segunda-feira, 13 de abril de 2009

FIM DA CRASE - HOMENAGEM AO DEPUTADO JOÃO HERRMANN

Morre deputado que defendia fim de norma inútil

A língua é uma instituição social, pré-existe aos que a falam. E sobrevive aos falantes que morrem. A escrita também é uma instituição social, mas nasceu depois da fala como um meio de grafá-la. A dinâmica da evolução de uma língua se dá mais pela fala do que pela escrita no dia-a-dia das manifestações. Reformas ortográficas pouco interferem na fala e são bem-vindas. As normas excessivas dos doutores do vernáculo apenas enchem o saco da garotada nas escolas.

Deputado pedetista João Herrmann

Morreu no domingo o deputado federal João Herrmann Neto (PDT-SP). O corpo foi velado em Campinas, sepultamento no cemitério Parque Flamboyant. João Herrmann, de 63 anos, teve morte súbita na piscina de sua fazenda, em Presidente Alves (SP). Engenheiro Agrônomo, o deputado estava no quinto mandato. Foi deputado constituinte, como titular da Comissão de Sistematização e também prefeito de Piracicaba entre 1977 e 1982. O presidente da Câmara, Michel Temer, decretou luto e elogiou João Herrmann como "amigo e que fará falta para a política de São Paulo e do Brasil". João Herrmann, entre outras coisas, travava uma longa luta pelo fim da obrigatoriedade do uso da crase. Como homenagem ao finado por este ideal, que comungo, segue parte de um texto amplo sobre as formas de escrever a nossa língua lusa e sobre a importância desta luta contra os excessos da chamada norma culta.
Herrmann dizia que a crase é um "sinal obsoleto, que o povo já fez morrer”.


Eu vou a praia sem crase

Vou e volto e explico: fiz a contração de artigo definido "a" com a preposição "a". Fiz a fusão das duas partículas idênticas apenas na estrutura real da voz, na fala, não na escrita, sua mera reprodução visual. Não há erro em omitir o sinal gráfico, o famigerado acento grave.


O poeta e crítico de artes plásticas Ferreira Gullar, do Maranhão, terra conhecida pelo melhor uso de pronomes de acordo com as boas recomendações do vernáculo, cunhou a máxima irônica: “A crase não foi feita para humilhar ninguém”. A boutade tem lá uns 40 anos de vida, mas a humilhação segue firme, espalhando notas baixas nos exames da vida.

Eu vou a praia sem crase. Vou feliz e volto feliz com a minha prancha. Por que serei reprimido, criticado, avaliado para baixo pela ausência da crase? A quem interessa essa marcação senão aos revisores? A exigência é um despropósito na medida em que as normas cultas exigem visibilidade gráfica quando não são chamadas a ter. Trata-se de uma intromissão histórica que está durando até demais da conta.

Mesmo sem o acento grave, a frase Eu vou a praia mostra a contração de preposição e artigo definido, mas a informação é de quem a proferiu. O interesse do autor prescinde de grafar explicações sobre funções do texto que nada dizem sobre a informação do passeio na beira do mar. A crase não é ouvida na língua falada. O acento grave não é visto na língua falada. Esses sinais não existem e não fazem falta numa conversa.

Em português, a crase, um acento grave indicador de que uma letra “a” está exercendo função de preposição e, ao mesmo tempo, de forma fundida, esta mesma letra “a” exerce também a função de artigo feminino definido, é um sinal dispensável por motivo simples: a contração de proposição e artigo definido permanece exercida mesmo sem o acento grave a indicá-la. Ou seja, a crase não é essencial para quem compreende a sintaxe. É apenas um estorvo para quem, intuitivamente, consegue falar com clareza, fazendo as contrações.

Há propositores esparsos na defesa do fim do uso da crase. Destaca-se aqui o deputado federal João Herrmann Neto (PDT-SP). Seu projeto de lei 5154 está aí com poucas chances de assassinar a obrigatoriedade de acento tão inútil. Afirma Herrmann: “Ambigüidades podem ser desfeitas com o estudo e a análise do texto, sem levar em consideração o sinal obsoleto, que o povo já fez morrer”.

População se divide em grupos que sabem usar a crase, a minoria, e os que tem um medo existencial deste sinal


O deputado Herrmann se socorre de escritores como o gaúcho Moacir Scliar, que observa, na crônica Tropeçando nos acentos, que a população brasileira se divide não apenas em pobres e ricos, mas também em grupos “que sabem usar a crase, a minoria, e a maioria que tem um medo existencial a esse sinal”. Segundo Herrmann, o fim da crase vai economizar tempo no ensino da Língua Portuguesa.

O Brasil teria três anos para passar a editar livros sem crase. O projeto foi encaminhado às comissões de Educação e Cultura e Constituição e Justiça. Curioso é que o projeto sugere o fim. O presente texto mais galhofeiro, mais palatável, sugere apenas o fim da obrigatoriedade do uso de sinal para grafar a contração de pronome e artigo.

De qualquer modo, topa-se uma aliança. Que tal defender o seguinte grito de guerra: Fora crase! Abaixo todos os acentos! Este grito nada mais é do que uma libertação dessa tradição ruim, estabelecida num tempo em que os poderosos nos países lusófonos eram escravocratas.

Por Alfredo Herkenhoff