terça-feira, 30 de março de 2010

Cuba: Tirem-me tudo, menos a liberdade


Correio da Lapa avistou no Estado de S.Paulo a seguinte matéria assinada por Ruth Costas:

A greve de fome do dissidente Guillermo Fariñas, para pedir a libertação de 26 presos políticos que estão doentes nas detenções de Cuba, é notícia em todo o mundo. Mas em Santa Clara, onde o psicólogo e jornalista independente completou na quarta-feira um mês de jejum, a maioria dos moradores desconhece o assunto que colocou a cidade, de 200 mil habitantes e a 280 quilômetros de Havana, nas manchetes de jornais estrangeiros.

"Greve de fome? Aqui? Nunca ouvi falar disso", diz o estudante de eletrônica Henzi, de 22 anos - como todo cubano em contato com estrangeiros, ele prefere não revelar o sobrenome.

A reação de espanto dos moradores não surpreende. Na verdade, expõe a rígida censura imposta pelas autoridades cubanas às notícias que prejudicam o regime comunista da ilha. Em Cuba, só há imprensa ligada ao governo. O jornal oficial Granma falou sobre Fariñas em uma ou duas matérias, sempre desqualificando-o. O único jornal de Santa Clara, o semanário Vanguardia, ignorou o assunto.

Tanto as TVs quanto os jornais cubanos falam em "campanha midiática contra Cuba", mas evitam até mencionar nomes de quem é considerado dissidente para evitar que eles sejam conhecidos nacionalmente. "Somos os inomináveis", definiu ao Estado, com ironia, um dissidente político.

No interior do país, há outro agravante: a internet é muito mais facilmente controlada sem as dezenas de hotéis e embaixadas que há em Havana. Em Santa Clara, por exemplo, há só duas opções de acesso à internet - e isso numa cidade que abriga a segunda maior universidade do país, com cerca de 30 mil estudantes. Uma delas, no câmpus, tem o acesso à web controlado. A outra, em centros públicos, todos os computadores ligados à rede são do governo.

Para usar os centros é preciso mostrar identidade ou passaporte, cujos números são devidamente cadastrados. O valor é de US$ 6 por hora, sendo que um médico ou um economista cubano pode ganhar US$ 20 ou US$ 25 ao mês. Em um dos centros, um policial vigiava os três computadores disponíveis, apoiando-se em um deles. Não havia cubanos. Apenas turistas que chegam à cidade para ver onde o líder revolucionário Che Guevara venceu a batalha que marcou o início do triunfo sobre o ditador Fulgêncio Batista, ao descarrilar um trem com 300 soldados e um grande carregamento de armas e munição.

"O dinheiro que ganhamos é para comer e sobreviver. Não dá para pegar essa quantia e entrar num telecentro para se informar sobre o que acontece no mundo ou o que o mundo vê acontecer aqui", disse Yosbani, que trabalha no setor de turismo.

A última greve de fome de Fariñas, em 2006, tinha como objetivo justamente pedir que todos os cubanos tivessem acesso livre à internet. Para atualizar seu blog, o Foro Cubanacan Press, o dissidente tinha de viajar a cada 15 dias até Havana para usar internet na embaixada da Holanda por duas horas.

Lista. "Eu já tentei abrir uma conta de e-mail e usar internet nos telecentros, mas nunca me deixaram entrar e a conta foi bloqueada", diz Licet Zamora, porta-voz de Fariñas e também jornalista. "Quando fui perguntar o por quê, me mostraram uma lista com meu nome. É a lista dos que não podem usar internet."

Segundo Licet, que já foi detida por alguns dias e hoje vive em uma casa cuja fachada está pichada de preto (segundo ela, trabalho de agentes do Estado), boa parte das pessoas que sabe sobre a greve de Fariñas foi informada por parentes que vivem fora da ilha ou pela Rádio Marti, patrocinada pelos EUA. "Algumas dessas pessoas se solidarizaram, mas há também os que têm medo de represálias e preferem fingir que não sabem nada", diz.