segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Petróleo e pré-sal, Lula e mudanças (parte 1)


Marco regulatório, que será apresentado nesta segunda, aumenta a participação do Estado na indústria do petróleo.

Da BBC Brasil

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva apresenta nesta segunda-feira, em Brasília, pelo menos três projetos de lei que preveem mudanças nas regras que regem a indústria do petróleo no país.

O pano de fundo do novo marco regulatório são as reservas de petróleo da camada pré-sal, que podem ser até quatro vezes maiores que as reservas até então conhecidas no país.

O principal argumento do governo é de que a descoberta abre caminho para poços de alto potencial e risco exploratório praticamente nulo - e que, por esse motivo, merecem ser explorados sob novas regras, com maior participação do Estado.

Já o setor privado diz que a lei atual é transparente e muito bem vista pelo mercado, e que mudá-la pode afastar futuros investidores.

A proposta, que será apresentada durante uma cerimônia para 3 mil convidados, ainda precisa ser aprovada pelo Congresso.

Entenda a discussão sobre o marco regulatório para o pré-sal.

O que motivou o governo a defender regras diferenciadas para o pré-sal?

São dois os principais motivos apresentados pelo governo Lula que justificariam a definição de um novo marco regulatório para a exploração do petróleo da camada pré-sal.

Um deles é que as empresas terão acesso a reservas de alto potencial e com risco exploratório praticamente nulo. A visão é de que, como os lucros serão maiores, é justo que uma fatia maior desses recursos fique com a sociedade - ou seja, com o governo.

Uma das propostas é depositar esses recursos em um fundo para uso específico, que permita maiores investimentos nas áreas social e de infraestrutura.

Além disso, o governo teme que o aumento das exportações de petróleo gere uma enxurrada de dólares no país.

A entrada da moeda estrangeira de forma excessiva tende a valorizar a moeda nacional, prejudicando as exportações em outros setores - fenômeno que os economistas chamam de "doença holandesa".

Uma saída, nesse caso, seria não gastar os recursos do petróleo, mas sim colocá-los em algum tipo de aplicação financeira. Dessa forma, o governo poderia usar apenas os rendimentos - poupando a maior parte do dinheiro para gerações futuras.


A descoberta do pré-sal também trouxe à tona a discussão, dentro do governo, sobre quem deve ter o controle de uma matéria-prima considerada estratégica: se a sociedade (Estado) ou as empresas.

Durante um discurso no ano passado, o presidente Lula disse que, com o pré-sal, "Deus está dando uma nova chance ao Brasil" e que o país precisa decidir se esse lucro vai ficar com as empresas ou se será usado para fazer "reparações históricas".

"Esse patrimônio é da União, de 190 milhões de brasileiros. Precisamos utilizá-lo para fazer reparação aos pobres deste país", disse o presidente.

As justificativas do governo têm sido criticadas? Por quê?

Sim. Representantes do setor privado, assim como partidos da oposição e grande parte dos especialistas questionam o conceito de "risco zero" que o governo aplica ao pré-sal.

O principal argumento do governo para aumentar sua participação nesse mercado é de que o pré-sal vai proporcionar uma espécie de resultado garantido às empresas.

Os críticos dizem, no entanto, que não é possível afirmar que o risco de exploração seja nulo.

"Pode ser que o governo tenha alguma informação privilegiada. Mas o fato é que risco zero na exploração petrolífera seria um caso único", diz o professor Edmilson Moutinho dos Santos, do Instituto de Engenharia da Universidade de São Paulo (USP).

Como é a lei do petróleo aplicada atualmente no país?

As regras de exploração e produção de petróleo no país foram definidas pela Lei 9.478, de 1997, que quebrou o monopólio da Petrobras, permitindo a entrada de competidores estrangeiros no mercado brasileiro.

Desde então, o regime adotado no país passou a ser o da "concessão": ou seja, o setor privado adquire o direito de explorar determinada área, mediante uma série de pagamentos ao poder público, como bônus, royalties e participações especiais.

