Ameaça da Ferrari encurrala a cartolagem da Fórmula 1
Por Alfredo Herkenhoff
Diante da ameaça das principais equipes de abandonar a Fórmula 1 em 2010, o chefão a Fórmula 1 Bernie Ecclestone promove nesta sexta-feira, dia 15, uma reunião com os dirigentes da Federação Internacional de Automobilismo (FIA) e seus representantes nas escuderias que ameaçam sair do circo na temporada de 2010. A razão do boicote é a imposição de um teto orçamentário de 40 milhões de libras, algo equivalente a R$ 130 milhões de gastos por ano. As equipes montadoras investem muito mais do que isso. O valor foi estimado como uma limitação drástica em função da crise econômica mundial.
A Ferrari e a Renault já anunciaram oficialmente que vão abandonar a Fórmula 1 caso o teto orçamentário entre em vigor em 2010. A Red Bull, BMW, Toro Rosso e Toyota seguem a mesma tendência: ameaçar com um boicote. Na verdade, essas empresas não ameaçam sair, ameaçam acabar com a categoria mais sofisticada do automobilismo esportivo. Mas quem ameaça mesmo acabar com o circo num haraquiri não seria o dinheiro que ronda a cabeça de Ecclestone?
Enquanto no Brasil os bancos acabam com equipes de vôlei como quem apaga um cigarro, porque a Rede Globo não divulga as marcas dos patrocinadores, como ocorreu com o excelente time do Finasa / Osasco (Finasa, financeira do Bradesco, nome quase sempre omitido pela Globo), na Europa os ricos fabricantes de alta tecnologia querem gastar mais, respondendo à crise mundial com criatividade, porque a Fórmula 1 precisa sempre voar baixo. Hoje o carro voa a cinco centímetros do asfalto, mas a razão de ser da F 1 é a tecnologia para voar ainda mais baixo. E que se lasquem as competições americanas, cheia de mesmice, de empurra-empurra de automóvel em circuito oval, sem a sofisticação dos milésimos de segundos de cada volta, tudo se somando para se chegar à vitória. Na F1, cada detalhe, cada erro, cada decisão, pesa na tabela de classificação. Os EUA acumulçam tantos erros que suas grandes montadoras, seus carrões pesadões, quebram. E a Fiat, no mercado competitivo, ameaça comprar a parte boa dessas empresas emblemáticas e problemáticas de Michigan...
Mas é a Formula 1 que está em crise ou é Ecclestone? O cartola não esconde que, sem a Ferrari, sem a Fiat, a Fórmula 1 vai para o espaço. A tradicional marca de Maranello, do comendador Enzo Ferrari, hoje propriedade da poderosa Fábrica Italiana de Automóveis de Turim, está há 60 anos na categoria. A Ferrari é a única fabricante de carros que nunca ficou sequer uma temporada fora da competição.
O problema do orçamento baixo, para tornar supostamente a prova mais competitiva, igualando quem tem menos com quem se dispõe a gastar mais em tecnologia, apresenta uma contradição aparentemente sem solução. Nivela por baixo como se a tecnologia de ponta pudesse se resignar com sua própria redução científica.
Como participar de uma “guerra” tecnológica sem os recursos adequados? Napoleão Bonaparte já dizia que para vencer uma guerra precisava de apenas rês coisas: “Dinheiro, dinheiro e dinheiro”. O imperador francês foi derrotado quando seus inimigos em toda a Europa se reuniram e juntaram mais recursos do que o Império para mobilizar exércitos e armamentos de alta qualidade, tudo num tempo em que a tecnologia andava a cavalo, não conhecia nem a lâmpada e apenas engatinhava no vapor que catapultava a Revolução Industrial.
E o pior na Fórmula 1: a escuderia que ultrapassar o orçamento enfrentará desvantagens na pontuação a partir de 2010 se a mudança se efetivar. Já as equipes “pobrezinhas”, mantendo-se no orçamento, poderiam, por exemplo, usar asas ajustáveis nos carros, fazer testes com túneis de vento em plena temporada e competir com motores sem limitação de giros. Resumindo, os limites, que antes eram desafios tecnológicos, passariam a ser burocracia financeira e avidez.
Um exemplo do mal da grana é a mania agora de a F 1 realizar provas em horários de países distantes de tal modo que, pelo fuso europeu, o público no Velho Continente esteja já bem acordado no fim da manhã de vários domingos. Por causa da grana, da audiência e da publicidade, o glamour e a tecnologia de ponta estão pagando o pato. E vemos essas provas suspensas por chuva e falta de visibilidade com o lusco-fusco. Ou mesmo provas noturnas para que os europeus possam tomar o café da manhã e ver na hora que interessa aos anunciantes e gestores da F 1.
O dinheiro, a falta de dinheiro e a avidez são, sim, as ameaças verdadeiras à Fórmula 1.
FIM
Bernard Charles Ecclestone é o presidente e Ceo da Formula One Management e da Formula One Administration. Ele também possui a maior parte das ações da Alpha Prema, a matriz das empresas do Grupo de Fórmula 1. Como tal, é considerado a maior autoridade dentro da categoria. Seu controle do esporte, que resultou de seu pioneirismo na venda dos direitos televisivos nos anos 70, é principalmente financeiro, mas sob os termos do contrato com a FIA, e as dez equipes de Fórmula 1 e Formula One Administration, ele e suas companhias também dominam a administração, estrutura e logística de cada Grande Prêmio.