sábado, 9 de abril de 2011

História da CSN nos seus 70 anos de vida neste 9 de abril de 2011

CSN 70 anos
 

O Brasil forjado no aço
(Parte 1 de 2)

Por Alfredo Herkenhoff  

 No dia 9 de abril de 1941, portanto há exatos 70 anos, nasceu a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), em plena Segunda Guerra Mundial, com a realização de uma assembleia realizada na cidade do Rio de Janeiro para subscrição de ações por cerca de 150 nomes, entre pessoas físicas e jurídicas, privadas e públicas. 

A empresa começara a nascer também graças ao decreto,  assinado em 30 de janeiro daquele ano pelo presidente Getúlio Vargas, autorizando a criação da grande siderúrgica. A CSN nasceu de um entendimento diplomático com os Estados Unidos. A CSN nasceu graças aos esforços de homens de visão que negociavam com Washington e, simultaneamente, com a iniciativa privada americana.

 Além de marco da industrialização do País, a CSN é um símbolo afetivo do Brasil, a exemplo da Petrobras e, mais ainda, do Estado do Rio de Janeiro.

 A assembleia de 9 de abril de 1941 foi comandada pelo empresário Guilherme Guinle, que viria a ser o primeiro presidente da CSN. Guinle articulou subscrição de ações por parte de 150 nomes da elite do empresariado brasileiro, pessoas físicas e jurídicas que compraram no ato ações em um total equivalente a quase dois bilhões de dólares em moeda de hoje.

Estes pioneiros, agindo em nome de Getúlio, representavam um velho sonho de toda a nação para que o Brasil tivesse uma economia pujante, capaz de produzir bens que, até então, só chegavam por meio de importações, beneficiando apenas uma pequena minoria. O Brasil em 1941 era pobre, indústria incipiente, vivia de produzir bens primários, uma economia rural que pouco faturava nas exportações e com isso pouco podia comprar no exterior.

A história da grande companhia ao longo do Século XX tem altos e baixos. Em fins da década de 80, coroando sucessivas administrações mal sucedidas, a estatal apresentava vultosos prejuízos e, com a chegada do governo Collor de Mello, em 1990, quase foi fechada.  Mas graças à privatização, em1993, já no governo Itamar Franco, houve uma dinamização em todos os setores.

 A privatização enxugou a siderúrgica, trouxe racionalidade e foi fundamental para implantar um gerenciamento moderno, à altura da globalização. A CSN estava muito inchada e problemática no auge da crise. Depois de privatizada, ficou exemplar. Hoje por exemplos modernos filtros alemães de última geração reduziram drasticamente o problema da poluição do ar na cidade de Volta Redonda.

 Além de marco da industrialização, a CSN é um símbolo afetivo do Brasil, a exemplo da Petrobras. Neste 9 de abril de 2011, a CSN merecia uma festa maior. Oxalá nesta data essa trajetória esteja sendo bem contada e comemorada, claro, de  forma respeitosa, por incluir exemplos da melhor brasilidade, pessoas das mais poderosas às mais humildes, mas todas importantes nessa saga, neste aniversário que deve alegrar não apenas Volta Redonda, mas  todo o país e, claro, o Rio de Janeiro. 

Por Alfredo Herkenhof, Correio da Lapa, 9 de abril de 2011f.
Continua


 Arquivo Edmundo de Macedo SoaresCPDOC/FGV
Pioneiros da CSN: Oscar Weinschenk, Edmundo de Macedo Soares e Silva, Guilherme Guinle e Sílvio Raulino de Oliveira. Todos juntos em Volta Redonda na década de 1940. 


CSN, 70 anos

O Brasil forjado no aço  
 (Parte final, 2 de 2)

Por Alfredo Herkenhoff

O desejo de construir uma grande siderúrgica existia desde o início do Século XX. Este sonho ganhou ímpeto como movimento tenentista no início dos anos 20. O engenheiro metalúrgico Macedo Soares, tenente que chegou a ser preso por participar daquele movimento modernista no front político e militar, foi um dos pioneiros da CSN.

