terça-feira, 22 de setembro de 2009

Editorial: Honduras & Zelaya Now

Sacada da Embaixada do Brasil, palanque da vitória do retorno de Zelaya ao poder em Honduras

O presidente deposto de Honduras,
Manuel Zelaya, ao voltar clandestinamente para o seu país e ganhar refúgio na Embaixada do Brasil, desestabilizou o governo do presidente de fato, deputado Roberto Micheletti, que corre o risco de desmoronar em poucas horas, se não conseguir deter as crescentes multidões nas ruas da capital Tegucigalpa.

Micheletti, que não tem reconhecimento de nenhum governo, pediu ao Brasil que entregue Zelaya para que seja processado. O presidente foi deposto por decisão do Supremo Tribunal hondurenho e substituído pelo ex-aliado Micheletti. Sua deposição e expulsão de forma humilhante, de pijama, foi explicada pelos que aplicaram o "golpe constitucional" como uma forma de evitar uma crise política maior como a que se vê agora, com o Brasil no olho do furacão. Se a presença de Zelaya era temida três meses atrás, quando tinha apenas 30% de popularidade, o que imaginar agora com todo o cerco midiático a favor de sua pessoa?

Zelaya, em sua primeira declaração na embaixada, transmitida com espalhafato por um canal de TV local, usou tom conciliador. A aparição na TV mostra que sua influência está se expandindo rapidamente.

Horas depois da primeira declaração na mídia, Zelaya foi à sacada da embaixada e acenou para a multidão. Usou tom já revolucionário, com o bordão, pátria, restituição ou morte. Milhares de pessoas diante da missão diplomática transformada em palanque da restituição ao poder.

O governo do Brasil negou que tenha participado da volta de Zelaya. Apenas o recebeu como o presidente de Honduras. Mas o fato de o governo Lula permitir que Zelaya use a embaixada como território para uma campanha aberta ao retorno à presidência, o fato de o dirigente deposto ter chegado com uma dezena de assessores e seguranças, o histórico de cinismo do governo Lula em dar explicações a fatos nebulosos, o fato de Zelaya ter chegado vindo da Nicarágua dos amigos sandinistas do PT, enfim, tudo isso leva a crer que houve uma participação mais ativa do Brasil nessa nova fase da crise.

A volta de Zelaya transforma Lula no principal fiador de uma situação política imprevisível, de alto risco, não se descartando a hipótese de um banho de sangue.

A chefe da diplomacia de Barack Obama, Hillary Clinton, já fez advertências nesse sentido nesta segunda-feira histórica para o ano de 2009.

Micheletti fechou os aeroportos do pais, anunciou toque de recolher e estendeu a medida restritiva que terminaria na manhã desta terça-feira para todo o dia. Greves foram anunciadas, protestos marcados para esta terça. Luz foi cortada na região da embaixada.

E Zelaya segue aumentando o tom. E Hugo Chávez falando grosso e ao vivo no mesmo tom, pedindo volta pacifica, mas sem esquecer o bordão: pátria ou morte.

Lula em Manhattan falando bem de Zelaya. O presidente deposto, que estava com a cartilha golpista de Chávez na mão, meses atrás, agora, de líder solitário passa a herói com o apoio dos Três Poderes: Obama, Chávez e Lula.

E o tom é cada vez mais exigente.
Zelaya já fez saber na noite de segunda-feira que não mais aceita o Acordo de San José para superar a crise. A proposta do presidente da Costa Rica, Oscar Arias, era a volta de Zelaya ao poder até a realização das eleições de 29 de novembro, sem chance de se apresentar como candidato. Não existe reeleição e era justo isso que Zelaya tentava quando foi deposto. Seu mandato vai até janeiro.

No tom crescente, Zelaya parece desmentir a tese de que a sua presença favorece o diálogo, como afirmou o chanceler brasileiro Celso Amorim.

Se no primeiro dia ele pôde fazer várias declarações e gravações na sacada da embaixada, qual será o diálogo senão o duelo de multidões?

