Conversa entre Hélio Oiticica e Antônio Dias - Vestígios do Século 20 (...) *
(...) ALFREDO HERKENHOFF– O fato de você usar a palavra em inglês dá a impressão, em termos de sensibilidade, que você usa o verbal para ler o quadro, porque de fato é um quadro...
ANTONIO DIAS –É uma pista, que pode ser um endereço, mas não é pra ler, não é o correspondente.
AH – Estou falando no sentido da coisa que se lê, como o poema de Mallarmé, que é o melhor crítico de si próprio.
AD – Você quer dizer uma tautologia?
AH – Como uma alusão a Mallarmé, o poema, do começo ao fim, é o núcleo e o mais crítico de si próprio já ao nascer. E você, usando a língua inglesa, correlata o país que manda no mundo. Faço lugares e aí também a língua inglesa é predominante, planetária, hegemônica: qualquer lugar é o meu lugar. E no seu trabalho, Anywhere is my land, você usa o inglês e dá uma ideia de abrangência.
AD – É um pouco complicado todas essas relações que você faz. O Hélio olhando diz que o quadrado ali parece que não está pra lá nem pra cá.
HÉLIO HOITICICA – Mas essa coisa da língua inglesa que o Alfredo falou é legal.
AD – É. Estabelece a função da escrita. Ela não está ali por gratuidade. Mesmo quando ela tem o seu jogo poético ela quer espelhar também o problema que é o fazer aquele trabalho, como refazer o modo como ele foi produzido.
HO – Qualquer interrupção (Nota do Correio da Lapa - CDL -: Hélio Oiticica já um pouco eufórico com a conversa toda e a cerveja e se referindo à gravação do diálogo) é devido a Amaro. L’Aura Amara, um poema provençal. Arnaut Daniel, via Ezra Pound. Não! Arnaut Daniel via Dante. Dante que descobriu Arnaut como il miglior fabbro. Arnaut Daniel fazia serestas pros bofes dele sei lá onde. Em Verona ou Veneza? Devia ser Firenze. Não. Era provençal. Mais ao Norte. Piemonte. Sul da França. Sei lá, tem que perguntar ao Haroldo de Campos. Quero ir pra São Paulo. Ficar numa rede, ouvindo Haroldo contando essas histórias. Eu amo o Haroldo além do tempo e do espaço. Mas fala!
AH – Adoro Haroldo.
HO – Você sabe da vida íntima dele?
AD – Haroldo usa samba-canção?
HO – Usa (gargalhadas na sala). Mas não. Eu gosto porque Haroldo tem uma coisa de delírio ambulatório na rua. Ele anda pela rua a descobrir coisas em todos os lugares. A maneira dele decodificar a cidade de Nova Iorque tem muito a fundo comigo. Ele decodifica de uma maneira complexa. Isso me interessa muito porque tudo o que eu faço na vida é decodificar o dia inteiro.
AH – Conheci o Haroldo de Campos num jantar em sua casa, aonde fui pensando que ele fosse aquela personalidade retraída e concreta, que fala umas seis línguas vivas e três mortas. De repente, descobri um personagem histriônico, felliniano (...)
(*) - Por Alfredo Herkenhoff, trecho do inédito Livro D Arte