 Com a ascensão de Getúlio Vargas ao poder em 1930, os esforços para construir uma grande usina ganharam fôlego. Existe farta documentação sobre esses esforços empreendidos ao longo de 10 anos antes da criação da empresa. Sucessivas comissões eram nomeadas pelo governo e enviadas à Europa e aos Estados Unidos para tentar parcerias. Não havia dúvidas de que a produção de aço em grande escala seria o marco zero da industrialização do Brasil.

 A história da grande companhia ao longo do Século XX foi contada em detalhes no livro intitulado CSN – Um Sonho Feito de Aço e Ousadia, editado no ano 2000, numa parceria da Fundação CSN com a Fundação Getúlio Vargas (FGV). O livro mostra A CSN nasceu também da conclusão, por parte dos Estados Unidos, de que o Brasil devia crescer economicamente ao cerrar fileiras com os aliados no conflito contra o nazismo e o fascismo.

Embora o Brasil contasse, havia décadas, com relevantes segmentos migratórios procedentes da Alemanha e Itália, era imperioso para o presidente Getúlio Vargas entrar em guerra contra os dois países que, embora de rica tradição humanística, encontravam-se mergulhados num processo político obscuro, com lideranças ensandecidas, impondo políticas criminosas de expansionismo geográfico e intolerância total, incluindo racial, contra nações, povos e culturas.

Uma carnificina se desenrolava na Europa e no Norte da África. Os Estados Unidos precisavam do apoio geopolítico do Brasil diante do Atlântico Sul.

Cientes dessa perspectiva, que ainda ganharia maior peso militar se por acaso o conflito internacional se estendesse por muitos anos, o governo do presidente Franklin Roosevelt concordou com empresários, engenheiros, militares e políticos brasileiros e americanos sobre a importância de uma aliança que não se limitasse a uma cessão do território pátrio para bases contra as forças do Eixo. O dois grandes negociadores brasileiros no exterior foram justamente Guilherme Guinle e Edmundo de Macedo Soares e Silva.

Trocando em miúdos, Getúlio Vargas, ele próprio o chefe de um regime de restrições às liberdades democráticas, cobrou um preço pelas bases americanas no Nordeste brasileiro e foi atendido com um acordo também comercial para a construção da siderúrgica.

As negociações foram difíceis e se arrastavam por alguns anos até que Getúlio Vargas, em 1940, num governo em cujo primeiro escalão havia simpatizantes do nazismo, fez o que alguns analistas julgam ter sido um blefe político. A bordo do encouraçado Minas Gerais, discursou em 11 de junho de 1940, diante de uma plateia de militares, manifestando simpatia por governos fortes na Europa. Não citou Roma nem Berlim, mas a fala foi vista como uma insinuação de que o Brasil poderia se aliar às forças nazistas.

A fala de Getúlio foi levada rapidamente a Roosevelt. Assustados , os Estados Unidos, que relutavam em emprestar capitais e transferir tecnologia numa área tão vital como a produção do aço em larga escala, finalmente concordaram com a parceria de caráter político e militar, mas que significava também o início de um processo de independência econômica do Brasil.

É bem verdade que, alguns anos antes da decisão na instância máxima do poder, com empenho pessoal de Roosevelt e Getúlio, a US Steel, então maior fabricante de aço no Mundo, manifestara interesse em investir numa siderurgia no Brasil, mas as negociações enfrentavam impasses. As dificuldades, no começo, envolviam formas de composição acionária e da participação do Estado brasileiro no projeto, num momento de nacionalismo crescente. Impasses, na sequência, agravados com o início da guerra, em 1939. Naquele clima de beligerância crescente, por exemplo, Moscou encampou uma unidade de níquel da US Steel na Finlândia ocupada. Este fato fez o empresariado americano temer ainda mais um investimento no Brasil em tempos de tensões internacionais crescentes que culminariam com a Segunda Guerra Mundial.

