Histórias reais de viradão carioca nas noites de Botafogo
Eu que bebo, e a Comlurb é que capota? Por que? Vou com prudência, não dirijo. Nunca corro, nem a pé. Vou com calma, não dou carona ao azar, nenhuma ânsia para chegar ou me surpreender. Já a Comlurb, de quem era a pressa? Havia pressa? Ou rolou uma armadilha para o pobre servidor municipal? Não tinha marca visível de sangue no chão... O caminhão vinha da Av. Pasteur e passou diante da Policlínica. Pra que tanta pressa? Entrou na agulha sob o Viaduto Pedro Álvares Cabral para pegar a Rua Mena Barreto em Botafogo. Mas a lei da Física, nada de choque de ordem, não permitiu.
Caminhão da Comlurb capotou em Botafogo na madrugada deste domingo 7 de junho de 2009
Uns 35 anos atrás, um ônibus 127, Copacabana-Rodoviária, ia a mil em direção a Botafogo. no mesmo percurso, só que subiu o viaduto Pedro Álvares e capotou, caindo quase no mesmo lugar onde jazia na madrugada deste domingo o Viradão Carioca da Comlurb. Na ocasião, morreram quatro pessoas.
E agora o pior da história. Uns três dias depois daquele fatídico acidente dos anos 70, antes que as autoridades tivessem aumentado a muretinha do viaduto, estávamos eu e mais uns dez passageiros, umas 11 da noite, a caminho da Rodoviária Novo Rio num outro 127. Na altura do Canecão, o motorista acelerou e acelerou. Todo mundo tremeu, lembrando da tragédia ainda quente nas manchetes, todo mundo pressentindo o perigo logo adiante, aquela curva fechada no fim de uma descida e na subida do Viaduto Pedro Alvares Cabral. Pois o motorista parecia um louco com aquela velocidade, e os passageiros se entreolhavam e havia alguns já de pé prontos para pedir socorro, gritar para que o doido reduzisse o suicídio iminente.
Mas ele se lixava para o terror a bordo. O motorista, ao passar diante do antigo Cine Veneza, acelerou ainda mais, como se fosse possível correr mais. Quando desceu o primeiro vão sob o viaduto do Pasmado, que antecede o do Pedro Álvares Cabral, frio na barriga geral. Na altura da Policlínica, já todo mundo sentindo no corpo as ferragens na curva perigosa adiante, o motorista deu uma freada meio brusca e, quase parando, virou-se para nós e disse alto, rindo e gozando: "Calma, minha gente, calma que eu vou passar naquele lugar ali perigoso bem devagarinho".
Alívio geral, mas guardei para sempre a imagem. Era a de um torturador. Teve até bom humor, mas encheu o saco infringindo sabe-se lá quantas leis, desrespeitando cardíacos.
Esta notícia de um motorista torturador, que era uma das mais perdidas da minha memória da década de 1970, agora compõe o cardápio do caos nosso de cada dia: Hoje é Dia do Viradão Carioca. Ontem, também foi...
Isso é o Rio de Janeiro. Se você estiver dirigindo e, por causa de descuido de um motorista de caminhão, tiver de colidir, torça para que não seja com veículo da coleta de lixo da Prefeitura. Na hora, se por acaso o veículo da Comlurb estiver errado, parece que tudo será fácil, ressarcimento, indenização e tchau, mas, quando rola o processo, a coisa muda de figura. Entram em ação na ação a burocracia e o corporativismo, e o prejuízo é quase sempre um segundo desastre.
Texto by Alfredo Herkenhoff
Foto: Gabriel Nunes Herkenhoff