Na madrugada deste domingo, em vez de urnas do plebiscito abertas na marra, abriram a casa de Zelaya a tiros
Correio da Lapa - Notícia comentada (*)
No início de julho, a Suprema Corte de Honduras considerou o plebiscito convocado pelo presidente Manuel Zelaya inconstitucional e o proibiu. Zelaya insistiu na realização da consulta, que deveria ter sido feita neste domingo. Há cerca de uma semana, o Ministério Público de Honduras determinou que as urnas do referendo fossem confiscadas. Mas as forças leais de Zelaya pegaram antes as caixas e a papelada. O presidente determinou em seguida que as Forças Armadas participassem e organizassem na prática a consulta. Mas os comandantes, alegando que estavam proibidos pelo Supremo, se recusaram. Zelaya então destituiu o alto comando. O Supremo decidiu que a exoneração era ilegal. Nessa altura, crise chegando às ruas. E o partido do próprio Zelaya rachando por temer que a crise visava a sua reeleição.
Na madrugada deste domingo, em vez de urnas do plebiscito abertas na marra, abriram a casa de Zelaya a tiros. Tropas efetuaram a prisão do presidente, botaram-no num avião e o soltaram na vizinha Costa Rica como se fosse um ladrãozinho degredado qualquer.
Horas depois, o Congresso elegeu o presidente da casa, Roberto Micheletti, novo presidente interino da República, já que o vice de Zelaya renunciara um ano atrás. O mandato tampão vai até janeiro, quando terminaria o mandato de Zelaya. As eleições previstas para novembro estão mantidas. Micheletti, que há tempos acalentava o sonho de chegar ao Poder, passou as últimas horas emitindo declarações. Dizendo que não houve golpe, mas sucessão legal, que todo mundo agiu como manda a lei. Que Zelaya foi destituído pelos Legislativo e Judiciário por desacatar os dois Poderes, por desacatar sucessivamente as leis. Mas Micheletti não está convencendo ninguém. Nenhum país reconheceu o novo governo. Nem os EUA. Mas o fato de Washington ter anunciado nesta segunda-feira que vai manter a ajuda econômica a Honduras é um sinal contraditório de que a condenação não é tão ampla. A chefe da diplomacia americana, Hillary Clinton, também qualificou o afastamento de Zelaya como golpe de estado. Barack Obama foi mais formal: pediu que se respeitem as leis.
Micheletti tenta no plano interno estimular patriotismo, dizendo que o povo hondurenho está pronto para enfrentar as armas de Chávez. Salta aos olhos dos jornalistas que a parte golpista da sociedade hondurenha não teme Zelaya, o fazendeiro estilo americano, caubói, chapelão e tudo mais, mas a guinada que ele deu com discurso afinado com Chávez, que, em sua trajetória incendiária, já trocou desaforos com governantes de meia dúzia de paises, incluindo Colômbia, Peru, México e até Espanha. Do jeito que o venezuelano fala, parece que o mundo está prestes a explodir. Apesar da presença de tropas nas ruas de Tegucigalpa, cerca de 200 pessoas pró-Zelaya e pro-Chávez afrontaram neste segunda as forças de segurança. O país parece calmo, mas está em chamas. Por ora, porém, tudo sob controle, mas Honduras, um dos países mais pobres do mundo, está na mídia. É o primeiro golpe latino-americano desde 1993. E a 80 km da capital, há uma base militar dos Estados Unidos.
Lula, no início da tarde, voltou a reclamar do golpe dizendo inocentemente: mas que mal há em convocar um plebiscito para ouvir a opinião da população? Convocar com proibição do Congresso e do Supremo locais? Com 80% de popularidade é fácil dizer isso. Mas Lula não diria isso no auge da crise do Mensalão, que culminou com a campanha eleitoral de 2006 em que o PT escondia sua sigla de duas letras, envergonhado ou bem informado pelos ibopes da vida.
Zelaya e Micheletti não assumem mas não conseguem esconder que por trás da crise está a expansão do fenômeno Hugo Chávez junto às massas latino-americanas vivendo na extrema pobreza. Hugo Chávez desperta raiva e admiração. A América Latina mergulhou de vez no Século 20.
(*) Por Alfredo Herkenhoff