 Com a volta dos pracinhas da Europa, derrotados os regimes ditatoriais e expansionistas,  e com a sociedade brasileira cada vez mais desejosa de viver a democracia, a liberdade pela qual lutara, Getúlio foi deposto em 1945. E em 1946, a CSN foi inaugurada pelo presidente Eurico Gaspar Dutra.

 O Brasil, no entanto, nunca esqueceu de Getúlio Vargas, reconhecendo a importância daquele que propiciara vários avanços sociais ao longo de 15 anos como presidente revolucionário, presidente constitucional e depois ditador do Estado Novo.

 Embora Getúlio estivesse num exílio em sua fazenda gaúcha, Dutra sequer o convidou para a inauguração da CSN em 1946, o que foi visto como uma descortesia e também um receio de que o ressurgimento do ex-presidente criasse um fato político novo. E de fato Getúlio voltaria ao Poder Executivo pelo voto em 1950. Mas isso é outra crônica política, embora a trajetória da CSN esteja sempre atrelada à própria História do Brasil.

 O livro do ano 2.000 sobre a CSN, elaborado pela equipe do Centro de Pesquisa e Documentação (CPDOC) da FGV, sob coordenação da historiadora e escritora Regina da Luz Moreira, com participação também de pessoal da Fundação CSN, ilustra a trajetória da empresa que fez nascer a cidade de Volta Redonda.

 Benjamin Steinbruch, proprietário e presidente da CSN, escreveu naquele livro, explicando que a companhia mudara apenas de controle acionário: “Seu compromisso com o desenvolvimento econômico e social, no entanto, continua absolutamente fiel aos princípios que sempre nortearam sua existência: modernidade operacional e comercial, interação com a sociedade como um todo e, em especial, com as comunidades onde atua”.

Noutro trecho, Benjamin Steinbruch valorizou o testemunho vivo de quem fez a história, desde os primórdios da empresa: “São funcionários antigos, aposentados ou ativos, e pessoas que viveram o dia-a-dia da empresa. Pessoas que viram nascer uma cidade em função de um projeto produtivo que é motivo de orgulho para todo o país. Pessoas que acompanharam o progresso da região, da siderurgia e do próprio país – e que viveram momentos de agonia e glória , ao longo desses anos”.

 Ressaltou ainda o presidente a vitória da própria nação, “contada nas entrelinhas da história de sua mais importante usina, tão entrelaçada esteve a CSN na maioria dos episódios relevantes da história contemporânea brasileira”.

O período de Getúlio Vargas, iniciado em 1930 foi marcado pela criação de uma meia-dúzia de comissões para estudar meios de o Brasil produzir aço em larga escala. A primeira delas foi criada 1931 e se chamava Comissão Militar de Estudos Metalúrgicos. Mesmo antes de chegar ao Poder pela revolução, Getúlio frisava na década de 1920 que uma grande siderurgia era essencial para deslanchar um processo de crescimento econômico no Brasil. A última comissão, criada em 1940, chamava-se Comissão Executiva do Plano Siderúrgico Nacional, que formou um grupo de trabalho no Brasil e outro nos Estados Unidos, onde negociava os detalhes sobre a montagem da usina com a empresa Arthur G. McKee Co., sediada em Cleveland, Ohio.

Entre os pioneiros nas negociações que deram origem à CSN e que integraram as diversas comissões, destacaram-se vários nomes do Itamaraty, do Exército, da Marinha e do empresariado. Quatro personalidades figuram como especiais para Volta Redonda e, homenageados, dão nomes a lugares e edificações na cidade. São eles Edmundo de Macedo Soares e Silva, Guilherme Guinle, Sílvio Raulino de Oliveira e Oscar Weischenk.

