quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Um brasileiro se despede de Lisboa - Por Bruno Garschagen

LISBOA, PORTUGAL


VISTO DE FORA

A transição no Brasil, ou a balada de uma despedida

Por Bruno Garschagen - bgarschagen@gmail.com
Publicado no jornal "I", de Lisboa, em 12 de agosto de 2009 (*)

Saudades do Brasil? A pergunta repete-se de maneira intermitente. Alguns, sinto, esperam que eu tire um pandeiro do bolso e comece a tocar um samba.


Opções.

Cheguei a Lisboa em 2007. Sem o menor interesse pelo país. A vinda era estritamente académica. E aqui eu estava mais perto da Inglaterra. Portugal não me interessava, como não interessa a boa parte da população brasileira. Ignorância. Indiferença. Já lá vão dois anos. Pela primeira vez, consegui amar uma cidade: Lisboa. Amigos não entendiam como eu não amava o Rio de Janeiro. Nunca amei.

Nesse período aqui consegui perceber a herança portuguesa no Brasil. Para o bem e para o mal. Não existe herança imaculada.

O cheiro de Lisboa, a luz do Sol, os encantadores dias nublados, o Inverno, O outono, as folhas que caem, a comida, os vinhos do Douro, o estímulo intelectual, os amigos, principalmente os amigos.

Sim, Aristóteles estava certo, a amizade é uma alma com dois corpos. Os amigos salvam uma terra devastada. Foi assim nas várias cidades brasileiras onde morei. Em Portugal tive os dois: amigos para consagrar, uma cidade para celebrar.

E o Brasil? O país encerra-se nas belezas naturais, na famosa alegria, no Carnaval, no samba, nas belas mulheres, no futebol, na violência urbana brutal? A existência do país, para mim, continua sendo um milagre. Como conseguimos provocar e resistir a tanta coisa?

Mas os milagres, sim, leitores cépticos, acontecem. Machado de Assis é um milagre, assim como o foram e são José e Joaquim Nabuco (pai e filho), José Bonifácio de Andrada e Silva, Frei Caneca, os jurisfilósofos Pontes de Miranda e Miguel Reale, o filósofo Mário Ferreira dos Santos, o escritor Lima Barreto, o compositor e maestro Heitor Villa-Lobos, o sociólogo Gilberto Freyre, o dramaturgo Nelson Rodrigues, o diplomata e ensaísta José Guilherme Merquior, o poeta Bruno Tolentino, o embaixador e ensaísta José Osvaldo de Meira Pena e alguns tantos outros. É igualmente um milagre que tenhamos hoje no Brasil uma revista de alto nível como a "Dicta&Contradicta".

O Brasil vive um período de transição bastante interessante. Se na década de 1990 surgiram no cenário público algumas vozes dissonantes da cartilha marxista e de suas derivações, a partir do ano 2000 despontou uma nova geração livre dos grilhões ideológicos que foram anabolizados durante o governo militar (1964-1985).

A ditadura maculou três gerações de brasileiros nas esferas política, económica e cultural: a que estava no auge na época do golpe, a que tentava abrir espaço e a que nascia sob os coturnos. Essas gerações foram atacadas de dois lados: por um regime ditatorial e pela dominação cultural e educacional da esquerda de vários matizes. Nas universidades, no meio artístico, no jornalismo, etc., o sujeito que não fosse de esquerda (o que não quer dizer que fosse de direita) era mal visto e rechaçado. Era preciso posicionar-se. Do lado deles.

Essa geração de que falo não se define pela idade. Há os mais jovens e os mais velhos. Em comum têm a ambição de fazer o melhor nas suas áreas sem ter que seguir a cartilha da esquerda e do politicamente correcto, sem esperar (e lutar para) que o Estado ou o governo de plantão seja o principal motor da sociedade. Quem mais se beneficia das misérias brasileiras são o poder de turno e um grupo numeroso de intelectuais, que servem como os legitimadores do satanismo político que assola o país.

Saudades do Brasil? A pergunta repete-se de maneira intermitente. Pessoas conhecidas, novos conhecidos, a dúvida vem acompanhada de um olhar e de um sorriso ansiosos por uma resposta positiva. Alguns, sinto, juro, esperam que eu tire um pandeiro do bolso e comece a tocar um samba e, insulto supremo, sambar. É extraordinário que alguém consiga fazer ambas as coisas ao mesmo tempo. Mas fazem. Impressionante.

E as saudades, Garschagen? Só dos meus, só dos meus. Então, porque voltas agora? Há muito, muito, que fazer por lá. E desconfio que toda a ajuda seja bem--vinda. Se não for, e por garantia, comecei a financiar uma casinha em Oxford. Se houver necessidade urgente, peço asilo político e vou cuidar apenas da família e do Barão, meu bulldog inglês.

Foi muito bom enquanto durou.

(*) - Jornalista brasileiro e mestrando em Ciência Política e Relações Internacionais no IEP /UC. Esta de hoje foi a quinta e derradeira coluna para o jornal português "i", de informação.