domingo, 16 de agosto de 2009

Time Magazine e as Artes Plásticas do Brasil e da América Latina

Pintura de Hélio Oiticica



Torres-García, o mestre da “Escola do Sul”


FUGINDO DA ARMADILHA


DO PROVINCIANISMO


Obra de Gego

Bólide, de Hélio Oiticica








Bicho de L. Clark



Abstratos do Século 20 da América do Sul

acham um modo de ser locais – e universais


Por Robert Hughes (*)

Tradução de Alfredo Herkenhoff



Quando os americanos interessados em arte ouvem a pergunta sobre o que ouviram dizer sobre a América do Sul, a resposta tende a ser praticamente a mesma: dois mexicanos mortos e um colombiano vivo. Os mexicanos são, é claro, Diego Rivera, um grande artista sob qualquer critério, e sua mulher Frida Kahlo, não uma grande pintora sob quaisquer julgamentos razoáveis, mas uma mulher forte e talentosa que, devido a seu sofrimento hagiográfico, sem mencionar que é ardorosamente colecionada por pessoas como a cantora Madonna, tornou-se nota 10, estando agora um pouco acima de Artemisia Gentileschi no panteão das pintoras consagradas.

Diego Rivera


Pintura de Artemísia, século 16



O colombiano vivo é provavelmente o mais rico dos artistas vivos, o insuportável, repetitivo e banal Fernando Botero, 69 anos, que ganhou milhões, milhões e milhões de dólares pintando e esculpindo pessoas gordas como montanhas, numa repetição sem fim. Esses pastelões inchados e gordurosos de celulite causam o mesmo impacto no nouveau riche internacional que causava a pobre e semiesquelética fase azul de Picasso.



Mas essa não pode ser, de jeito nenhum, a verdadeira história do vasto continente. E o Museu Fogg, de Harvard, está preenchendo pelo menos parte das lacunas com uma mostra diametralmente oposta: abstração geométrica, extraída de uma importante e sistemática coleção formada por Patricia Phelps Cisneros, que vive em Caracas, Venezuela, e é uma missionária ardorosa dos pintores e escultores abstratos da América do Sul. Cisneros tem um olhar fino e preciso, e sua coleção é impressionantemente livre de qualquer preconceito nacionalista. Esta é uma coleção muito católica. É claro que alguns artistas, como o venezuelano Jesus Rafael Soto, 78 anos, têm sido exibidos com frequência nos Estados Unidos, mas a maioria não nos é tão familiar, e a mostra sustenta que sem dúvida alguns deles – como os brasileiros Hélio Oiticica (1937-1980) e Lygia Clark (1920-1988), os venezuelanos Gertrude Goldschmidt (1912-1994), uma escultora conhecida como Gego, e Carlos Cruz-Diez, 78, (CdL: Obras de Cruz-Diez nas imagens acima abaixo deste parágrafo) e obviamente o grande Joaquin Torres-Garcia (1874-1949), o patriarca uruguaio do abstracionismo sul-americano - devem ser exibidos.



Praticamente não é possível generalizar sobre a verdade totalizadora de todo o espectro da atividade artística na América do Sul. Por que isso ocorre? As histórias de cada país que a constituem são muito distintas, em especial no século 20.


Como poderia uma nação como a Argentina, durante muito tempo dirigida por um ditador semifascista como Perón, tão conservadora em sua orientação cultural, ter algo em comum com uma Venezuela com a sua contínua democracia mais ou menos liberal? No mundo real não existe a entidade unificada chamada América do Sul. O que a exposição Cisneros apresenta não é nenhum tipo de ficção de um ethos cultural genérico, mas sim o trabalho de um conjunto de talentos pouco conhecidos pelos norte-americanos, alguns deles com algo em comum.


Stuart Davis, o grande pintor da cidade de Nova York


Décadas atrás, Stuart Davis, o grande pintor da cidade de Nova York, batizou de Cubismo Colonial uma de suas pinturas – uma referência esplendidamente sábia para o dilema em que os artistas norte-americanos se encontravam quando olhavam Paris do outro lado do Atlântico. Como livrar-se do compromisso colonial – o sentido de estar condenado, em nome de aspirações de vanguarda, a imitar formas de vanguardismo, para continuar a fazer o novo em segunda mão? Esse também foi o problema para os modernistas sul-americanos. Toda relação da arte sul-americana com a Europa, a partir de 1950, ou um pouco depois com os Estados Unidos, era dolorosa e inclemente com os provincianos.