Os dez anos que antecederam a criação da CSN foram um tempo em que aquelas comissões discutiam possíveis parcerias com países e empresas nos Estados Unidos e na Europa, estudavam local da implantação da usina no Brasil, tipo de capitalização e composição acionária, formas de exploração e exportação de minérios, fornecimento de insumos, escoamento portuário, presença de água, opções de energia a ser usada nos altos fornos, implicações sociais, políticas e militares com a chegada da produção do aço e até questões estratégicas envolvendo o futuro do Brasil no plano internacional.

Em antigo depoimento a pesquisadores da FGV, o já então general Macedo Soares (1901-1989), que como jovem major e engenheiro metalúrgico formado na França esteve presente em diversas comissões na década de 30, lembrou aqueles tempos:

“Getúlio raramente decidia de forma ditatorial. Não costumava agir por intermédio de decretos-leis: era um político. Quando uma comissão não servia, nomeava outra até chegar a uma que aprovasse o que ele queria. Ele era assim. É claro que a formação dessas comissões implicava algumas despesas com viagem, diárias, mas seus membros não ganhavam nada, além de muito trabalho. Participei de muitas delas e nunca recebi salário”.

O sonho de dominar com perfeição e eficiência a arte da fundição de metais sempre esteve presente na maioria dos povos. Era um sonho no Brasil desde o período colonial. Mas até a criação da CSN, o Brasil se limitava a pequenas metalúrgicas, a maioria delas situadas em Minas Gerais. O Brasil se limitava a produzir vergalhões e outras ligas metálicas, mas faltava a diversificação num momento em que sobrava desejo de adquirir máquinas.

Da última fase do Império encerrado em 1989 às primeiras décadas da República, o Brasil nem podia pensar em indústria de verdade: era só agropecuária e pequeno comércio. Tudo vinha de fora: livros, escravos, calçados etc.

As primeiras máquinas mostravam a importância de se ter uma siderurgia. Primeiro as grandes máquinas, os trens Maria-Fumaça a partir de 1853, o que demandaria todo ano mais e mais trilhos; logo queríamos a importação de algo melhor aqui e acolá: o telefone, uma pequena impressora, um velho automóvel Ford etc. Este quadro levava a elite mais bem informada a buscar concretamente um meio para criar a siderurgia e dar início a um processo industrial, capaz de produzir substituições de milhares de itens só possíveis no País com a importação.

O brasileiro humilde e trabalhador mal sabia o que era uma siderurgia com seus enormes altos fornos quando o Brasil entrou na era do aço. A usina de Volta Redonda nasceu num descampado no meio de fazendas e atraiu mais de 10 mil trabalhadores para o serviço de terraplanagem.

A origem do nome Volta Redonda se deve ao fato da grande curva do Rio Paraíba existente naquela região, conhecida então como  8º. Distrito do município de Barra Mansa e denominado Santo Antônio da Volta Redonda.. Com a CSN, nascia uma cidade que se emanciparia em 17 de julho de 1954.

Nascia com a CSN principalmente um sentimento de orgulho de toda gente. Trabalhadores eram inteirados de que estavam no coração de uma revolução econômica. Dedicavam-se ao trabalho, criavam famílias com orgulho e honradez, especializavam-se nas mais diversas funções da complexa cadeia de processos para produzir vários tipos de liga metálica.

A CSN nasceu também como escola não apenas para gente humilde.  Os 82 técnicos e engenheiros americanos que viajaram ao Brasil para coordenar a instalação da fábrica interagiram com técnicos e engenheiros brasileiros. Houve a partir da CSN um enorme avanço na Engenharia, na Química e outras ciências no Brasil. Um exemplo: Graças à CSN, nasceu a Escola de Engenharia Metalúrgica da Universidade Federal Fluminense nos anos 60.

O próprio nascimento de uma cidade, primeiro um acampamento crescendo em torno da CSN, foi marcado pela influência americana: ruas bem traçadas e numeradas, praças e calçadas largas, como se vê no Centro histórico de Volta Redonda.

