terça-feira, 31 de março de 2009

Coluna 7 do Alfredo sobre roubo, bondade e malandragem


Lula, Obama, Dilma, Serra, Aécio, Boccaccio, Mantega, Spilberg, Vaticano, Chrysler, Varig e Banerj

Por Alfredo Herkenhoff

Literatura da Robauto

Não é nada trabalhoso compilar uma série de roubos na literatura, na música e nas artes. Do mesmo modo, seria possível compilar o roubo frequente de relíquias. Poucos exemplos permitem mil reflexões. O livro Decameron, por exemplo, não li. Apenas o folheei. E, na internet, concluí o que ora exponho na própria internet: é composto de 100 contos narrados por 10 jovens durante 10 dias do século 14. Divertiam-se numa espécie de Carnaval da Idade Média, de Baile Fiscal de uma história em fim de linha, enquanto quase metade da população da Europa morria pela mão desconhecida de uma bubônica Peste Negra.

Refugiados numa festa rave, num maravilhoso castelo, os jovens contaram e cantaram histórias envolvendo celebridades, comerciantes, princesas e religiosos. Mostraram, sete séculos antes da promulgação da Lei de Gérson, a força da roubalheira. Respeitaram a Igreja Católica formalmente, mas não os malandros e otários devotos. Na cabeça de jovens pecadores, badboys da época, suas visões místicas eram ferramentas para mais engano. Apesar da decadência de uma civilização, antecedendo o Renascimento e as Navegações, os jovens narradores, pela pena fiorentina do escritor Giovanni Boccaccio, fizeram literatura do deboche, espetando os que se aproveitam da boa fé no universo da Igreja de Cristo.


Aécio acha que uma Dilma maior é uma Dilma normal

O governador Aécio Neves achou normal o crescimento de Dilma Rousseff na corrida pelo lugar do presidente Lula na campanha de 2010, que já começou. Disse que a ministra da Casa Civil está muito exposta na mídia. Dilma anda defendendo a legalização do aborto? Cuidado, mulher. Foi assim mexendo com fiéis que Jandira Feghali perdeu a vaga no Senado em poucos dias na reta final da eleição de 2006. Dilma parece querer um careca José Serra a um estilo playboy de BH num duelo pelo Planalto. Carecas no Brasil são como candidatos sem olhos azuis nos EUA. Mas lá ganhou Obama de olhos castanhos e negro. E cá temos o Chile e a Argentina com presidentes que são representantes do sexo macio. Então les jeux sont faits. Boa sorte galera humilde do PSol e boa sorte para aquela que não revela, nem amarrada, se vai mesmo concorrer à Presidência. E quando Dilma diz que nem amarrada, é isso mesmo. Ela já encarou tortura física quando pegou em metralhadora contra a ditadura e não entregou os companheiros mesmo amarrada no pelourinho moderno chamado pau-de-arara. Pouca gente consegue isso.

O Bom Ladrão

Um dos contos de Decameron mostra, glosando talvez o bom ladrão no Calvário, o absurdo que é a vida de um pecador contumaz se tornar, logo depois da morte, um exemplo de santidade. Não é de hoje, portanto, que a santificação popular surge de surpresa, como o ladrão. Do mesmo modo, surge a condenação.


Obama inaugura política dos ultimatos, mas a China e a Índia... Sei não...

O presidente Barack Obama adverte: as montadoras que não esperem por uma linha "sem fim" da grana de quem paga imposto ou de quem imprime nota de dólar. Obama deu ultimato aos maiores símbolos desses mercadores americanos da ilusão do mercado totalmente livre: prazo para apresentar armas que justifiquem novos recursos do governo. Obama quer tudo bonitinho. A Chrysler ganhou um mês para se associar à Fiat. Aí tem cheiro de banda podre e banda rica. Aquele esquema brasileiro do Proer. A parte boa da fábrica vai em frente. A banda podre vai ficar como aquele esqueleto da Varig, do Jornal do Brasil, do Banco Nacional ou do Banerj. A General Motors está demitindo a maioria dos diretores. Enquanto os EUA ficam na mirabolância das blazers beberronas e blindadas, a Índia e a China começam a fabricar carrinhos ao preço módico de 3 mil dólares, valor que não dá para comprar nem um banco de couro de um coupê de luxo de Detroit.