Mas isso podia ser enfrentado e desafiado. E foi o que os artistas fizeram, começando com Torres-García. Sua educação artística ocorreu em Barcelona para onde se mudara a sua família em 1891. Na época, Barcelona era vista pela maioria das pessoas (exceto para os catalães, é claro) como uma província. Não era; a cidade lhe deu a oportunidade de conhecer alguns dos primeiros grandes escultores modernistas como Julio Gonzalez, e o então muito jovem Picasso; ele chegou mesmo a trabalhar com o arquiteto Antoni Gaudí. Mais tarde, em Paris, ele chegaria a conhecer Mondrian. No entanto, ele nunca perdeu seu fascínio com o que era local e com aquilo que o sentido de um lugar poderia significar.


O que o artista da “Escola do Sul” deve fazer, segundo ele insistia, era “permanecer consciente do mundo sem esquecer o que está perto, à mão”, e trabalhar na direção de transformar o local em universal. Pinturas como a sua Locomotiva com Casa Construtiva, 1934, significam que, dizia ele, “a idade romântica do pitoresco acabou e estamos frente à idade dórica da forma” e que aceitar a modernidade é “ser mais uruguaio do que nunca”, descolonizar-se como artista.


Locomotiva de Torres-García

Não existe nada de pitoresco ou “tropical” no trabalho de Torres-García. E nos artistas ele estimulava um desenvolvido sentido de independência cultural. É justo que a produção aqui exibida lembre muito pouco os estilos norte-americanos. Ela é independente, já que de fato aspirava e necessitava ser. Essa arte afirma que nos anos 60, e depois, existiu de fato uma saída para a armadilha do provincianismo; que era possível ser moderno sem se tornar um clone colonizado ou sucumbir a esta ou àquela receita internacional.


Muitos dos artistas nesta exposição passaram um tempo fazendo sua obra fora da América do Sul. Significativamente, no entanto, eles não foram muito atraídos a Nova York. A América do Norte era um imperium com o qual eles nada sentiam em comum e sob cujo peso não queriam sucumbir. Nos anos 60, o mundo americano da arte pode ter sentido que Paris estava em declínio, mas isso não preocupou os sul-americanos; talvez de fato a cidade os tenha atraído porque estar em Paris lhes permitia se sentirem mais livres.


Bólide e abaixo Relevo Especial



Assim, várias obras nessa exposição são firmemente despojadas, sem nada dever ao minimalismo dos EUA, como o Relevo Espacial, 1959-91, de Hélio Oiticica, que evoca um origami. Uma artista como Lygia Clark poderia fazer esculturas de planos sofisticados de metal, imaculadamente executadas. Tais esculturas (n.d.t: Bichos), com suas chapas articuladas, não tinham forma final ou definitiva, e no entanto impunham a impressão de intenso rigor. Mas não existe nada de esnobe ou intimidante na obra de Clark, nada da grande escala de pretensão envolvida na retórica do fim-da-história do minimalismo americano.


Obra de Jesus-Rafael Soto


Jesus-Rafael Soto é provavelmente o mais direto desses artistas, não porque seja menos abstrato do que os outros; de fato, não existem chaves figurativas na sua obra, nada que pudesse, mesmo remotamente, ser interpretado como um rosto, um corpo ou uma paisagem, embora a desordem embaralhada de algumas de suas primeiras peças possa nos levar ao limite da percepção. Mas ele é mais fácil de ser apreendido parcialmente porque a sua obra tem um forte elemento de jogo em sua construção. A intensidade dos efeitos surge do tremelicar puramente ótico, que por sua vez depende do olho do espectador.

A maior parte da Op art, como foi batizada nos anos 60, afundou no kitsch – pense em Victor Vasarely! – mas existem poucos artistas cujo trabalho não tenha entrado nesse colapso, principalmente Bridget Riley e Soto. Com Soto, os efeitos são muito diretos, mas usados da melhor forma com extrema sutileza. Um arame branco traça uma linha contra outras linhas atrás dele e em um dos seus ângulos, e as interseções se movem opticamente, tremem de um modo fascinante, através de pequenas e lentas mudanças e inflexões mínimas. É uma espécie de arte cinética, embora do tipo em que o espectador se move e não o objeto (diferentemente dos planos e arames de um Calder).

Assim os Sotos não reproduzem bem; na página, eles parecem (e estão) inertes. Uma obra como Escritura Verde, Vermelho, Azul, 1978, se torna chapada na reprodução. Na parede, é uma outra questão: a superfície pintada e os arames em frente dela vibram do modo mais delicado e imprevisível; seu movimento está em uníssono com a sua cor; e o resultado é uma riqueza pictórica real para além de qualquer brinquedinho de que foram acusados a Op Art, a Kinetic Art e os seus híbridos nos anos 70.




Obra de Bridget Riley
fim

Correio da Lapa informa: A mostra da Coleção Cisneros na Universidade de Harvard deu ensejo a uma série de críticas nos principais meios de comunicação dos Estados Unidos. O artigo acima é um exemplo desse entusiasmo pelos principais artistas hispânicos e brasileiros e foi publicado pela revista Time em setembro de 2001 - Por Alfredo Herkenhoff