sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Correio da Lapa e Correio do Brasil no caso Sean

(Leia ao fim desta edição de Natal um editorial do Correio da Lapa com críticas a Fátima Bernardes e William Bonner pelas críticas às bordoadas que a mídia americana deu no Brasil por causa deste caso, que ganhou proporções de escândalo mundial e exibiu a nossa injusta Justiça)

O bom senso soterrado pela mesquinharia

Por Gilberto de Souza
Editor-chefe do Correio do Brasil, jornal diário do Rio de Janeiro

A hipocrisia pequeno-burguesa que permeou o caso do menino Sean Goldman é o retrato exato da sociedade que os grandes meios de comunicação querem fazer com que a maioria dos brasileiros acredite existir. Uma questão pacífica, ou que desta maneira deveria ser compreendida, que é o direito de um pai criar seu filho, na falta da mãe, foi transformada em um espetáculo circense de péssima qualidade, movido pela ambição estereotipada da família materna do garoto, amparada em editoriais velados, ora lacrimosos, ora nacionalistas, dos meios tradicionais de comunicação.

Ao invés de cederem ao sentimento universal que embasa o pátrio poder, como foram obrigados após cinco longos anos de uma disputa desgastante e cheia de mágoas para ambos os lados, os familiares maternos de Sean envolveram-se em um torvelinho que os cegou, em meio à disputa de egos e à sensação de posse sobre os destinos de um ser humano que, por força dos fatos, não está no Brasil, mas nos EUA, ao lado do pai, uma vez que a mãe não mais existe nesse mundo.

Diante do drama causado pela contenda familiar, que a mais ninguém deveria interessar senão às almas envolvidas em tal lastimável episódio, uma grande rede de televisão, seguida de perto por seus tentáculos na imprensa escrita e falada, transformou a coisa toda em mais uma de suas novelas. Mas, ao contrário das demais peças, que exportam o cotidiano gerado na imaginação do roteirista, essa do menino Sean é real. David Goldman, pai, não é personagem dos folhetins apresentados após o jantar, nos lares brasileiros. É pai. Queria – e, claro, conseguiu – ter o filho de volta.

Os Goldman, assim como os norte-americanos que acompanharam o noticiário, pela versão deles do conglomerado televisivo que nos cerca, viram as pretensões inadequadas dos Bianchi tomar um vulto simplesmente absurdo e, de novo, impossível não lhes vir à mente a figura da República das Bananas, onde uma questão que qualquer corte de Justiça, no menor condado daquele país, decide em uma semana, assumir ares de uma justa constitucional, passível de solução apenas na Suprema Corte do Brasil. Ridículo espetáculo, tolos atores, todos, desde os envolvidos diretamente, os juízes que avaliaram o processo, nós, brasileiros, que pagamos por isso.

A questão é tão clara aos olhos do bom senso que, ainda na volta para casa, o pai de Sean diz, em entrevista (não para os meios de comunicação brasileiros), que os avós maternos serão bem-vindos aos EUA sempre que quiserem ver o neto e, de maneira alguma, pretende colocar qualquer obstáculo a outro direito natural das pessoas: O de encontrar seus entes queridos. Isso, no entanto, não tem graça para os abutres do jornalismo-espetáculo que, por sorte, nossos leitores jamais encontrarão no Correio do Brasil. O curso natural da vida, no entanto, tende a mostrar para a opinião pública deste país que não se faz novela com a vida alheia. Não se deve, por força da ética, usar o que é de caráter privado, íntimo, familiar, como fonte de notícias para aumentar a audiência, vender mais jornal, faturar com publicidade em cima da privacidade e dos sentimentos humanos.

Esta questão é tão cínica, tão mesquinha, que somente é possível se promover tal carnaval extemporâneo e bisonho se as famílias envolvidas forem ricas, brancas e bem-educadas, gente alimentada com bastante proteína durante os seis primeiros anos de vida, integrantes dos mesmos círculos onde os comensais são influentes nas instâncias da Justiça por onde tramitou o processo e nos meios de comunicação onde o caso assomou até ares de uma disputa comercial entre dois países, como se chegou a sugerir. Ora, o chanceler Celso Amorim deve estar às gargalhadas, da mesma forma que a secretária de Estado, Hillary Clinton, diante o novo Festival de Besteiras que Assola o País (Febeapa), de que tanto falava Stanislaw.

