Por ser careca, José Serra
tem poucas chances ou nenhuma
Texto produzido antes de Lula se eleger pela primeira vez presidente (em 2002), mas nunca publicado*
Entro no terceiro milênio com a mente confusa, inventando palavrório inusitado e formulando jocosidade meio absurda na história dos mais ambiciosos seres humanos do Brasil. Começo confirmando o óbvio: eleição presidencial é marketing, charme, simpatia, espaço global, dinheiro, articulações nacionais, alianças estaduais e, por último, uma questão de cabelo, muito cabelo. Nesse sentido, o candidato tucano José Serra tem poucas chances de vestir a faixa como o próximo presidente do Brasil a suceder o carioca paulistano Fernando Henrique Cardoso. Isso, claro, se valer a escrita de que os carecas não são tão bons de voto direto para o principal cargo do país.
Careca do tipo reluzente, de molhar a palma da mão na língua antes da tapa, tivemos alguns tentando o Palácio do Planalto. Um deles é o catarinense Esperidião Amim, hoje conformado que é “do careca” que a sua mulher, Ângela, gosta mais...
Careca do Ipiranga Ulisses Guimarães
Os carecas, de que elas tanto gostam, já chegaram ao topo do poder por caminhos diversos. Dom João VI, por exemplo, veio do útero e de navio. Se hoje aparece como um corno panaca na TV, comendo franguinho com a mão e gritando “Ai Jesus!”, é problema de script, porque o verdadeiro rei de Portugal nos trouxe a Biblioteca Nacional, criou o Banco do Brasil e dizia que cidade com saúde é cidade com avenidas e praças. E o rei semidestelhado inventou copas densas sobre os espaços do Rio, fundou o Jardim Botânico, abriu os portos às nações amigas.
Script à parte, o careca do Ipiranga Ulisses Guimarães foi outro fracasso eleitoral na história que levou o carioca alagoano Fernando Collor ao Planalto em 1990. Mas o herói careca da campanha das eleições diretas au poivre ocupou a primeira magistratura por mais de 10 vezes, interinas, como vice do maranhense José Sarney, de terno branco, muito cabelo e revólver na cintura udenista.
Careca Magalhães Pinto
Em 1976, o bancário banqueiro mineiro Magalhães Pinto, já careca total, acalentou abertamente o sonho de presidir a República. Ao longo de 1977, Magalhães fez campanha e defendeu eleições diretas e anistia, mas a oposição não o quis nem como anticandidato, preferindo oficializar o militar Euler Bentes como o adversário fictício da ditadura. Depois, Magalhães se associaria ao mineiro Tancredo Neves numa fracassada dupla de pretendentes carecas no natimorto Partido Popular. Tancredo, que pautou sua vida num eterno equilíbrio em cima do Muro de Todas as Coisas Inconclusas, ainda derrotaria o calvo cristão árabe Paulo Maluf por 300 votos de diferença no Congresso, em 1985, na esteira do fracasso da campanha das Diretas Já. Mas Tancredo, coitado, subiu a rampa do Planalto em forma de cadáver careca.
O general carioca João Baptista Figueiredo foi eleito por seus pares em 1979. Era apenas levemente calvo, mas saiu em adiantado estado de calvície, pedindo ao povo que o esquecesse. Dizia, aliás, que preferia o cheiro de cavalo ao de povo.
De trem, o gaúcho Getúlio Vargas viajou para o então Distrito Federal e amarrou o cavalo no obelisco, no fim da Avenida Rio Branco, revolucionando a história com um misto de topete e entradas avantajadas nos idos de 1930. Depois de um governo provisório de década e meia, saiu enxotado. Graças às garantias trabalhistas. Getúlio retornou pelo sufrágio universal, y compris o das mulheres, e foi o primeiro bombachudo supercalvo, mas não careca, a ganhar uma eleição popular para presidente.