Quem tem pena da bondade?

O Vaticano, com 20 séculos de experiência, é hoje bem prudente em matéria de milagres, embora Padre Ciço (foto) e Madre Teresa de Calcutá não estejam nem aí para documento oficial do papado. O livro de contos Decameron não tem pena de exemplos de bondade e votos de pobreza, raros ao longo dos séculos.


Lula dá mais caminhão menos caro e menos cigarro mais barato

O governo Lula via Guido Mantega, ministro da Fazenda, decidiu ajudar a indústria de carros, caminhões e motos por meio de redução de tributos: menos IPI e mais fumaça nas cidades e nas serras. Prorrogou o incentivo fiscal por três meses, como o mercado já antecipara. Guido Mantega, acompanhado do vice José Alencar, explicou que a decisão é por tempo pequeno e para salvar empregos. Em compensação, o cigarro vai custar mais 30% para compensar a perda de arrecadação do governo. Melhor assim: cigarro mais caro, saúde mais barata. Este é o caminho. Quem não se aguentar que chupe uma guimba.

Quando a morte vem neguinho fica cheio de cagaço

A iminência da morte produz sentimentos de medo, pensamentos de eternidade. Advindo o óbito, tais sensações são substituídas pelo esquecimento que encobre a história de quase todas as pessoas. Tal esquecimento sim parece eterno. A comoção provocada pela morte propicia esses endeusamentos de ocasião. Voltamos dos cemitérios incensando personagens que foram cruéis em vida. Para uns parentes, é questão de sorte, para outros, de malandragem. No fim das contas, todo mundo é igual, com terra por cima, quando a vida termina na horizontal, como cantaram juntos Billy Blanco e Dolores Duran.

Sinônimo de sacanagem

Boccaccio virou sinônimo de sacanagem com bom humor. Boccaccio é uma forma de Bocagem e de Boquinha Nervosa. A peste, que poderia ser a Aids daquele tempo, dava o clima de teatro protegido ao cenário a mostrar que o mundo não é dos trouxas, e sim de quem se blinda e brinda nos castelos. Cuide-se. Não espere por milagres em vida. É mais fácil deparar-se com ladrões.

Silpeberg é diversão

Prenda-me se for capaz, filmaria o americano Steven Spilberg, também em ritmo de comédia, mostrando o jovem ator Leonardo di Caprio, golpista com medo de avião, voando, fingindo-se piloto entre pilotos de grandes aeronaves. A Rede Globo exibiu o filme pela enésima vez neste mês de março. E é sempre um prazer ver Tom Hanks em ação na calma da madrugada.

Os miseráveis de sempre

Numa França de milhões de miseráveis, Jean Valjean roubou um pão e foi condenado a 20 anos de prisão. Ao sair, foi adotado por um prelado generoso, um bispo que, por sorte, merecera um olhar do Imperador Napoleão, que passou a protegê-lo. Ao sair da cadeia, desesperançado, Valjean reluta em se tornar um homem de bem enquanto um policial insiste em caçá-lo como uma eterna ameaça à sociedade. No mundo atual, entre bilhões de miseráveis e uns poucos milhões de ex-presidiários, dilemas se repetem a cada instante: fazer o bem ou fazer o mal? Encarar o mal na porrada ou fugir e se omitir num castelinho qualquer?

