By João Rita; Jornal a Página da Educação , ano 16, nº 165, Março 2007, p. 31.
O gosto do colecionador
Tivesse o senhor 5% vivido meio século mais tarde, de 1919 a 2005 e não de 1869 a 1955 como viveu, e a história da ARCO talvez tivesse sido outra, pois Calouste Gulbenkian seria, seguramente, um dos convidados especiais da feira, na sua qualidade de coleccionador, apesar das suas conhecidas exigências.
É publico, pelo menos desde o ano passado, aquando da exposição "O Gosto do Coleccionador", que Calouste Gulbenkian (o senhor 5%, por deter 5% do petróleo da Pérsia) dizia não ter "qualquer intenção de continuar a acumular obras que não possuíssem o mais elevado interesse do ponto de vista artístico". Escreveu-o em 1937, numa carta dirigida ao egiptólogo Howard Carter.
Sabe-se também que Calouste Gulbenkian (com excepção das jóias que encomendava e comprava a René Lalique) coleccionava essencialmente obras antigas, criadas em épocas muito anteriores à época em que viveu. A ARCO seria um pretexto para uma deslocação a Madrid, que não se esgotaria na visita aos pavilhões da Feira, no Campo das Nações, nem à "Guernica" de Picasso, no Museu Rainha Sofia. No mínimo voltaria ao Prado, mesmo sem Tintoretto, temporariamente em exposição (até 13 de Maio de 2007) paredes meias com as "Meninas" de Velasquez.
Volto à leitura do el Pais, na edição do dia em que a ARCO 07 abriu ao público, e cito Luís Fernandez-Galiano, arquitecto e articulista. "En un mundo agnóstico, el arte es la última religión. Más allá de las fracturas entre las confesiones, el arte se propone como un credo universal. Sus sacerdotes se escuchan con reverencia, sus liturgias se siguen con devoción y sus templos colonizan el planeta con fervor unánime. Los escépticos argumentarán que esos templos están gobernados por mercaderes, que el comercio de reliquias artísticas es una rama de la industria turística, y que sus ceremonias forman parte de las pompas propagandísticas del poder".
No ano dos 30 anos do Centro Pompidou (Paris) e dos 10 anos do Guggenheim-Bilbao, duas "igrejas" em franco progresso e com ramificações em Shanghai, Singapura e Hong Kong (o Pompidou) e em Guadalajara e Abu Dhabi (o Guggenheim), até o Museo del Prado, como refere Luis Fernández-Galiano cede às "incertidumbres litúrgicas del nuevo culto" aceitando a insuspeita exposição de Tintoretto já não apenas paredes meias com a mulher nua e a mulher despida de Goya, mas também com uma mostra de fotografias de Thomas Struth.
As dez fotografias deste artista contemporâneo alemão, temporariamente instaladas entre as obras da exposição permanente do Museu do Prado, como testemunhos da interacção de pessoas em espaços públicos (na sala 14 do próprio Museu do Prado, onde se expõe um retrato de Filipe IV, caçador, num óleo de Velasquez, está agora também uma fotografia de Struth, tirada naquela mesma sala, sob o título "raparigas asiáticas com Filipe IV, o caçador"), são a prova de que a contemporaníssima arte fotográfica já não é exclusiva dos Centros de Arte Contemporânea.
Em Madrid, nestes dias de ARCO 07, não faltaram raparigas asiáticas. O país convidado desta 26 ª edição da Feira de Arte Contemporânea foi a Coreia do Sul, que desde os Jogos Olímpicos de 1988 e o Campeonato Mundial de Futebol de 2002, sonha ser a locomotiva (ou pelo menos uma das locomotivas) da Ásia. Estes caminhos em busca da hegemonia económica também passam pelos caminhos da Arte. Na Arco 2008 será a vez do Brasil.
E que estará, dentro de um ano, no Museu Nacional Rainha Sofia? Este ano, a par da ARCO, o norte-americano Chuck Close expôe uma série de grandes retratos, numa síntese entre a pintura e a fotografia utilizando as mais variadas técnicas num registo que alguns consideram ter desaguado num puro pós-modernismo. Também esteve na ARCO, com um auto-retrato, na Galeria Pace Wildenstein.
(continua pelos postes abaixo deste Correio da Lapa)