Justiça matou Direitos Humanos e é curto-circuito político e social

Editorial do Correio da Lapa: A Justiça matou a lei

Quer mudar a imagem da polícia? Muda a polícia. Quem pode fazer isso? Políticos legisladores? Ou juízes intérpretes da lei? Poder Executivo? As três classes do poder? Quer mesmo mudar depressa? Faça como Cuba, Coreia e Irã. Censure a televisão. Ou então mude seu modo de votar nas próximas eleições.

Um torcedor, não importa quão baderneiro, exaltado ou culpado possa ser o cruzeirense no Palestra Itália, é cercado e dominado na arquibancada por uns cinco policiais no último fim de semana. Um deles desfere sete violentos murros até o desmaio, socos mostrados em câmara lenta pela Globo com transmissão em rede nacional. A emissora computou os socos um a um.

No Espírito Santo, nome tão sagrado para um torrão tão infernal, um cárcere é um contêiner prenhe de ratazanas mordendo os pés de condenados, uma arquitetura não com o pé-direito alto, mas com sete andares ou camadas de redes de balançar condenados. Novecentos presos onde caberiam uns 70. Quem fez a denúncia em rede global foi um magistrado no Programa do Jô na sexta-feira passada. No Maranhão, no Rio Grande do Sul, em Minas Gerais... Ficamos para trás.

Até o presidente Lula foi acusado nesta segunda-feira por defender, na ONU, um doce diálogo com as instituições e países que não respeitam a dignidade humana. Os Direitos Humanos estão mortos, é papo de ong e ongueiros buscando verbinhas do Santo Antônio Público e Privado. Mas a indignação, não, esta não morre nunca, apenas nos envergonha todo dia, enquanto os tribunais permanecem com aquele ar refrigerado, seco e gelado de Brasília, com aqueles maus juízes togados - há os bons, como há bons policiais - se sentindo superiores, sem a menor necessidade de fazer umas visitinhas de surpresa a essa realidade cotidiana das celas para onde a Justiça nas 27 unidades da Federação envia as pessoas mais pobres do Brasil. Milhares de juízes os enviam para lá, sem pena nem dó, mas são também responsáveis, em qualquer instância, da primeira à última, por este quadro de desídia legal.

A história não os absolverá, e o curto prazo os aguarda nas esquinas de tantas ruas exalando crimes num curto circuito social, político e jurídico.

Como juízes quase nunca conseguem julgar bem seus pares, e como mal ou bem o Brasil é nação soberana, fica tudo como dantes no quartel d'Abrantes. Vamos brincar que o Tribunal Internacional de Haia só é bom para os outros, só é bom para maus governantes da Servia e da África.

A violência contra a dignidade humana no Brasil está virando uma questão ecológica, fato que precursoramente foi abordado pelo velho Sobral Pinto com seus argumentos de direito de proteção animal para livrar a pele de Berger, o coitado de um comunista torturado todo dia pela Justiça da ditadura de Getúlio Vargas na década de 1930.

De lá para cá, quase nada mudou. Temos a internet e as mesmas cadeias, os mesmos juízes, as mesmas chicanas, as protelações, postergações, datas vênias e a padronização venal e chique de quem não sai da poltrona de couro, nenhuma visitinha inopinada à cadeia para ver a lei enfiar a dor onde não cabe nenhum valor, nenhum juízo, tudo esfincteriamente ruim, retrato dos nossos males e da nossa indiferença. Dói pensar, escrever sobre tão triste realidade. Pelo menos temos liberdade de expressão, e isso é uma conquista, e quanto a este aspecto, juízes, políticos e eleitores, estamos todos de parabéns. Mas faltam reformas, muitas reformas, e só por aí a democracia brasileira se consolida para reduzir a violência, as mazelas nas esquinas em que a repressão descabida só faz aumentá-las e agravá-las.