Dennis e Brawn e o Difusor das Surpresas

A Fómula 1 surpreendeu o mundo. Estávamos todos errados. Rubinho não é um piloto Jeguinho Barrichelo. Apenas não tinha ganhado em 12 anos de pista uma oportunidade de verdade. Aprendemos que na Fórmula 1 três coisas são necessárias além da famosa trinca napoleônica: dinheiro, dinheiro e dinheiro para vencer uma guerra. Não, na F 1 você precisa de um motor, uma aerodinâmica (chassis) e um piloto. Sempre imaginamos que cada um desses itens respondesse por algo como 33% do desempenho numa corrida. O um por cento restante seria o imponderável, o acidente ou a quebra num átimo. Mas depois da estreia da competição em 2009, com a vitória da dobradinha Button e Rubinho, mudam-se os conceitos. Na Fórmula 1 de hoje, nomes como Ron Dennis e Ross Brawn fazem a diferença mais do que 1%. A nova escuderia britãnica, a Brawn, ao chegar ganhando, é o primeiro resultado de sucesso absoluto na esteira da crise financeira internacional. A equipe foi criada em 2008 e vai demitir 270 pessoas já em 2009, por imposições orçamentárias dos organizadores da competição, mas ainda assim emite sinais: eficiência é e será a regra do mercado. O espanhol Fernando Alonso, bicampeão, afirmou que se não proibirem a Brawn, Barrichelo e Jenson Button vão ganhar as 17 corridas de 2009 com o novo esquema de HPs a mais de suas máquinas com o tal Difusor... Mas não adianta chorar: F 1 e tecnologia são irmãs siamesas... O campeonato começou pegando fogo. Ron Dennis não tem medo da parada. Tem dedo dele em tudo o que faz sucesso no circo. Hamilton, atual campeão, o Obama da pista, é seu mais novo filho adotivo. Dennis já foi pai de todo mundo, incluindo Ayrton Senna e Alain Prost. O Difusor vai se alastrar como praga...

Mário de Andrade sem nenhum caráter fez Chico Buarque mudar de nome

Macunaíma, o herói sem nenhum caráter, aprendendo malandragem na trepidante São Paulo pós-Semana de 1922, rouba restos de esmola de um mendigo recém-depenado na rua. Quem rouba migalha, que sobrou com a vítima logo depois de escovada por um primeiro ladrão, tem 100 anos de ilusão. Chame o ladrão, chame o ladrão. Acorda amor, não é mais pesadelo nada... É Chico Buarque disfarçado de Adelaide.

Canalha, um bicho feroz

Em Se Liga, Doutor, de Batatinha e Marquinho Capricho, o malandro Bezerra da Silva canta: Eu assino embaixo, dotô / Por minha rapaziada / Somos crioulos do morro / Mas ninguém roubou nada / Isso é preconceito de cor / Por que é que o dotô não prende aquele careta / Que só faz mutreta e só anda de terno / Porém o seu nome não vai pro caderno / Ele anda na rua de pomba rolou / A lei só é implacável pra nós, favelados / E protege o golpista / Ele tinha que ser o primeiro da lista / Se liga nessa, dotô / Vê se dá um refresco / Isto não é pretexto para mostrar serviço / Eu assumo o compromisso / Pago até a fiança da rapaziada / Por que é que ninguém mete o grampo / No pulso daquele colarinho branco? / Roubou jóias no morro de Serra Pelada / Somente o dotô que não sabe de nada!

Ladrões devotos das relíquias de Minas

Domingo sim, domingo não, ladrões roubam as igrejas de Minas Gerais. Levam velas de devoção e saem com valiosas peças do período colonial. Saqueiam em todas as cidades históricas um pouco de todos nós. Suprimem a lembrança da fé e da arte naquelas montanhas. Igrejas não têm muitas portas. Os ladrões entram pelas poucas que há. Surrupiam esculturas em madeira, gesso e pedra sabão, castiçais em prata e ouro, crucifixos cravejados de pedras preciosas. Todos esses objetos integravam monumentos tombados pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Onde estão? Em barracos das favelas cariocas? Não, infelizmente não é caso de estender exemplos em demasia. O roubo de arte é universal. A receptação, sim, é localizada. Demanda trabalho de inteligência dos investigadores.

Por Alfredo Herkenhoff
Contato: alfredoherkenhoff@gmail.com