Immanuel Kant no Arco: gosto não apenas se discute como é tudo o que se discute
Em Immnauel Kant e a universalidade do belo, Pedro Costa Rego, professor da Universidade do Paraná, diz: (...) a interrogação que move o projeto kantiano de uma crítica do gosto assim se formula: nossa apreciação de uma forma bela da natureza ou da arte possui ou não algum valor universal? Podemos reivindicar para um juízo do tipo “isso é belo” o assentimento de outras pessoas, eventualmente de outras épocas, com base em algum princípio de necessidade? Ou temos de admitir que nosso gosto sobre o belo permanece, malgrado impressões contrárias, confinado na categoria de nossas valorações privadas e idiossincráticas?
(...) a esperada resposta, a aposta, de Kant, que à primeira vista soa um tanto paradoxal, contra-intuitiva e quase dogmática, é essa: sim, gosto possui universalidade e, mais que isso, através dela somos conduzidos na direção de nosso puro poder de julgar. Não só de nosso poder de julgar esteticamente, mas também especulativamente e praticamente.
A aposta de Kant é, num certo sentido, contra-intuitiva porque a idéia de uma beleza universal está conectada a lúgubres empreendimentos da história da humanidade. Uma estética universalista apresentada assim, sem mais, assusta com a promessa dos seus anexos: universalismo político, planetarização ideológica, unidimensionalização vital. Como pretender, sem desmedida violência, demonstrar a validade objetiva de uma avaliação estética, sempre tão datada historicamente, situada geograficamente, condicionada empiricamente, refém das vicissitudes de uma trajetória singular, única, solitária? (...)
Ao cabo de uma controvertida e indecidida disputa acerca da beleza de uma obra de arte, por exemplo, freqüentemente tem alguém a idéia de encerrar o assunto consultando o arsenal universal e coletivo de enunciados disponíveis e sentenciados: “Gosto não se discute”.
(...) Kant se ocupou do popular “gosto não se discute” e pretendeu mostrar que a tese da privacidade estética é tão estranha, ou familiar, quanto o é a da universalidade. Afinal, o que é a fórmula do “gosto não se discute” senão uma espécie de teoria emergencial desesperada para pôr fim a uma discussão cuja simples insistência basta para desmentir a tese que a nega?
Bem depois de Kant, jocosamente, pronuncia-se Nietzsche sobre o mesmo assunto. Diz ele: não somente gosto se discute como é tudo sobre o que se discute. Nada mais sobra acerca do que discutir se decidirmos deixar de lado o gosto. (...)
A tese de Kant é sobre conhecimento especulativo, sobre ciência, sobre teoria moral e sobre metafísica não se discute, mas se disputa; apenas sobre gosto se discute. Kant entende que, para sustentar isso, precisa começar dando razões da sua distinção entre disputar e discutir. Sobre isso ele assim se pronuncia na Dialética da Faculdade do Juízo Estética: Disputar tem aqui a acepção de pretender decidir mediante demonstrações, vale dizer, com base em princípios objetivos, que necessariamente regulam a atividade das faculdades subjetivas. Discutir, por sua vez, designa aqui um exercício de persuasão fundado na simples reivindicação de assentimento universal para um juízo subjetivo indemonstrável. (...)