domingo, 11 de outubro de 2009

Rio de Janeiro é vítima de bandidos alienigenas

Correio da Lapa informa: a seguir, dois textos mostrando facetas da Cidade do Ri de Janeiro, a única que já foi capital de três (TRÊS!) Estados: capital do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, capital do Império e capital da República.
Prepare-se para chorar. Eis o primeiro, avistado no site Prosa e Verso e precedido por uma apresentação dese cadedrno de O Globo.


Perdido no Rio?

No dia 28 de setembro, segunda-feira, primeiro dia útil da semana em que seria escolhida a cidade-sede das Olimpíadas de 2016, a revista americana “The New Yorker” publicou uma reportagem de 12 páginas assinada por Jon Lee Anderson, um de seus mais respeitados colaboradores, sobre o tráfico de drogas no Rio de Janeiro. Intitulado “Gangland. Who controls the streets of Rio de Janeiro?” (“Terra de gangues. Quem controla as ruas do Rio de Janeiro?”), o texto era resultado de uma apuração de três meses durante os quais o jornalista conversou com policiais, jornalistas, pesquisadores, políticos e traficantes sobre o cotidiano de violência a que são submetidos os cariocas moradores de favelas e de áreas próximas a elas. A imprensa brasileira comentou com desconfiança a escolha da data de publicação da reportagem, temendo que ela prejudicasse a campanha afinal vitoriosa do Rio para sediar as Olimpíadas, e analistas contestaram sua precisão. Neste texto especial para o Prosa & Verso, Anderson fala sobre seu trabalho e responde aos críticos.



Eu me interessei pela cultura das gangues do Rio de Janeiro na minha primeira visita à cidade, em 1997. Tiros de armas automáticas soavam ao longe quando saí do aeroporto. Como jornalista e como observador experiente de sociedades em guerrilha, fiquei fascinado pelo espectro de uma cultura fora da lei existindo mais ou menos livremente em plena “Cidade Maravilhosa”. A meu pedido, alguns amigos providenciaram uma visita a uma favela na Zona Norte. Ela ocupava a encosta íngreme de um morro não muito distante do Sambódromo. Fui acompanhado por Zuenir Ventura, veterano jornalista autor do livro “Cidade partida”, sobre as favelas do Rio. Fomos escoltados por um ativista social, um homem barbado na casa dos 40 anos, que coordenava uma ONG na favela. Os chefes da gangue da favela o toleravam, ele nos disse, porque ele não se metia nos negócios deles, que eram — e ainda são — baseados no comércio ilegal de drogas. Ele nos guiou a pé pela passarela de concreto estalando de nova que serpenteava favela adentro. Era um projeto seu recém-concluído, e ele estava muito orgulhoso. A passarela ziguezagueava morro acima, com um corrimão muito útil para as mulheres com crianças de colo ou com sacolas das compras feitas na rua de baixo. Antes, elas usavam vielas de terra que viravam um lamaçal depois da chuva.

Num certo ponto, notei o que pareciam ser manchas de sangue fresco na passarela nova. As manchas continuavam por uns 50 metros. Começavam como pingos e nódoas e se tornavam grandes borrões sinuosos. Apontei-os para nosso anfitrião, que apenas assentiu silenciosamente. Ventura sussurrou: “Sim, é sangue”.

Paramos para um papo na casa de uma senhora. Perguntamos sobre as manchas de sangue. Depois de fechar cuidadosamente as persianas de seu pequeno barraco de madeira, ela explicou o que tinha acontecido. Falou em voz baixa, temerosa. Os gângsters tinham matado um suposto informante na noite anterior, ela disse. Fizeram isso abertamente, à vista de qualquer um que por acaso estivesse ali na hora. Eles então arrastaram seu corpo, sangrando, por toda a extensão da nova passarela, para que todos vissem o que tinham feito. Depois, retalharam o corpo e desapareceram com os pedaços. Tudo que restou dele foram as manchas de sangue.

A notícia se espalhou rapidamente e a polícia mandou alguns homens à favela naquela manhã. Eles fizeram uma ronda, mas não havia com quem falar, e nenhum corpo, e portanto nenhuma prova de que um crime tinha sido cometido. Os policiais foram embora. Não tinham o que fazer ali.

Desde essa visita, eu tinha vontade de explorar o Rio e de me envolver mais a fundo com suas realidades paralelas. Finalmente tive essa oportunidade este ano, passando várias semanas no Rio em duas viagens diferentes, durante as quais visitei algumas favelas. Conheci gângsters, cidadãos comuns, legisladores, políticos e analis$. Conversei com cariocas de todos os tipos sobre a cidade e seus problemas. Tive muitas experiências sobre as quais terminei não escrevendo, simplesmente porque havia assunto demais para algo que, no fim, era apenas um artigo de revista — não um livro. Esse artigo foi publicado na revista “The New Yorker” com o título “Gangland” (“Terra de gangues”), em 28 de setembro. No fim das contas, foi a meros cinco dias da decisão do Comitê Olímpico Internacional sobre qual das cidades finalistas — Madri, Tóquio, Chicago ou Rio — sediaria os Jogos de 2016. Foi uma péssima ocasião, ou uma ocasião muito favorável, para meu artigo ser publicado, dependendo do ponto de vista. No Brasil, muitos consideraram a ocasião péssima.

Nos dias seguintes à publicação do artigo — na acalorada reta final para o Dia D olímpico —, fui submetido a todo tipo de crítica, e até difamação, por certos setores da imprensa brasileira. Foi amplamente sugerido que eu era cúmplice de alguma nefasta conspiração americana para sabotar a candidatura olímpica do Rio em favor de Chicago. Também foi sugerido que eu era um forasteiro desinformado, que eu não tinha consultado especialistas, que eu estava enganado sobre os fatos, e que tinha repetido muitos clichês e boatos sobre o Rio. Fui criticado por fazer jornalismo preguiçoso, por me colocar no centro da história, e foi dito que as favelas nas quais me concentrei, na Ilha do Governador, não eram representativas daquelas no resto da cidade.

Não levei em consideração a maioria dessas alegações, tomando-as como reações defensivas de cariocas que se sentiam feridos por minhas observações, publicadas num momento especialmente sensível. Posso entender essas reações, mas, no fundo, a maioria dos meus críticos deve saber que estava sendo injusta. Porque tudo que qualquer um com meia consciência no Rio precisa fazer é olhar em volta para ver que tudo o que escrevi, e muito, muito mais, é verdade sobre a cidade que eles amam — e negligenciam — tanto. Se a beleza do Rio é de tirar o fôlego, o mesmo pode ser dito de sua pobreza, sua miséria, seu crime e sua violência. O Rio não esconde sua injustiça social, ostenta-a.
Enfim, o Rio ganhou o direito de sediar os Jogos Olímpicos de 2016. Como alguém que desenvolveu um profundo afeto pela cidade e por seus habitantes, estou muito satisfeito com a escolha. Acredito que ela oferece uma notável oportunidade para que autoridades e cidadãos do Rio concentrem sua atenção nos urgentes problemas sociais da cidade e dediquem-se a eles nos próximos sete anos. O Rio pode até se tornar uma cidade governada pelo domínio da lei, em vez de pela criminalidade descontrolada. No fim das contas, isso sim seria um feito maravilhoso, sem dúvida melhor, até, do que sediar as Olimpíadas.

JON LEE ANDERSON é jornalista, autor de “Che Guevara — Uma biografia” (Objetiva), entre outros títulos

A seguir outro texto mostrando o mal que os presidentes JK e Geisel fizeram à Cidade Maravilhosa: