terça-feira, 30 de junho de 2009

Nepal proíbe bolso contra suborno. E se proibirem bolsa no Senado e na Petrobras? Especulações e literatura instantânea

EXEMPLO NEPAL

Vigilância e Ladroagem no setor privado e nas repartições públicas

Autoridades do Reino do Nepal decidiram nesta terça-feira magra proibir a existência de bolsos nas roupas, ou uniformes, de funcionários do aeroporto do montanhoso país do Himalaia. Para não soar medida falsa ou antipática, as autoridades anunciaram que a decisão é para dificultar a prática da gorjeta. Mas, na verdade, é ação radical contra propina de corrupção.

Questões nesse mundo de possiblidade que se julgava ficção se levantam. Por exemplo: e se alguém pensar em proibir que funcionários do Congresso Nacional e da Petrobras, duas das mais poderosas instituições do Brasil, levem bolsa para o local de trabalho?

Ou se cogitarem de instalar, além de catracas eletrônicas, sensores para pesar a passagem de cada funcionário na entrada e na saída? Se alguém na saida apresentasse um peso muito acima do razoável, mesmo para o mais glutão da repartição, aquele que come meio quilo ou quilo inteiro, o alarme digital soaria discretamente sob a forma de flagrante delito e bilhete azul. Tchau.

Se a moda pegasse no Brasil seria o início de 1984 no século 21. Seria o panóptico da velha cadeia na análise de Michel Foucault. Panóptico é aquele ponto fulcral de onde se avista todo condenado sob custódia em qualquer parte de uma Bastilha.

Seria a perda dos últimos vestígios de uma liberdade íntima, seria o controle final de nossas derrapadas nas curvas da tentação da vida. Com o advento das câmeras digitais, os chips, logo estaremos vigiados mesmo para sempre. Revolução dos Bichos.


Brincadeiras e exageros à parte, levar coisas do escritório para casa é uma questão séria que pesa na rubrica de gastos das grandes empresas. Uma boa administração tem de equacionar se um problema desses, ao se intensificar, seria decorrência de salários aviltantes, má educação ou má índole de fato.

Desaparecimentos misteriosos? Não! A verdade é que roubalheira e mentira é mato, no Brasil e no Nepal . Leva-se quinquilhaia mesmo. Vivemos na era da ladroagem. A literatura sobre desaparecimentos é vasta.

Uma vez, não me lembro em qual livro de Cortazar, li uma especulação do argentino, talvez tenha sido em Cronópios, sobre a diferença que se registrava no número de pessoas que entravam e saíam do metrô da grande cidade. Todo dia uma diferença e uma perplexidade literária, fantástica.

A literatura cinematográfica também é vasta sobre pessoas vivendo ou desaparecendo em lugares quase inimagináveis como reentrâncias urbanas, galerias, porões, tubulações, esgotos, cavernas desconhecidas etc.

Mas, de tudo isso, o exemplo de desejo de visibilidade no Nepal é o mais insólito pelo lado pateticamente óbvio de que, nu, ninguém leva nada no bolso.

Há de se tomar alguma providência para evitar que os ganhos ilícitos não pareçam um mal que jamais vá ter fim na civilização. Mas não dá para fugir do encerramento óbvio: ladrão e barata é igual a hidrogênio, do universo a mais abundante matéria. Ladrão e barata tem em toda parte, no luxo de Manhattan e no frio da Sibéria.

A propósito, os russos costumam dizer: confie, mas verifique. Como confiar sem verificar? Cegamente? Como verificar sem ofender a dignidade da pessoa humana?

No Rio de Janeiro, tempos atrás, uma fábrica de lingerie, por causa de umas gatunas, perfilava todas as funcionarias nuas, ao fim do expediente, para se certificar de que não estavam usando mais de uma calcinha preta.

Correio da Lapa, você não vale nada, mas eu gosto de você. Tudo o que eu queria era saber por que...

Eu poderia não encerrar nunca, mas sucumbo: uma vez me contaram o caso de um grande jornal em que a filial de uma redação gastava mais lauda, mais caneta e papel higiênico do que a matriz. Isso numa época em que os jornais eram ilhas afogadas num mar de celulose. Hoje o digital poupa árvores, graças a Deus e ótimo para o não-aquecimento global, embora alguns dos grandes jornais sigam desperdiçando árvores e editoriais.

Por Alfredo Herkenhoff