domingo, 28 de junho de 2009

Michael Jackson by Dulce Quental

É a Natureza Humana, Why? Why ?
Por Dulce Quental (*)

Ele tinha quase a mesma idade que eu, apenas um ano a mais. Suas canções guiaram os meus primeiros passos na pista de dança ao som do Jackson Five. “É a Natureza Humana, Why? Why ?”, eu cantava no inicio dos anos 80, na versão dos irmãos Jorge e Waly Salomão para a canção de Steve Porcaro e Joni Bettis, eternizada na sua voz . Voz de menino homem, um homem menino que com seu talento extraordinário iria balançar os quadris do mundo assim como Elvis. Nossos corpos nunca mais seriam os mesmos.


Um “bad boy” da Terra do Nunca; ícone da nossa juventude; um capítulo da nossa história que também termina; por que também somos estranhos a esse novo mundo que se apresenta?


A idade madura - que não chegou nunca para algum de nós, ou para muitos da nossa geração – talvez por isso tantos tenham ficado no caminho, ou outros tenham se recolhido ao ostracismo – enfim se escancara. Definitivamente entramos numa nova era; hoje a dança é diferente. Uma expressão artística tão corajosa como a de Michael é cada vez mais rara. Amy Winehouse, uma exceção. Quem estaria disposto a arriscar alguma coisa por alguém ou por alguma idéia ? Por que resistir as demandas de toda sorte de compensações; toda variedade de efeitos especiais; de sensações artificiais; de ilusões a disposição do nosso corpo; quando podemos nos livrar de nós mesmos; dos nossos desejos incomodativos; da nossa sexualidade mal resolvida; comprando formulas prontas de vida?


Por que se aventurar por universos não explorados pelas massas? Por que resistir a um sistema de gratificações imediatas? Quem se importa? Quem está velando pelos nossos sonhos? Se não há platéia não há show; assim o sistema nos faz crer. Por que acreditar nas próprias escolhas? Por que respeitar o tempo perdido; o desejo interrompido; a vida anônima, inegociável e não matável de cada um?


Michael é o sintoma mais agudo desse tempo em que o bio-poder se infiltrou em todas as nossas instâncias. Na sua arte podemos encontrar a tentativa de resistir a ultima fronteira da servidão voluntária: o corpo endiabrado; o corpo violado se expressa; dá voz a voz calada e muda da infância atropelada pelo desejo do outro.


Negro que quer ser branco? Corpo que quer ser santo? Sexo que quer ser outro? Pudor, pedofilia; morfina. Alegria, furor, crucificação. Maus tratos; inseminação artificial; espetáculo midiático; o rei do pop abre as artérias da América em crise ao mundo globalizado. A vida pode ser um lixo.


Tudo virou massa de tomate depois dos anos 80. Um enorme pastelão. E o pop que Michael ajudou a criar nas imagens e nos clipes reflete bem essa via crucies. Uma crucificação publica; numa total diluição das fronteiras entre o publico e o privado; confundindo ficção e realidade; e fazendo da realidade uma ficção: “num clipe sem nexo; um terror retrocesso; meio Bossa Nova e Rock and Roll”. Faz parte do show pop. That’s entertainment!


Enfrentar os demônios em publico; lutar pela verdade; por uma razão sem defesa; pelo direito a fraqueza (franqueza?); pela defesa da vida frágil e devastada. Um artista gigante numa época covarde. Uma alegria raivosa e radiante num fundo de melancolia e devastação. O inferno e o paraíso num só corpo humano; demasiado humano; como todos nós.

(*) Txxto enviado pela querida Dulce que tem o seguinte endereço e perfil:

http://colunistas.ig.com.br/caleidoscopicas/

Dulce quental é mãe, cantora e compositora (não nesta ordem). Cronista em busca da poesia esquecida destes dias perdidos, Dulce (sobre)viveu (a)os anos 80, e procura uma forma de se renovar sem se tornar cinza. Ela ouve a voz da chuva, acredita no poder do desejo, e brinca de amar o cinema, a música e a vida. Parceira de Frejat, Moska e Celso Fonseca, Dulce Quental é caleidoscópica.