domingo, 2 de agosto de 2009

Carrossel da Lapa - 2 de agosto de 2009

(...) A Lapa não é mais aquela pequena geografia de que falava o escritor Luís Martins: “A rigor seria apenas o largo e a rua que têm o seu nome”. Ou na definição mais detalhada: “Espalha-se do Passeio Público às encostas do morro de Santa Teresa, da Avenida Augusto Severo aos Arcos”. E acrescentava com ares de novidade: “O início da Rua da Glória é ainda Lapa, assim como, do lado oposto, a Rua das Marrecas também o era, antigamente”. Isso tudo... Segue o que é na visão contemporânea do nosso maior biografista, Ruy Castro: “O dédalo de ruelas tornou-se sua segunda pele”, com os limites indo “para além dos Arcos, encampando parte da Mem de Sá, Riachuelo e Lavradio, roçando os contrafortes da Praça Tiradentes, tomando os sopés da Glória, subindo Santa Teresa”. Quem quer discordar?

A Lapa não se resume mais a uma região física, nem é um simples estado de espírito. É um complexo estado de folia. É até onde as ondas vão. Sonoras, culturais, inefáveis, invisíveis, radiativas, humanamente radiosas. A Lapa parece irmã gêmea de Santa Teresa. O bairro nasceu no rastro de um convento, um seminário. E de tanta religiosidade, produziu-se uma característica de contemplação. Na Lapa dá para pular carnaval ou simplesmente não fazer nada, flanar, ficar olhando enquanto a arte se produz. O número de artista que já passou pela Lapa é maior do que o número de metro quadrado do bairro. Ambos se expandem: o número e o metro quadrado. A Lapa se expande.

Eneida de Moraes, novelista paraense, pai d’égua! Escreveu o livro História do Carnaval Carioca (1958). Tinha prazer em falar da Lapa. Morou na Rua Morais e Valle e Visconde de Maranguape. Foi presa política na ditadura do Estado Novo, que também prendeu, com Eneida, intelectuais como Graciliano Ramos, Nise da Silveira, Aparício Torelly, o Barão de Itararé, e muitos outros. A ditadura de 64 também prenderia, décadas mais tarde, muitos lapianos vivos, como os jornalistas Nelson Rodrigues Filho a Arthur José Poerner. Vítimas encarceradas configuram verdadeiras aquarelas de esperança e cultura (...)

Por Alfredo Herkenhoff, trecho do inacabado livro Carrossel da Lapa