Meio careca Hermes da Fonseca
Em 1910, Marechal Hermes da Fonseca, dono de uma careca, e escondia a reluzente sob um chapéu militar constante, derrotou Rui Barbosa, então já alcunhado a Águia de Haia. Conta a história que o Marechal Fonsequinha ganhou o Palácio do Catete em eleições fraudadas. E os votos roubados só não teriam sido muitos porque pouquíssimos homens votavam, e mulheres, nenhuma. Na ocasião, boa parte da população brasileira, umas 15 milhões de almas sem rádio nem TV, sequer ficou sabendo de uma eleição de gabinete (total de 400 mil votos roubáveis) derrotando o sábio baiano, o mesmo jurista que mandou queimar a história forense da escravidão brasileira.
Contra os carecas nesse início de terceiro milênio pelo menos poderá estar uma única mulher que, sendo filha de um ex-presidente, trabalha com duas novidades: botar o sexo frágil à frente dos canhões de Navarone das Forças Armadas, como Sua Excelência Roseana Suprema, e permitir que mais uma vez imitemos os EUA, que recentemente elegeram um George Bush cujo pai já fora George Bush na Casa Branca.
O fato de a tradição política não favorecer os pretendentes totalmente carecas não significa que muitas melenas sejam garantia de vitória. Roseana que não se assanhe em demasia. Muito menos o sapo barbudo Antônio Conselheiro de Canudos se revire no túmulo com seus sonhos de uma monarquia de sertanejos fortemente sebastianistas numa ditadura mística do Além.
Que carnaval! Na hora do aperto é dos carecas que elas gostam mais, cantavam os Anjos do Inferno nos idos de 1941. Ou seja, Serra ainda tem chance remota de sair do inferno datafolhal e entrar para a história, como bem o fizeram fora da Presidência o careca Barão do Rio Branco, no início do século 20, e no fim do mesmo período o careca Ronaldinho Fenômeno, ícone de nossas frustrações de 1998, tão terríveis que sequer somanos os poucos gols que ele fez entre a fatídica derrota por 3 a 0 na final com a França e a próxima convocação para a Mundial no Oriente. Joelho careca e roto. Vai tirar água, ou tirar onda, Ronaldo! Mas chegar campeão às margens plácidas do Paranoá é mesmo quase tão difícil quanto erguer a Taça do Mundo é Nossa. Zé Serra ainda tem esperança pela singular razão de que não é um careca absoluto.
Ciro, o quase carea de boas entradas
Correndo por fora, o candidato de boas entradas Ciro Gomes quer contar com o apoio de uma calvície e um topete, ou seja, do finalmente caudilho Leonel Brizola já quase sem-teto e do Itamar com-o-de sempre. O quase careca Ciro tem ainda uma quase primeira-pop-dama global Patrícia Pillar. O destino do casal de estrelas depende de cabelos falhos, não importando se falhos pela força do tempo genético ou estético ou de terapias agressivas contra neoplasias. Nunca esquecer que a beleza é passageira, que o tempo e a Bíblia estão aí para nos lembrar que as estampas vêm do pó e ao pó estamparão.
Careca barbudo Meu Nome é Enéas
Luiz Inácio Lula da Silva, o sapo barbudo original e religiosamente vivo na festa no Céu é Aleluia Liberal! É barba bem aparadinha! Mais verde-e-amarelo ao fundo do que o vermelho PT-come-criancinha na telinha! Lula é desafiado pelo janota já careca Eduardo Suplicy, agora simples pai solitário querendo lavar o pé solitário na Lagoa das Esquerdas.
Se a eleição depender de vasto cabelo, ou da consciência que se supõe lhe fique abaixo, o careca barbudo Meu Nome é Enéas não terá chance, nem se uma peruca garantisse engodo ao médico boquirroto.
A vitória pertence ao futuro e ainda se nos aparece hoje mais como uma surpresa do Deus Operário Barbudo do que uma conquista da democracia liberal!
* Texto de Alfredo Herkenhoff