Hoje, apesar de crescimento urbano no Brasil costumar representar simultaneamente um agravamento de problemas sociais, como gargalos no setor de transporte, favelização acentuada e violência, pode-se dizer que Volta Redonda é uma exceção. Como uma das três cidades brasileiras nascidas de planejamento – as outras são Belo Horizonte em 1900 e Brasília em 1960, Volta Redonda tem motivos para se orgulhar como município com bons serviços, bom comércio, bom trânsito, cinemas espaçosos, padrão de consumo, instalações esportivas, integração social, auto-estima sempre elevada, enfim, uma população ordeira que se orgulha de própria história e de pertencer à chamada Cidade do Aço.

Esta vantagem relativa de Volta Redonda com relação a tantos municípios brasileiros de médio porte, ou maior, não significa que a cidade não tenha muitos problemas. Esta qualidade, ou o fato de Volta Redonda ter menos problemas do que outros municípios, também não deve ser vista como natural, mas sim como consequência de um esforço constante de sua população e da própria CSN, no sentido de buscar aprimoramento com boas práticas administrativas. Tanto no setor privado quanto público.

 Mas essa trajetória de buscar o melhor nem sempre se deu de forma linearmente positiva na CSN.

Na sua primeira fase, que grosso modo se estende até o fim da década de 1980, a atividade da CSN atravessou uma série de fenômenos sociais. Nasceu num momento em que Moscou e Washington eram aliados na Segunda Guerra, e logo cresceu quando as capitais das duas superpotências militares inauguravam a chamada Guerra Fria, opondo comunismo e capitalismo. Havia, como pano de fundo social, um conflito cotidiano de forças que se autodenominavam de esquerda ou de direita, propiciando crises no plano político-institucional.

A CSN foi inaugurada para crescer e continuou crescendo naquele momento de euforia, a vitória na guerra e a redemocratização. A CSN segueria crescendo em meio a disputas políticos, e crescia também a atividade sindical, ora com menos ou mais liberdade.

Enquanto os embates, por mais duros que fossem, respeitavam a atividade fundamental da siderúrgica, que é produzir com eficiência, propiciando desenvolvimento econômico para o país, lucro e bem-estar social para funcionários, não havia riscos maiores na CSN.

A CSN cresceu mesmo com as crises políticas como a que levou Getúlio ao suicídio. A CSN, mais ou menos nos seus primeiros 30 anos de vida, ainda podia contar com a influência e a racionalidade daqueles líderes pioneiros, que dirigiram a empresa, como Guilherme Guinle e Macedo Soares. A CSN podia contar, sempre contou, com a dedicação e o orgulho de seus milhares de funcionários. Chegou a envolver quase 30 mil postos diretos.

De crise em crise, fosse política, nacional ou internacional, fosse econômica, a CSN seguia o que parecia ser um caminho inexorável de crescimento como atividade vital para o Brasil.

Como símbolo da história do País, a CSN propiciou este orgulho a praticamente todo brasileiro, e não apenas aos moradores de Volta Redonda. Quase todos os presidentes da República visitaram a cidade quando ocupavam o cargo máximo.

A crise maior que conduziu ao processo de privatização da CSN, ocorrida em 1993, começou na verdade com a implantação da ditadura militar de 1964.
A privatização se deu num leilão público, como uma oportunidade de gerenciamento eficiente por parte de novos acionistas e ainda como uma alternativa para que a usina não fosse, por desmandos da classe política, simplesmente fechada da noite para o dia. Aliás, isso foi até cogitado no início do governo do presidente Fernando Collor de Melo, naquele período entre sua eleição em fins de 1989 e a posse em 1990.

Afinal, na década de 1980, a usina registrava cerca de 300 milhões de dólares de prejuízo a cada ano. Provavelmente, em suas considerações, Collor poderia imaginar que a CSN tinha virado uma “carroça” metalúrgica. Carroça era a expressão que ele usava para promover a abertura da economia e a privatização contra a ineficiência de gerenciamentos burocratizados.