No ano passado, esses recursos somaram cerca de R$ 22 bilhões. De acordo com a legislação, cerca de 60% desse dinheiro vai para a União e os 40% restantes para Estados e municípios onde o petróleo é explorado.

Os especialistas dizem que a lei brasileira é "bem respeitada" internacionalmente por sua transparência e que a competição ajudou o país a se modernizar. A participação da indústria do petróleo no PIB, que era de 3% na década de 90, hoje é de 12%.

O modelo de concessão é comum entre os países mais desenvolvidos, como Estados Unidos, Noruega, Canadá, Grã-Bretanha e Austrália.

Quais são as características do modelo de marco regulatório que será apresentado pelo governo?

Os detalhes serão conhecidos oficialmente nesta segunda-feira, mas representantes do governo vêm adiantando alguns pontos nos últimos meses.

Tudo indica que o Palácio do Planalto escolheu o modelo da partilha, no qual o Estado se torna sócio das empresas no empreendimento. Ou seja, parte ou até mesmo a totalidade do petróleo fica nas mãos do governo, enquanto as empresas são remuneradas pelo serviço de exploração, além de receberem parte do lucro.

Além de ampliar os ganhos do governo no processo, o regime da partilha traria ainda solução para um outro problema: existe a possibilidade de que os poços estejam de alguma forma interligados - e no regime de concessão, uma empresa poderia acabar "invadindo" o espaço da outra.

Para administrar suas reservas, o governo vai sugerir ao Congresso a criação de uma nova estatal do petróleo, que diferentemente da Petrobras, terá apenas o governo como sócio.

Nesse modelo, ganha a licitação a empresa que oferecer a maior parcela de petróleo ao Estado. A partilha é adotada principalmente na África (Líbia, Egito, Nigéria, por exemplo) e na Ásia (China e Índia).

Além disso, pela proposta brasileira, está previsto que a Petrobras tenha participação mínima garantida em cada consórcio vencedor.

O ministro das Minas e Energia, Edison Lobão, disse que essa participação deverá ser de 30% da composição acionária.

O diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), Adriano Pires, diz que o modelo de partilha proposto pelo governo brasileiro é "diferente" do modelo tradicionalmente conhecido - e que por isso é difícil prever como o mercado vai reagir às mudanças.

"No nosso caso, o governo terá a participação direta, por meio da partilha e também indireta, pois a Petrobras, uma empresa (estatal) estará operando todos os poços do pré-sal. É um modelo desconhecido", diz Pires.

Quais são as principais críticas ao modelo de partilha?

Um dos principais argumentos é de que a maior ingerência do governo na exploração e produção de petróleo tende a tornar o mercado menos eficiente.

Nesse contexto, é comum que as decisões sejam tomadas com objetivos políticos, em detrimento de aspectos técnicos e mercadológicos.

Além disso, os críticos à proposta do presidente Lula dizem que a legislação em vigor permite que o governo amplie seus ganhos com a exploração do petróleo, sem que para isso tenha de criar uma nova estatal.

"O governo poderia ampliar a participação a que tem direito sobre a receita das empresas, por decreto mesmo", diz Wagner Victer, ex-secretário de Energia do Estado do Rio de Janeiro.

Segundo ele, a ideia do governo de criar um fundo social é "legítima", mas que não é preciso mexer na lei do petróleo para isso.

"Bastaria o governo aumentar a alíquota cobrada das empresas e com esse 'plus', captar o fundo", diz.

Na avaliação de Victer, a crítica quanto à proposta do governo não é tanto quanto ao conteúdo, mas sim quanto ao fato de representar "uma ruptura com um modelo que está dando certo".

"Marcos regulatórios precisam de perenidade. Diante de mudanças e indefinições, o investidor pode optar por outro país. O pré-sal não existe apenas no Brasil", diz.