Zelaya volta ao poder para cumprir X dias exatos de seu mandato? Ou seis meses, quase sete, se se contar o tempo em que já esteve deposto? O que poderia fazer Zelaya nesse pequeno espaço de tempo? Praticamente tudo: promover festas para os presidentes Lula, Daniel Ortega, da Nicarágua, Chávez e Obama.

Quanto confusão!

Cada vez mais isolados e perdendo a mídia em Tegucigalpa, Micheletti, os comandantes militares e os ministros do Supremo podem começar a preparar as malas, ou as metralhadoras.

Nesses quase 90 dias de exílio itinerante, o milionário fazendeiro Manuel Zelaya fez curso intensivo de revolução bolivariana. Participou de megas concentrações, como a de 4 de julho em Caracas, com um mar vermelho de simpatizantes de Chávez. Todo mundo gritando palavras como revolução, pátria ou morte.

Estas três palavras costumam andar bem juntinhas, especialmente a última.

Falta um magistrado como Gilmar Mendes em Honduras para dar veredito peremptório. O de lá já deve ter se escondido em baixo da cama.

O presidente de fato Micheletti foi quase patético ao dizer - está no Youtube - que a presença de Zelaya não muda a situação do país. Esqueceu de dizer a palavra certa. Não é não muda. A presença sim revoluciona Honduras, um dos países mais pobres do Continente.

A Organização dos Estados Americanos (OEA) exigiu de Honduras que garanta a integridade física do presidente Zelaya. O fato de ele aparecer na sacada da embaixada é sinal de que Mel, como é chamado o Manuel Zelaya, não teme a morte. Confia nos braços do povo, mas um atirador de elite... O Brasil devia tomar mais cuidado com os seus afilhados mais intempestivos.

A crise em Honduras é assunto na ONU em ritmo de Assembleia Geral. É manchete mundial. O timing para Zelaya voltar foi bem pensado.

Micheletti praticamente exigiu que as ruas de Honduras fiquem vazias e silenciosas nesta terça-feira, mas talvez seja tarde demais, e já na quarta pode ser dia de festa ou sangue.

Embaixadores de Zelaya reconhecidos em nações vizinhas trabalham para ampliar o leque de apoio ao retorno do presidente o tempo todo. A resistência ao governo de Micheletti cresce, enquanto Supremo e Alto Comando Militar parecem cair em si a cada minuto. Os será que os donos do poder vão querer ainda se fortalecer a cada instante, tendo como última arma o medo de uma guerra civil?

Plebiscito, a origem da crise, tem sido a ferramenta revolucionária de Hugo Chávez e Evo Morales na Bolívia. A moda se espalha numa América Latina cada vez mais viciada em passados que não deram certo. Aumenta-se o salário mínimo na sexta-feira, ou o bolsa-família, ou o cheque-cidadão, ou o ticket-leite, e convoca-se um plebiscito para domingo. E vamos ficando no poder.

Zelaya, voltando à presidência, abre caminho para se perpetuar por alguns bons anos de revolução bolivariana.

Mas afinal que revolução é esta?

A volta de Zelaya à presidência será uma vitória coletiva de Obama, Lula e Chávez. Depois, será só mais uma vitória do fantasma de Simon Bolívar, o líder mítico que não gostava de escravos, judeus e nem brasileiros, estes por serem muito europeizados, segundo se diz por aí em textos pouco confiáveis espalhados pela internet. Mas, no mundo latino de Chávez, tudo o que se diz de Bolívar, contra, é mentira. Bolívar queria um continente só nosso, rico e justiceiro, com censura à imprensa como em Caracas.

O fato é que ninguém sabe direito o que é a tal revolução bolivariana. Somente Hugo Chávez detém a verdade, esta fantasia que viceja nas injustiças de sociedades marcadas pelas desigualdades, com pobreza farta e velhos sonhos de uma democracia cada vez mais distante.

Correio da Lapa
Por Alfredo Herkenhoff