A crise que afetou a CSN não nasceu num dia, ou num ano específico. A crise foi se instalando como um processo lento e doloroso, no princípio quase imperceptível pelos funcionários e sindicalistas.

O regime de 1964, além de caracterizado pelo rodízio de generais no Poder a cada quatro anos, não foi apenas marcado pela proibição do debate democrático, polêmico e ideológico acerca das grandes questões econômicas e sociais. Isso a CSN sabia tirar de letra. O regime foi um exemplo do que a história da humanidade é repleta: excesso de autoconfiança, de tomada de decisões por impulso quase imperial do Estado, decisões na base do poder que sobe a cabeça.

A cronologia da crise, das pequenas superações da usina, e logo crises ampliadas, é contada com detalhes no livro da parceria entre a Fundação CSN e a FGV. Apenas seguem alguns exemplos esparsos, como um ocorrido no primeiro governo militar, sob o general Castelo Branco: este presidente aumentou salários e congelou o preço do aço.

Situações de perda de autonomia já haviam sido experimentadas pela CSN nos governos de Juscelino Kubitschek e João Goulart.

Durante os governos Castelo Branco, Costa e Silva e Garrastazu Médici, de 1964 a 1974, foram tentados planos siderúrgicos nacionais ambiciosos, projetos quase sempre grandiloquentes, mas sem os meios para que os objetivos fossem de fato alcançados.

Castelo Branco contratou uma empresa de consultoria americana, a Bahint, para estudar a situação siderúrgica, e os analistas recomendaram contenção nos gastos e na produção, considerando a situação do mercado mundial, mas a receita foi rechaçada pelo governo orgulhoso e impaciente. Em vez disso, foram ampliados programas para ampliar a produção, já aquecida com a entrada em funcionamento de duas novas siderúrgicas estatais: a Usiminas e a Cosipa. Nos anos seguintes, houve tentativas de redução da concorrência entre as unidades estatais. A Usiminas fora inaugurada em Minas Gerais, em 1962, e a Cosipa, em 1964, em São Paulo.

Sobre esse período, disse Macedo Soares que, “com o controle oficial de preços, iniciado em 1965, a situação das empresas se deteriorou. A indústria privada recebeu autorização para ajustar os respectivos preços. Isso a recompensou do aumento de custo dos fatores de produção. Mas a indústria siderúrgica foi proibida de fazê-lo. E subiam os preços de frete, derivados de petróleo, energia elétrica e salários”.

Para agravar esse período, a CSN, nos anos 70 e principalmente anos 80, passou a ter entre seus diretores amigos e parentes de amigos dos poderosos, entre políticos e outros nomes que quase nada sabiam de siderurgia. Enquanto isso, bons nomes, entre pessoal mais capacitado, incluindo aqueles engenheiros qualificados graças à dinâmica interna da própria CSN, deixavam a empresa para trabalhar ganhando mais noutras frentes da economia brasileira.

No ocaso do regime militar, crescia o movimento sindical, mal racionalizando que a CSN registrava enormes prejuízos bancados pelo Tesouro. E com isso surgiu a época das greves, quase sempre vitoriosas para os sindicatos. A mais grave delas terminou tragicamente, em 1988, quando o presidente José Sarney deu o sinal verde para o pedido que os comandantes das Forças Armadas lhe fizeram de intervenção do soldados do Exército contra os trabalhadores que ocupavam a usina. A greve de15 dias deixou um saldo de três operários mortos a tiros, vários feridos e uma mancha na história, um exemplo de como não agir diante de uma simples radicalização sindical, que poderia ser contornada politicamente.

O governo Collor, que enfrentou de modo meio imperial a tradição de descalabros e prejuízos bancados pelo Estado, e apesar do imbróglio pessoal que levou o presidente a ser destituído, foi marcante no sentido de privilegiar a ideia de gerenciamento moderno. Foi criado o Plano Nacional de Desestatização. Sindicatos reclamaram, mas o momento político e os números se impunham.