Quero ver se alguns desses canais de informação que se prestaram a tal mesquinhez subiriam o Morro do Alemão em busca, aí sim, de matérias de superação humana, de sofrimento real, causado pela violência e pela miséria a que são submetidos milhões de brasileiros, por força de um sistema econômico pensado e gerido pelos atores loiros, gordinhos e corados, que voam em jatos particulares, rumo à Disneylândia. Aí não tem graça. Isso, para eles, não é notícia: Os entrevistados por vezes não têm dentes, não sabem falar o português correto, aparecem ao fundo ora barracos, ora valões. Enfim, a nesga de realidade triste e sórdida em que este país ainda chafurda pode sujar os comportados lares dos poucos e poderosos integrantes da classe média alta que ainda mandam nessa nação.

Que vergonha!

O pai David sozinho e o padrasto Lins e Silva entregando Sean na Av. Presidente Wilson, diante do Consulado dos EUA no Centro do Rio de Janeiro


Correio da Lapa comentando a notícia

Padrasto e avó brasileira não têm perdão

E Bonner e Fátima Bernardes merecem umas críticas sim

Endossamos integralmente o conteúdo do artigo acima do colega Gilberto de Souza.

E foi estranha a crítica do casal 20 do Jornal Nacional, William Bonner e Fátima Bernardes, ao jornalismo americano que caiu de pau no Brasil. Fomos condenados ainda pelo constrangimento de Sean diante do Consulado americano no Rio. Fátima e Bonner, excelentes jornalistas, foram infelizes ao criticar a mídia ianque, no caso, por exibir o rosto do menino na saída do Brasil, como se exibir fosse algum constrangimento ou ilegalidade lá.

Ora, a legislação brasileira proíbe sim exposição de menores em situações de vexame ou que cause danos. Mas estava mais do que claro que os danos psicológicos no menino já haviam sido causados. No re-encontro com o pai, Sean estava começando a ser salvo. Aquele constrangimento foi o último e já superado. O constrangimento ali era do Brasil. Queremos ver o menino feliz voltando ao Rio de Janeiro daqui a alguns anos para rever amigos e ver o Brasil jogar no Maracanã em 2014. Já nem importa agora saber em que ritmo vai rolar a superação psicológica do menino, mas toda vez que Sean puder ser visto numa situação positiva, como foi o rejúbilo para milhões de americanos, e milhões de brasileiros, rejúbilo mundial ao ver reparada uma injustiça, a carinha do garoto tem mais é de ser mostrada. Se isso foi ilegal pelo estatuto de menores, reformemos a nossa lei, que anda atolada na morosidade e na falta de bom senso.

E ainda na noite do dia 24, Bonner naTV Globo insistiu em chamar pelo menos uma vez o David Goldman de pai biológico de Sean. Bonner não havia compreendido ainda que David é simplesmente pai. O adjetivo biológico só serve para casos de desídia, abandono completo para que outros criem uma criança, ou casos em que se insinua uma dúvida, seja esta causada por desconhecimento da existência do filho, ou desconhecimento da paternidade em decorrência por exemplo de sequestro não elucidado, como foi o caso do menino Pedrinho, roubado na maternidade pela maluca da Vilma do Planalto Central.

Naquele caso, sim, o pai se tornou biológico pela dor do desaparecimento desde o dia do nascimento do menino, pela distância, pelo seu aparecimento já quase homem, e aí sim, e mesmo assim, o jovem adolescente logo se assumiu como filho. E o pai, que era então biológico, se tornou imediata e simplesmente o pai de Pedrinho.

David nunca se tornou pai biológico, sempre foi o pai que teve o filho quase roubado de vez pela avó e pelo padrasto.

O vexame brasileiro, graças a Deus, terminou neste caso. O sofrimento da avó brasileira é compreensível. Mas ela e o padrasto não têm perdão. Desonraram o bom senso internacional, a Convenção de Haia, e, pior, ainda contaram, num caso de sequestro, ou outro nome qualquer para definir o caso, com o apoio de um magistrado do SupremoTribunal Federal, aquele mesmo ministro que mandou o banqueiro Alberto Cacciola passear por mais de cinco anos na Europa.

Por Alfredo Herkenhoff

Correio da Lapa deseeja Feliz Natal a todos, sem excluir ninguém, nenhuma das inúmeras pessoas desamparadas pela legislação brasileira ou que sequer conheçam seus pais biológicos.