O samba-enredo é fraco!
Nelson do Cavaquinho, o Nelson Cavaquinho, neste 2011 que se avizinha, faria 100 anos se vivo estivesse. O grande compositor é o homenageado como tema do enredo da Estação Primeira no carnaval que vai rolar em março. Estive na quadra no dia da escolha do samba - o vencedor É de uma dupla: um mangueirense e um paulista. Claro que o samba dá pro gasto, não escutei os derrotados direito. Mas, francamente, é um samba fraco. Todos os concorrentes , seguindo orientações da sinopse para a confecção do desfile, usaram e abusaram de citar e embolar versos dos clássicos de Nelson Cavaquinho. Destaco a seguir alguns versos do samba vencedor, que é todo na primeira pessoa, como se Nelson estivesse vivo cantando a própria biografia, ou como se cada folião, cada simpatizante da escola ou cada mangueirense fosse o próprio homenageado. Destaco para explicar por que considero o samba fraco - para além do fato de ter uma melodia igualmente fraca: a letra trai uma marca de compositor: a simplicidade. A letra tem laivos de auto-elogio que não constam na obra do mestre amigo da maravilhosa Beth Carvalho.
Nelson Cavaquinho jamais cantaria um verso assim:
“Tatuei em meu caminho
Seletas obras musicais”
Nelson Cavaquinho jamais cantaria um verso assim:
“Sonhei que folhas secas cobriam meu chão
Pra delírio dessa multidão
impossível não emocionar”.
Nelson nunca teve essa arrogância. Nelson Cavaquinho jamais cantaria um verso assim:
“Se te encantei com o meu talento
Acabo te vendendo uma canção”.
Nelson Cavaquinho jamais cantaria um verso assim:
(...) teu samba
Ninguém vai calar...”
Vou torcer de novo pra Verde e Rosa, mas o samba é fraco mesmo. Que história é esse de ninguém vai calar? Quem já pensou em calar o samba da querida Mangueira?
E no fim do samba-enredo, o verso na primeira pessoa ainda nos obriga a imaginar Nelson cantando assim:
“chorei ao voltar para minha raiz”.
Voltar? Nelson depois que conheceu a Mangueira se enraizou de forma única, é do mesmo nível do fundador Cartola. Sim, o samba-enredo de 2011 é fraco, mas vamos torcer, que vai que dá pro gasto....
Nelson Cavaquinho cantava se acabando na melhor poesia, cantava a mais simples, cantava belamente com sua voz chorosa, assim:
“Quando piso em folhas secas
Caídas de uma mangueira
Penso na minha escola
E nos poetas de minha
Estação Primeira, não sei
Quantas vezes
Subi o morro cantando
Sempre o sol me queimando
E assim vou me acabando”...
(Por Alfredo Herkenhoff – Correio da Lapa)