Em 1990, Collor nomeou para sanear a CSN o engenheiro Procópio Roberto de Lima Netto, o qual, como um furacão, avisou no primeiro dia que, diante de 24 mil empregados, poderia salvar 17 mil cargos, mas que cerca de 7 mil postos seriam sacrificados. Lima Netto enfrentou com números e racionalidade uma situação de desordem administrativa acumulada. Conseguiu até dobrar os sindicalistas que tentariam uma greve quase suicida, de 30 dias, em 1990, por falta de base para uma vitória. Nesse período de ascensão de Collor e logo, do presidente Itamar Franco, o sindicalismo em Volta Redonda se dividia em duas correntes básicas. Uma era ligada à CUT e ao PT, então contrário às privatizações, e uma, à chamada Força Sindical, que se fortaleceu ao defender negociações e uma participação no processo de recomposição acionária da estatal, ou privatização.

Ao relembrar aquele período já sob o governo de Itamar Franco, quando havia até dúvidas se o mercado iria se interessar em investir num setor tão complicado, Benjamin Steinbruch observou: “A imagem que se tinha da CSN era de que ela era o patinho feio da siderurgia. E todo mundo queria alguma distância dela, pelo problema social, pelo problema político, pelo peso que tinha de ser o marco da industrialização, de ter uma cidade inteira que vivia dela.”

Itamar demitiu Lima Netto, o que pôs em dúvida a possibilidade de privatização. E com a privatização recém-concluída da Usiminas, o mercado fez a seguinte indagação: se do jeito que estava, a CSN mal podia competir com a produção da Usiminas estatal, como iria se aguentar com uma Usiminas se modernizando, privatizada, com liberdade de compra e venda, sem as amarras burocráticas e toda aquela nomeação de amigos e apaniguados do poder?

Empregados da CSN foram ver in loco como a Usiminas estava promovendo mudanças de gerenciamento. Viram que a privatização não era um bicho de sete cabeças. A CSN começava a ser salva pela compreensão de seus próprios funcionários de que uma empresa não pode ignorar novas tecnologias e novas formas de administração eficiente e muito menos ignorar as empresas concorrentes. Houve sacrifícios, a CSN empobrecera, não havia mais possibilidade de tapar rombos, as indenizações eram vultosas etc.

Lima Netto, mesmo fora da CSN, atuou às vésperas da privatização, procurando convencer o mercado sobre a viabilidade da siderúrgica, que voltara a registrar lucro, ainda que pequeno, e merecia investimentos para se modernizar definitivamente.

Lima Netto lembra no livro do CPDOC da FGV que o leilão quase fracassou, que saiu pelo valor mínimo, que não pôde ser concluído numa sexta-feira, mas só na segunda, por falta de quem comprasse o mínimo de 55% das ações conforme edital do governo.

Benjamin Steinbruch lembra a mesma ocasião do leilão e o que encontrou ao entrar na empresa: “Para quem olhasse de fora, realmente era um desafio muito grande. Imaginava-se que a usina era mal mantida em função da falta de investimento, que os profissionais não eram competentes. Que havia desmandos de toda espécie, e na verdade não era isso. A CSN era uma joinha que conseguiu sobreviver a todos os problemas, estava perfeita, tinha gente boa. O que estava faltando era uma chance de ela se mostrar porque ela já era boa, mas a imagem que se passava era a de um complexo de problemas e dificuldades. Tivemos problemas sim, mas a coisa em si era muito boa. O que foi feito lá foi feito para ficar. Foi feito com muita qualidade. A CSN é a usina mais diversificada em termos de produto, tem uma localização bastante boa e uma qualificação técnica de muito bom nível. O pessoal sempre se preocupou com a formação de bons profissionais. Faltava apenas um pouquinho de direcionamento. Na verdade, o problema era mesmo a parte de administração, comercial e financeira, porque do ponto de visa industrial, técnico e profissional, as pessoas eram muito boas. Havia e há excesso de bons profissionais, boa metodologia de trabalho, bons equipamentos. A parte de produção é excelente”.

