terça-feira, 10 de março de 2009

BIOGRAFIA DE RUBEM BRAGA (parte 3)

DESDE CEDO FIDEL FALAVA MUITO, NÃO OUVIA E DESCUMPRIA PROMESSAS

Apesar de seu socialismo e da pobreza em que viveu, esteve sempre entre poderosos, sem deixar, porém, de manter contato com o campo, com a gente simples de hábitos milenares.
Gostava de viajar, e a profissão lhe propiciou isso. Rodou o mundo inteiro. Meia centena de países. Um mês em Manhattan. Temporadas em Paris. Foi a Cuba na ascensão de Fidel. Esteve com Che Guevara quase no mesmo momento em que era fotografado por Alberto Korda no flagrante mais famoso, com o olhar do guerrilheiro perdido no horizonte, no instante mitológico, hoje multiplicado em milhões de bandeiras, pôsteres, capas e camisetas. Mas não deixou de espetar Fidel já naqueles dias de comemoração. No auge da Revolução, escreveu que o líder falava muito, não ouvia e não cumpria o que prometia.
Suas brigas eram sempre por palavras. Mas numa delas, com o velho amigo Di Cavalcanti, ficou tão irritado que cometeu um desatino ao voltar para casa. Marco Antonio dá detalhes da briga. Rubem teria chamado Di de filho de Olavo Bilac e se zangou porque o pintor levou a coisa a sério. Mas o autor da biografia não tinha a seguinte informação, que me foi passada pela nora Maria do Carmo, a solícita mulher de Roberto, filho único: por causa da briguinha, apelidada de briga das barrigas, Rubem se desfez, em uma semana, de cinco quadros do Di Cavalcanti. Deu algumas telas e vendeu outras de graça. Hoje cada quadro grande valeria mais do que um apartamento. Mas as brigas nunca eram sérias, apesar dos prejuízos.
Rubem foi solidário com os amigos e amigos dos amigos, especialmente com perseguidos políticos por duas ditaduras: a de Getúlio e a de 1964. Por sua ação como correspondente de guerra, era admirado tanto pelas esquerdas quanto pelos generais de direta e no poder. Mas os chefes do Partido Comunista não aceitavam a posição libertária e anárquica de Rubem.
Por seu affair com Tônia Carrero - freqüentava uma garçonière para namorar a atriz no Leblon, Rubem ganharia a fama de homem que mais entende de mulher bonita no Brasil. Marco Antonio mostra com clareza essa obsessão pela beleza feminina. Rubem e Tônia viveram momentos românticos também em Paris.
Em certa ocasião, com Caymmi e Vinícius, o Poetinha disse: “A melhor coisa do mundo é comer um papo-de-anjo ao lado da mulher amada”. Rubem corrigiu: “Muito melhor é comer a mulher amada tendo ao lado de um papo-de-anjo”. Sobre Caymmi, a propósito, então um símbolo da indolência, Rubem disse: “Há três tipos de velocidade na Natureza: “Rápida, lenta e Dorival Caymmi”.
Rubem quase não escreveu sobre música. Mas em 1936, fez uma resenha, reproduzida no livro, botando nas alturas dois nomes: Noel Rosa e Cartola. Noel seria redescoberto na década de 50. O poeta da Vila, sucesso na voz de Carmen Miranda nos anos 30, ficaria esquecido nos anos 40. Cartola só ganharia o reconhecimento com os dois LPs produzidos por J. Pelão, na década de 70. Rubem não gostava de Bossa Nova. Letras infantis. Zangou-se com a quase perda do amigo Vinicius, que danara a fazer letra de música. Rubem tinha ciúme terrível de Tom Jobim. O cara mexe o topete e sai ganhando as mulheres mais bonitas.
Rubem não enchia o saco de ninguém. Doente, tabagismo, câncer na traquéia, negou-se a fazer proselitismo contra a fumaça, resumindo: “Quem quiser fumar que se fume”. Organizou seu fim. Morreu na hora certa e como queria. Evitou estender a vida com quimioterapia. Só se internou para morrer, no Hospital Samaritano, poucas horas de agonia, em dezembro de 1990, a TV Globo bancando tudo. Escrevia sobre artes visuais para a emissora.
Cumpriram-lhe os últimos desejos. Cinzas jogadas pelo filho Roberto e o sobrinho Edson Braga no leito do Itapemirim, de madrugada, em segredo, sem prefeito, sem alarde, talvez por um último sonho com o mar barrento de Marataízes.
Tantos detalhes aqui omitidos, mas é possível garantir que a biografia é jóia rara, obra-prima com centenas de casos, diálogos e situações hilárias, dramáticas, surpreendentes.