Leonardo sorri
Deu no jornal O Globo uma entrevista radical com Leonardo
Abre o clube. Vende o Flamengo
Dirigente do Milan diz que Fla tem de virar clube-empresa para se salvar
Leonardo estava ao volante, na Itália, quando atendeu a ligação. Para falar do Flamengo, pediu um minuto para estacionar no acostamento, tirar o paletó e afrouxar a gravata. O assunto lhe causa um nó na garganta. Apesar da distância que o separa do dia a dia do clube carioca, diz que se sente "muito dentro". Às vésperas da decisão da Taça Rio, e quem sabe da disputa de mais um tricampeonato, o ex-jogador rubro-negro chegou ao Brasil, a conversa continuou e suas palavras foram ásperas, apesar do momento. A hora, segundo ele, pede discernimento, pois uma nova conquista não pode evitar a ruptura com um modelo de administração falido e que, se não ameaça a existência do Flamengo, tornou-o inviável como investimento. A solução de Leonardo é radical, como ele mesmo apregoa: "Abre o clube. Vende o Flamengo".
Fábio Juppa
O Flamengo vive um ano turbulento, mas está prestes a decidir mais um título. Uma conquista não encobriria a gravidade da situação?
LEONARDO: A vitória está no DNA do Flamengo, que nasceu para produzir glórias. Estamos torcendo, mas é importante lembrar que a forma como é administrado está completamente falida. Para dar sustentabilidade ao clube no futuro, é preciso haver mudanças.
A situação é irreversível?
LEONARDO: É um sistema que não tem mais como sobreviver, pois hoje não há como injetar o que o Flamengo mais precisa, que é dinheiro. Tem uma dívida pública, privada, não tem crédito e não tem liderança. Todas as lideranças que passaram pelo clube foram esgotadas, e nascer uma nova só acabando com a atual. Essa estrutura foi vencedora, não dá só para marretar, mas não tem mais como viver. Ela ganhou, emocionou, produziu dinheiro, mas hoje não consegue mais, e não vai conseguir. A gente fala que o Flamengo é a marca, e ela produz o quê? Dívida, insucesso esportivo e confusão. Tem que ser humilde, né?
Como se daria a mudança?
LEONARDO: Há dois caminhos: o primeiro é o Estado intervir, como aconteceu na Inglaterra, na Espanha, em Portugal, ainda que o Brasil não tenha política para isso. Diante de associações falidas, o governo disse: ou vocês se transformam em alguma coisa, ou vão acabar, porque os sócios terão que arcar com o peso. A segunda é a minha proposta: abre o clube, vende o Flamengo. O que é o Flamengo? Uma grande marca, esportivamente a maior do Brasil, um direito federativo de disputar um campeonato, e o seu patrimônio, que é a paixão de 38 milhões de pessoas. O resto não pode nem ser considerado, pois, como capital, é irrisório.
Mas é possível vender?
LEONARDO: Tudo é possível. Pode chamar de venda, cessão de direitos de imagem, cessão de direitos federativos, tem várias maneiras. A verdade é que vai ter uma gestão independente, pela qual alguém pode botar dinheiro, fazer contas, perder ou ganhar e ir adiante, mas vai ter sempre seu maior patrimônio, a torcida.
Mas você fala exclusivamente do futebol?
LEONARDO: Essa é uma questão cultural. O que tem de existir é uma estrutura sustentável. O futebol é quem gera receita. A marca vai ser cedida a uma empresa que vai administrá-la como time de futebol. Hoje, tudo que se consegue no Flamengo é na base da amizade. É o cara que é amigo da Nike, da Petrobras, me dá uma força aqui, me adianta ali, a CBF dá uma ajudinha e a coisa vai andando. Assim fica difícil sanear um clube com a dívida que tem. Profissionalizar não significa contratar gente. É construir uma estrutura que se enquadre no mercado. Hoje, o Flamengo está fora do mercado.
A reação do torcedor não pode ser negativa?
LEONARDO: O torcedor, num primeiro momento, vai se perguntar: vão vender a minha paixão? Mas, hoje, o Flamengo está na mão de quem? Está na mão de uma estrutura viciada, de gente que vive daquilo, do empresário que ganha com venda de jogador. A Parmalat foi dona do Palmeiras por dez anos, só não tinha um estatuto que dizia isso, era combinado. A Unimed é praticamente dona do Fluminense, compra e vende jogador, faz tudo, e o Fluminense ganha percentual. É inversão de valores.
Como seria o processo?
LEONARDO: O Flamengo já pensou nisso, mas sempre mantendo sua associação de membros como majoritária da empresa. Estou falando de uma coisa radical, em que você elimina o que está acontecendo. Os dirigentes, que fizeram a história do clube para o bem e para o mal, e estão lá se perpetuando há 30 anos, seriam os vendedores. O clube está nas mãos deles, podem pilotar a transformação.
Você se vê participando desse processo?
LEONARDO: Todos eles (os dirigentes) me ligam para voltar e ser presidente, ou fazem outras pessoas ligarem. Eu nunca vou ser presidente dessa estrutura, do Clube de Regatas do Flamengo, associação sem fins lucrativos. Agora, se puser à venda, eu vou tentar juntar as peças. Pode ser que eu não consiga, mas vou tentar. E se eu não conseguir, alguém consegue. Dizem que o Flamengo é uma nação, mas, administrativamente, não é de ninguém. Como a instituição é frágil, jogador já chega de passagem. Nego (sic) faz o que quer. No clube, não tem quem seja capaz de comandar um novo modelo. Então, chegou a hora: pede o boné e sai.
Obs: Veja neste blogue-jornal Correio da Lapa a matéria
Timemania e crise financeira no futebol, publicada em março
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