Prossegue Benjamin Steinbruch: “O que faltava era justamente agressividade comercial, modernidade financeira. Do ponto de vista comercial, o que havia era a Siderbrás. Não havia nenhum esforço ou criatividade do ponto de vista comercial. Do ponto de vista financeiro, talvez as pessoas fossem boas, mas não tiveram a chance de mostrar isso pelo fato de o sistema ser estatizado. Como era companhia estatal, a CSN tinha um cordão umbilical com o Tesouro, precisava de dinheiro: pedia ao Tesouro, e normalmente o dinheiro vinha”.

E conclui o novo dono da CSN: “A imagem da CSN era muito distorcida, em função das dificuldades dos anos 80. O pessoal achava que aquilo era ferro velho, que havia uma concentração muito grande de mão de obra, que não havia investimento em termos de modernização, que o sindicato era muito forte – houve aquela greve famosa em que ocorreu o problema sério. A CSN tinha realmente problemas grandes do ponto de vista de imagem, e só quem fosse muito a fundo perceberia que, do ponto de vista industrial, a situação não era tão ruim assim. Mas do ponto de vista político e sindical, sempre era uma interrogação. Esse era um peso muito grande. Um fato limitador”.

Cerca de dois anos depois da privatização, com aquisições principais feitas pelo Grupo Vicunha, de Benjamin Steinbruch, Docenave, uma subsidiária da Vale, Bamerindus e Clube de Investimentos de funcionários da CSN, houve novas recomposições acionárias. O Bamerindus já no início de sua própria crise saiu do grupo ali por volta de 1995. Numa primeira delas, o Vicunha ampliou suas posições em parceria com Bradesco e Previ, o fundo de pensão do Banco do Brasil.

Lima Netto voltaria à CSN ajudando a sanear um pouco mais a siderúrgica privatizada. A fábrica a seguir ficou sob o comando do engenheiro Sylvio Coutinho, que havia presidido o Clube de Investimentos de Funcionários e ajudou nesse período de transição.

Transformava-se a CSN num conjunto integrado de atividades, uma unidade de negócios competitivos no limiar do novo século. Neste novo século, Benjamin Steinbruch deixa claro que não haverá nunca mais presidente com caráter personalista na CSN, e sim sempre uma diretoria colegiada.

E a CSN, que começou fundindo 80 mil toneladas de ferro por ano, hoje produz, anualmente, mais de 6 milhões de aço bruto além de mais de 5 milhões de toneladas de laminados. Ainda é a maior usina do Brasil, mas existem hoje grupos siderúrgicos mundo afora produzindo até cinco vezes mais anualmente.

 A mudança radical na administração, na produção, comercialização, bem como os investimentos da CSN, nessa fase pós-privatização, é a história dos novos desafios do Século XXI, com os países emergentes como China e Índia apresentando altas taxas de crescimento econômico e pujança também no setor do minério do aço e siderúrgico. Estamos vivendo hoje uma época de fusões e concorrência entre grandes siderúrgicas multinacionais.

Neste aniversário de 70 anos da CSN, os pouco mais de 10 mil empregados da CSN e os 28 mil sócios da CBS, seu fundo de pensão (entre ativos e inativos), podem continuar tranquilos porque o futuro lhes é alvissareiro. A Família CSN está preparada para enfrentar novos desafios, honrando a sua história de sacrifícios e superação de obstáculos.

 Parabéns CSN pelo dia de hoje! Parabéns Volta Redonda! Parabéns Rio de Janeiro! Parabéns metalúrgicos de todo o Brasil!

 (Por Alfredo Herkenhoff – Correio da Lapa, Rio de Janeiro, 9 de abril de 2011)