segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Revisão, ainda que tardia

A revisão é a questão mais polêmica de toda a produção do livro. Quanto mais apegado ao seu texto, menos é possível editá-lo. É preciso algum desprendimento para aceitar os erros que por ventura tenham ocorrido, mesmo que inadvertidamente, e corrigi-los.

Um texto não nasce pronto. Ele precisa de inúmeras revisões, seja pelo autor, pelo revisor, pelo editor, até chegar às mãos do diagramador, que dará forma ao que foi tão longamente escrutinado. O designer de um livro raramente o lê - por isso é preciso reler as provas. Ocorrem saltos, trocas, inversões de texto, que quem prepara a paginação não enxerga: para ele tudo é imagem; palavra, nenhuma. "Como é possível não ter visto isso?", perguntam os que veem o livro pronto com um erro crasso qualquer. É possível. Ninguém vê, porque lê o que está na sua cabeça, não o que está digitado.

Eu recomendo sempre aos meus autores: "Leiam com os olhos frescos da manhã". Nada de ler tarde da noite, ou cansado, estressado, fatigado, exausto. Leiam como se não tivessem outro compromisso no dia, sem pressa, sem pressão, sem ansiedade alguma, senão só lerão o que querem ler e não o que está escrito. Circula pela internet a brincadeira de que conseguimos ler as palavras com todas as letras fora do lugar, desde que mantenhamos a primeira e a última sílaba intactas. Pois bem, quem revisa não lê o meio da palavra, só as pontas. Se falta um R ou um S, vai continuar faltando.

No livro "Um lugar azul", de Sérgio Medeiros, o autor mesmo se espantou com um erro que passou debaixo de todos os narizes: no lugar de "Onde" estava escrito "Ontem", porque a palavra seguinte era "tem" e isso fez com que ele digitasse "Ontem tem" em vez de "Onde tem", que ele só viu na prova impressa.
A edição do texto inclui sugestões, alterações, cortes, substituições de palavras que o editor enxerga como solução para trechos confusos. Uma coisa é pensar o que se quer dizer, outra é escrever o que quer ser dito. Nem sempre esse exercício está completo para o autor. É preciso ser muito bom em português para não errar a pontuação, a conjugação verbal, o uso da crase, a ortografia, o verbo haver e as preposições. Esses são os erros mais comuns.

Fora quando não escrevem de ouvido, ou seja, usam palavras que se aproximam eufonicamente daquela que deveriam utilizar. O editor precisa afinar o texto, para que sejam usadas as palavras certas, e não algum falso substituto. Vocabulário é uma das falhas mais comuns para os jovens escritores: leem pouco, escrevem mal. Muitas vezes têm grandes ideias para seus livros, mas, na hora de escrever, falta tudo, até concatenação de frases. Acho que as aulas de redação caíram em desuso nos últimos tempos. Tudo que sei de texto aprendi na escola: como é que estes novatos não sabem escrever? Aliás, agradeço as aulas de português - continuo até hoje a praticar tudo que estudei em classe. Se não fosse por isso, e toda a leitura que fiz antes, durante e depois, eu não teria conhecimento para consertar o texto dos outros.

Uma revisão pode durar meses, ou mais de um ano. "Carta para Ana Camerinda" precisou de 22 leituras durante 5 meses, minhas e do autor até ficar pronto. Não passou erro algum. O livro acabou sendo adotado por um colégio para leitura em classe. Não só leram os alunos, mas como os pais dos alunos e o autor foi chamado para dar uma palestra no colégio. Sucesso total. Nosso trabalho foi recompensado.

Todo livro que não seja revisado à exaustão não passa na prova de fogo da prova impressa. "Ah, como que continua tendo erro?" Resposta: o olho não foi feito para ler na tela de um computador, foi feito para ler o papel deitado. Por isso, vemos "melhor" a prova em papel do que na tela. Lamentável descoberta, já que estamos partindo para a digitalização e quase aposentando os livros impressos.

"Os que estão aí", de Leonardo Vieira de Almeida, publicado em 2002, foi o primeiro livro de contos da editora e fizemos isso com louvor: chamei um revisor (Paulo Mauad, o melhor que conheço) e dividi o livro em duas partes, metade para ele, metade para mim, e depois trocamos: ele encontrou erros que eu não vi, e eu encontrei erros que ele deixou passar. Só assim arrematamos todos. Mas esta última revisão foi feita depois que o autor já havia aprovado a revisão anterior, mas eu, não conformada, resolvi olhar tudo de novo, e encontrei mais trocentos errinhos. Leonardo disse: "Você faz revisão com bisturi". Elogio aceito e guardado.

Quem pretende escrever deve conhecer profundamente o português, além do assunto que escreve, para não cometer deslizes; se o editor não conhecer o assunto tão bem ou melhor que o autor, vai errar junto. E isso, sim, é imperdoável.
Por Thereza Christina Rocque da Motta
Rio de Janeiro, 4 de outubro