesia de merda. Texto de merda.